13 novembro 2016

América, América!

O Papa, como a Igreja católica, não é, nem pode ser, a favor ou contra nenhum candidato presidencial: há-de ser sempre pela paz e pelo bem comum.

Não sou daqueles profetas retroactivos que, depois de verificado um acontecimento que não previram, apressadamente vêm dizer que sempre souberam que as coisas iriam ser como de facto aconteceram e que, só por uma questão de modéstia, o não disseram a ninguém … Aliás, acompanhei a campanha presidencial norte-americana com moderado interesse porque, como aqui escrevi, nenhum dos dois candidatos me entusiasmou. Por isso, fiquei surpreendido, mas também apreensivo, com a eleição de Donald Trump.
Hillary Clinton foi, sem dúvida a grande derrotada. Em Roma, costuma-se dizer que, quem entra papa no conclave, dele sai cardeal. Assim aconteceu com a absolutamente imprevisível eleição de S. João Paulo II, que à partida não era ‘papável’ e que veio a ser um dos maiores papas da actualidade. É verdade que, em relação ao bispo de Roma, há que contar com a especial intervenção do Espírito Santo que, certamente, não interfere na eleição do presidente dos Estados Unidos da América, muito embora todo o poder venha do alto… Neste caso, o provérbio romano cumpriu-se à letra: a ‘candidata oficial’ foi preterida. Hillary Clinton, decerto, não iria trazer nada de novo aos Estados Unidos da América: era, apenas, mais do mesmo e o povo norte-americano quis, indiscutivelmente, apostar na mudança.
O eleitorado estado-unidense não só derrotou a candidata oficial como também infligiu uma pesada derrota ao ‘quarto poder’ que, na sua quase totalidade, tinha apostado, sem pudor, na candidata democrata. Desde o princípio, Donald Trump foi o bobo da festa e o alvo de todas as críticas mediáticas. No caso Watergate, a imprensa alcançou o auge do seu poder, obrigando à demissão de um presidente dos Estados Unidos da América. Mas, com a eleição de Donald Trump, a imprensa ficou reduzida ao que nunca deveria ter deixado de ser: um meio de comunicação e informação. O ‘quarto poder’ não pode ser, em democracia, nenhum poder, porque não goza de legitimidade democrática. Neste sentido, foi positivo que o eleitorado norte-americano reagisse contra o candidato que a imprensa lhe quis impingir e contrariasse a esmagadora maioria das sondagens. A vitória de Trump foi, portanto, uma importante vitória da democracia.
Hillary Clinton era, obviamente, a candidata politicamente correcta. Obama foi eleito em nome das minorias, porque um negro, na Casa Branca, é a prova de que a América superou os seus preconceitos racistas, realizando o sonho de Martin Luther King. Hillary queria ser outro tanto: a primeira mulher a ser eleita presidente da principal superpotência mundial. Mas os americanos não foram na conversa, porque sabem que, muito mais importante do que ser negro ou mulher, o presidente dos Estados Unidos da América tem que ser, mais do que um bom cartaz, uma pessoa capaz. A América não precisa de um ícone, nem de uma bandeira, mas de um presidente à altura da sua imensa responsabilidade nacional e internacional. A derrota de Hillary foi a derrota da política formatada pelos aparelhos partidários e suportada pelos comentadores da imprensa mainstream, para consumo do eleitor.
Clinton apresentou-se também como a candidata dos lóbis e das franjas marginais do eleitorado norte-americano. Por vezes, as maiorias são sequestradas pelas minorias que, por via de um discurso vitimista, tendem a impor as suas opções. As minorias devem ser reconhecidas e todas as pessoas, sem excepção, devem ser respeitadas, pelo menos na medida em que são dignas de consideração. Mas há que fazê-lo sem permitir que o que é minoritário se imponha à maioria. Contra a política das minorias e dos lóbis, o eleitorado americano reagiu, elegendo Trump. Hillary ameaçou limitar a liberdade religiosa, até ao extremo de admitir, à boa maneira das ditaduras, a supressão da objecção de consciência. Por paradoxal que possa parecer, o voto contra Clinton foi também um voto pela liberdade, nomeadamente a religiosa.
É verdade que Donald Trump, quando anunciou o seu propósito de construir um muro na fronteira com o México mereceu, da parte do Papa Francisco, uma dura crítica. Mas esse comentário não pode ser interpretado à margem das não menos severas censuras de Francisco à ideologia de género e ao aborto, que Hillary Clinton promove em tão larga escala. O papa, como a Igreja católica, não é, nem pode ser, a favor ou contra nenhum candidato presidencial: há-de ser sempre pela paz e pelo bem comum.
Mas, com Trump na Casa Branca, não estará mais seriamente ameaçada a paz mundial? A paz não está, decerto, garantida, mas são obviamente exagerados os temores de que o próximo presidente dos Estados Unidos da América provoque uma terceira guerra mundial. Como disparatada foi a atribuição do prémio Nobel da paz a Obama, que nada fez, que se saiba, digno desse galardão, mais político do que humanitário. Nem Obama foi tão pacífico quanto se supunha, nem Trump será tão belicoso como o pintam.
Se a eleição de Donald Trump foi uma surpresa, também o será, certamente, o seu mandato presidencial. O futuro a Deus pertence, sem esquecer que igualmente depende das acções e orações dos homens, de todos os homens. Que Deus ilumine o próximo Presidente dos Estados Unidos. God bless America!
Fonte: Observador

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