11 dezembro 2017

SAR, D.Duarte de Bragança: “ALGUNS PRESIDENTES PERCEBERAM QUE O PAPEL QUE O PAÍS QUER DO CHEFE DE ESTADO É O DE REI”



Os incêndios, reordenamento do território, dívida Pública, Língua Portuguesa, o papel do chefe de Estado e o do representante da família real, o que fez e faz em Timor-Leste, pela diáspora na Ásia, na Síria e nos países africanos de expressão portuguesa, a questão catalã, as monarquias e as democracias. O Duque de Bragança anda pelo mundo e pelo país, é recebido em câmaras comunistas e conservadoras, e abriu a porta de uma casa para falar ao SAPO 24.

O S.A.R, Duque de Bragança Dom Duarte Pio recebeu o SAPO 24 no coração de Lisboa, em pleno Chiado, na Rua Duques de Bragança, num prédio a uns metros da Fundação Manuel II, uma instituição particular, sem fins lucrativos, de assistência social, educacional e cultural, com acções no território português, nos países lusófonos e nas comunidades portuguesas em todo o mundo.
Recebeu-nos a servir, ele mesmo, um chá honeybush, chá medicinal sul-africano. Bebemos antes de arrancar com uma conversa de cerca de duas horas, uma conversa que terminou com Dom Duarte Pio, de novo na cozinha, a fazer uma tosta de queijo (açoriano) e a servir um copo de vinho. A que se seguiu mais uma hora de conversa.
Se ao início, fomos apresentados a Dom Afonso Maria, filho mais velho, que nos abriu a porta, no final cumprimentámos Dom Dinis Maria, o filho mais novo. A filha Dona Maria Francisca esteve presente em relato sobre a sua presença no baile de debutantes em Paris em que foi apresentada à sociedade. A mulher, Dona Isabel de Bragança, veio à conversa quando se falou de carros elétricos ou não conduzisse ela mesmo um.
Numa sala com paredes decoradas de estantes com livros, pontificava ao centro, numa mesa, um pato embalsamado, que sobressai entre livros, conversou-se sobre dívida pública, incêndios, reordenamento do território, da questão catalã, Portugal, a preservação da língua portuguesa na diáspora e do papel que D. Duarte, passado e presente, de Timor a Angola, das monarquias e da República.
Muita da acção e intervenção de D. Duarte “mora” fora de Portugal. Exemplifica com Timor-Leste, Síria, África e Ásia. Suspira um lamento: não ter sido mais interventivo no seu próprio país.
No seu discurso do jantar dos Conjurados (jantar que antecede o dia 1 de Dezembro) tocou em vários assuntos.
... Falo todos os anos sempre de assuntos de interesse geral e de outros temas mais de interesse dos monárquicos. Tem a ver com uma certa cultura política que interessa aos monárquicos ou aos que manifestam interesse no tema e tem dúvida se são republicanos ou não.
Ainda há pessoas com essas dúvidas?
A maioria dos portugueses não tem uma opinião segura. A sondagem do centenário da República, 40% disse não se sentir republicano. Uma sondagem que custou 10 milhões de euros e nunca foi divulgada. A sondagem anterior, 29% eram favoráveis a um rei em vez de Presidente da República.
O papel do presidente da República é o que defende que deveria ser o do rei. Marcelo Rebelo de Sousa faz o que gostaria de fazer?
Faz. Como fez o general Ramalho Eanes. Alguns presidentes da República perceberam que o papel que o país quer do chefe de Estado é o papel de Rei. O público suspeita sempre que um presidente de origem partidária tenha simpatia com o seu partido. A independência política é posta em causa, com excepção de um militar, que não tem um partido por detrás. Marcelo tem feito um papel extraordinário, reconhecido pelo país todo.
No discurso falou dos incêndios e de ordenamento do território.
Gonçalo Ribeiro Telles antes de entrar para o governo [em 1976 com Mário Soares e entre 1981 e 1983 com Francisco Balsemão] explicava como deveria ser a política de desenvolvimento rural e política florestal. Na altura era uma utopia. Depois houve consenso sobre posições tomadas [reserva agrícola nacional e ecológica]. O pinhal de Leiria, com 700 anos, é do Estado e nunca tinha ardido, mostra algo de profundamente errado na nossa política florestal. Não se pode pedir aos proprietários, por norma gente sem recursos e idosa, que limpem as florestas quando não há compensação económica. Tem que haver uma gestão associativa da floresta com o Estado a ajudar nos custos de manutenção e actividades económicas rentáveis no Interior que atraiam populações.
