segunda-feira, 4 de dezembro de 2017

SAR, D. Duarte de Bragança: "Para muitos espanhóis não faz sentido a independência de Portugal"

D. Duarte desconfia do país vizinho e o filho, D. Afonso, na sua primeira entrevista, defende um referendo sobre o regime


Antes de dar início à entrevista, D. Duarte critica a actuação recorrente dos partidos: "Qualquer dona de casa sabe que se gastar o que não tem acaba mal e vemos que os constantes primeiros-ministros não percebem ou não querem entender isso. É uma síndrome republicana resolver os problemas até às próximas eleições e que a população esteja contente." Ao seu lado está o sucessor, o infante D. Afonso, que fez as primeiras declarações públicas nesse estatuto neste encontro (no final).


Entrevista a S. A. R., O Senhor D. Duarte de Bragança


Estão a aumentar os simpatizantes dos valores monárquicos?

Esse é um número difícil de avaliar, mas os valores dizem que há 30% de pessoas que acham que um rei era melhor que um Presidente e 70% considera que o Estado português deve reconhecer a família real e dar-lhe um lugar oficial. Ou seja, são simpatizantes mesmo que não sejam monárquicos. Por outro lado, diria que não há assim tantos republicanos convictos e muitos dos que existem são por razões que não têm base política mas afectiva ou familiar. Outro número a ter em conta é que os inscritos nas reais associações tem aumentado.

Há quem defenda núcleos monárquicos nos partidos. Concorda?

Sim, lembro-me até que nos anos 1980 havia um núcleo monárquico no PS. É óbvio que há mais tendência para os monárquicos escolherem partidos conservadores do que os de esquerda, embora o grupo de Gonçalo Ribeiro Teles fosse considerado de esquerda.

O Partido Popular Monárquico foi um erro?

Não posso dizer que seja um erro, pois às pessoas que são monárquicas assiste o direito a terem um partido, mas benéfico não é porque muita gente identifica o movimento monárquico com o PPM e não se percebe da exacta alternativa monárquica à republicana.

Os simpatizantes da monarquia votam no PPM?

A maior parte vota noutros partidos.

Que modelo de monarquia actual seria melhor para Portugal na sua opinião?

O modelo excelente tem sido o da Bélgica. Em crises governamentais o rei nomeia governos e tem funcionado bem.

A questão do referendo para a restauração da monarquia é uma luta dos monárquicos. Há condições?

Depende do espírito democrático dos deputados. Há os que consideram que não se deve fazer essa pergunta ao povo porque a resposta pode sair errada e não a irão aceitar. No entanto, já houve uma maioria de deputados favoráveis há uns anos que não conseguiram os dois terços necessários. A Constituição proíbe sair da forma republicana de governo, mesmo que o professor Jorge Miranda não concorde com isso.

O que diria a União Europeia se houvesse referendo sobre a monarquia?

Muitos países da UE são monarquias e até dos mais europeístas. Porquê? Os meus primos da Bélgica e do Luxemburgo não têm reticências à União - mesmo que eu tenha . Sentem que mesmo que o país perca parte da sua independência política como mantêm a sua monarquia não perderão identidade. Acho que a União não deve exagerar na centralização, pois pode criar reacções negativas por parte das populações.

Por isso foi contra o euro?

Defendi que a entrada no euro foi má para a economia portuguesa. Sair? Não se deve dramatizar excessivamente, antes analisar as alternativas.

Quando se o ouve a dizer isso parece sintonizado com o Bloco de Esquerda!

Há muitos aspectos em que o PCP e o Bloco de Esquerda têm razão. Mais nas preocupações do que nas soluções que propõem, embora o PCP tenha mostrado muito boas soluções no que tem proposto. Só que há um espírito clubista que não permite aos grandes partidos aproveitar as boas propostas.

Se fosse rei aceitaria uma geringonça?

Os reis europeus nunca tomam uma posição pública que possa contrariar a dos políticos, só o fazem em particular para encontrar bons compromissos. Nem tenho memória de um rei derrubar um governo, como aconteceu em Portugal, ainda por cima maioritário.