Que actividades económicas. Agricultura e/ou indústria?
Ambas. Fixa populações. A indústria pelo país torna muitas vezes a agricultura como uma atividade complementar. Há concelhos em que a única actividade remunerada advém das câmaras municipais.
Ainda em relação aos incêndios...
Os bombeiros, gente muitíssimo dedicada que põe em risco a vida são indispensáveis. Agora, há qualquer coisa de muito errado na estratégia de combate aos incêndios. As Forças Armadas estavam proibidas de participar no combate porque, segundo a versão de governos anteriores, é uma concorrência desleal contra as empresas privadas de combate aos incêndios florestais... E depois as leis. Os nossos incendiários são considerados tontinhos. Poucos são presos. Noutros países são tão graves como os assassinos.
A questão financeira do país também foi abordada. Revisitando, como viu a intervenção do FMI. Teria feito diferente?
Foi lamentável que se tivesse chegado a essa situação. Não sei se havia alternativas para a irresponsabilidade de governos anteriores que levaram o país a essa situação de falência. Hoje estamos a ir pelo mesmo caminho com uma dívida pública de 130% em relação ao PIB. Em qualquer empresa seria uma falência. Há possibilidade de corrigir, mas não se pode gastar o que não se ganha e não se tem. Temos que aproveitar uma altura em que o país está um pouco melhor, em que há uma certa recuperação, para pagar a dívida e não aumentar.
Deveríamos aproveitar para pagar a dívida pública?
Na Fábula de La Fontaine, a formiga trabalhava e a cigarra cantava no verão e morria à fome no inverno. Somos um bocado a cigarra. É síndrome republicano. O que o que importa são os próximos 4 anos, eleitorado contente e ganhar eleições. Nas monarquias, mesmos aquelas em que aparentemente o rei não tem nada a dizer, têm uma grande influência junto dos políticos. O rei da Bélgica, Suécia, Dinamarca e Reino Unido, conversam com os políticos, ajudam a criar consensos e acordos e previnem contra a corrupção. Sobretudo estão preocupados que os netos herdam um país em condições. Os republicanos têm, normalmente, uma visão de curto prazo.
Falemos do D. Duarte. O que faz e por onde anda?
Em Portugal vou fazendo o que posso. As câmaras municipais convidam-me e à minha família para atividades culturais. Todas, desde o partido comunista ao CDS. Entre 50 a 60 convites por ano. Participo em várias organizações, desde assistência social, ambiental.
E fora de Portugal?
Nos países da CPLP, todos eles, no Brasil a minha importância advém de ser descendente da Rainha Isabel que foi quem libertou os escravos... tenho tido experiências interessantes. Desde governadores angolanos que me convidam porque a minha presença ajuda nas suas relações públicas porque há uma grande popularidade em Angola, Moçambique e Guiné em relação ao Rei de Portugal.
A sua relação a Timor é próxima. A que se deve?
O parlamento timorense deu-me a nacionalidade e o governo um passaporte diplomático. É muito prático quando vou, por exemplo, a Angola. Perguntam-se sempre: passaporte encarnado (risos)?
Mas é só para ter um passaporte?
Não. É uma grande satisfação participar na vida do país. Em 1974, no começo do 25 de Abril, fui pela primeira vez e fiquei impressionado com o sentido de tradição do povo e respeito pelos antepassados. Durante a ocupação Indonésia, com o Ramos-Horta criámos o movimento internacional de apoio a Timor com a ajuda do senador Kennedy e dos estudantes portugueses em Rhode Island. Em viagem à Indonésia, com o Bispo D. Ximenes Belo e o Mário Carrascalão, convencemos o governo indonésio que tinha de mudar de atitude. Não tinha aconselhado que fizessem o referendo. Fizeram e correu mal.
Falou das tradições do povo timorense. Não há em Portugal?
Não é tão profundo. Ainda hoje o timorense no interior se lhe perguntarem se são portugueses, dizem que sim, são portugueses. São timorenses, mas também portugueses. Foi um acordo tomado pelos seus antepassados com os reis de Portugal. É uma aliança de 500 anos.
Portugal republicano esqueceu essa diáspora na Ásia?