Quanto à geringonça...

Tem aspectos muito positivos, como o de conseguir que partidos que nem sempre se deram bem sejam capazes de viabilizar um governo. O que é perigoso é não aproveitarem a situação para diminuir a dívida, por exemplo.

Já o disse ao primeiro-ministro?

Não, só nos temos encontrado em ocasiões públicas. Mas gostava de falar com ele sobre o assunto.

Os monárquicos estão em vários partidos. A que se deve essa integração?

Porque existem deputados socialistas que são monárquicos. No PCP, nunca ouvi nenhum abertamente monárquico mas há muitos simpatizantes. Basta ver como nos recebem bem.

Acompanha a crise na Catalunha?

Nós, portugueses, podemos fazer muito pouco. No entanto, devíamos preparar-nos para as várias possibilidades deste processo no futuro, mesmo que para os portugueses seja indiferente.

Quase todos os seus antecessores tiveram de se defender de Castela. Qual é a sua posição sobre a nossa integridade?

Prefiro não falar nisso para não ofender todos os meus amigos espanhóis, a começar pelos meus primos. Diria que Juan Carlos e Felipe têm conseguido manter a estabilidade e unidade.

Franco, no entanto, fez uma tese sobre a invasão de Portugal em 24 horas...

Saiu um artigo numa revista em França que relata esse projeto de invasão de Portugal e porque não foi para a frente. Salazar demonstrou a Franco que os EUA iriam entrar na II Guerra Mundial e o seu potencial levaria à derrota da Alemanha. Portanto, Espanha não deveria ficar do lado dos derrotados. Essa é uma razão, há outra: os espanhóis não sabiam qual a reacção dos portugueses e como lhes tinham corrido mal as anexações de territórios em Marrocos... Para muitos espanhóis não faz sentido a independência de Portugal, mesmo que sejam muito amigos do nosso país e óptimas pessoas. Recordaria que um político português perguntou a Juan Carlos se não achava que era hora de pensar a União Ibérica e a resposta foi que estava mais preocupado com a união espanhola.

Está em perigo neste momento?

Sim, mas se tivesse havido consulta popular, o resultado seria maioritariamente a favor da união com a Espanha.

Juan Carlos faria o mesmo discurso que o rei Felipe sobre a questão catalã?

Provavelmente teria evitado tomar uma posição pública.

Como viu a passagem de testemunho?

Para o príncipe Felipe teria sido preferível ter tido mais um tempo de liberdade antes de assumir responsabilidades, mas o estado de saúde de Juan Carlos levaram Felipe a assumir o cargo.

Ficou chocado com a destruição do Pinhal de Leiria?

Foi uma dor de alma deixar arder uma floresta que tem 800 anos só porque não tem sido bem cuidada.

Dá atenção ao ambiente. Como viu Trump rasgar o Acordo de Paris?

Estou convencido que a sua base de apoio é muito empresarial e não gostam da política ambiental de Obama - melhor que a actual. É um problema tipicamente republicano, o de satisfazer quem apoiou a sua candidatura.

Foi visto em programas de TV mais leves ...

... Foi divertido. A maior parte dos monárquicos que consultei não queriam que fosse - estavam preocupados -, mas a minha experiência é de que me dou bem nos programas. Estou à vontade e os entrevistadores são amáveis.

Não acatou as opiniões mas também foi sempre rebelde, até fez uma greve de fome no Colégio Militar.

Foi uma iniciativa conjunta devido a uma injustiça feita a um aluno. Uma experiência interessante, porque ser adolescente é o máximo da aventura.

Já teve dessas "experiências interessantes" de rebeldia com os seus filhos?

Muitas vezes estão em desacordo comigo mas conversamos e chegamos a uma conclusão. Claro que é mais fácil com homens do que raparigas, elas são por norma mais emocionais. Mas as mulheres políticas são muito melhores que os homens, pois quase sempre têm uma visão menos sectorial da realidade e são menos agressivas.

Algum dos seus filhos renega o ideal monárquico?


Não, os meus filhos são inteligentes.


Fonte: DN

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