Naquela região há muita gente ligada a Portugal que não ligamos nenhuma. Na Birmânia, há cidades portuguesas. Na Tailândia, em Banguecoque, há quatro paróquias portuguesas. Há 10 mil católicos descendentes de portugueses. Em Ceilão é fortíssima a nossa presença. No ano passado, com o apoio da Fundação Manuel II e do governo timorense organizou-se, em Malaca, o primeiro Congresso dos lusodescendentes da Ásia. Para o ano será em Timor.
Está mais virado para a CPLP do que para Portugal?
A Fundação Manuel II colabora para a preservação da língua portuguesa no mundo e em programas de assistência rural em África. Somos aliados de uma das fundações observadoras da CPLP. E tenho tentado por o Brasil (com uma capacidade e conhecimento cientifico aproximado dos Trópicos) a colaborar com África e Timor. A Fundação Padre Anchieta, governo do Estado de S. Paulo, está a colaborar com o envio de filmes portugueses. Faltam programas em português na televisão timorense.
Mas o governo português não disponibiliza?
Disponibiliza através da RTP Internacional e RTP África. Mas a RTP Internacional está mais virada para a Europa e para as comunidades que aqui vivem e gostam mais de futebol (risos).
D. Duarte não gosta de futebol?
Gosto. Da festa e do público. Do jogo que é estimulante. Acho que o desporto devia ser amador, sei que é utópico... Os clubes profissionais, reconheço, possibilitam a prática desportiva. Mas o desporto profissional é uma contradição. Não deve ser um circo. Deve ser uma actividade de estímulo, em que todos deviam concorrer sim, mas seguindo o exemplo grego e o renascimento do espírito olímpico.
Mudando de assunto: A questão catalã.
A cultura tem para alguns povos mais importância que os factores económicos e políticos. A Escócia não tem interesse económico e político em abandonar o Reino Unido. No caso de Catalunha é sobretudo a questão cultural. A maioria aparentemente não é a favor da separação de Espanha. Mas a maioria não foi votar.
Que solução defende?
Tenho sugerido que a melhor solução seria a Catalunha ser um reino unido com a Espanha. Daria toda a vantagem cultural e espiritual de ser um reino e não criava os traumatismos de uma separação política com Espanha. Infelizmente os independentistas catalães são muito radicais e seguem aquela linha desastrosa da 1ª República catalã em que perseguiram padres e católicos. Esse radicalismo receio estar muito presente no movimento independentista catalão.
E o resto da Europa? Também assistimos a alguns movimentos...
Há movimentos culturais. Córsega, Bretanha, Itália do Norte, reinos de Nápoles, são uma revolta dos povos contra uma uniformização cultural que está a ser imposta. O país que dá o melhor modelo que deveria ser a União Europeia é a Suíça. A cultura de cada Cantão é muito respeitada. Há leis diferentes. E há Cantões em que se vota ainda por braço no ar. A Confederação Helvética não pertence à UE é porque consideram que põe em causa a própria identidade.
Há partidos europeus que defendem uma monarquia constitucional. É esse o seu modelo?
É o único que existe hoje. As monarquias europeias, ocidentais, asiáticas, como a Tailândia e Camboja, são monarquias democráticas. Marrocos é mais democrático que alguns países do Magrebe. Muitas são mais democráticas que as repúblicas na mesma zona. Não se pode continuar a fazer essa confusão entre república e democracia. O Dr. João Soares disse muitas vezes que a maior parte das monarquias são mais democráticas que a maioria das repúblicas.
O único aspecto em que uma república é mais democrática que uma monarquia é simbólico: ter um chefe de estado eleito. Só que antes é escolhido pelos partidos. Se não o for, não consegue.
Assiste-se hoje a uma renovação da própria monarquia. Os príncipes ingleses e espanhol não casaram com princesas?
É consequência do espírito das monarquias. Os reis tentaram ser o símbolo da sua época. Na Idade Média estavam na frente das batalhas, na Renascença eram os defensores do progresso, cultura e ciência. E hoje, o único valor da nossa época é a democracia. Por isso, os príncipes fazem casamentos democráticos.
O seu filho D. Afonso está preparado para a sucessão?
Está mentalizado que está ao serviço de Portugal. Todos eles estão. Para além de se governarem economicamente têm sempre que contar que o país pode precisar deles. Agora, como é que o país quer ou quererá, não sei. Pode ser como eu, fazendo diplomacia complementar à diplomacia do Estado, na divulgação da língua portuguesa. Ou pode ser que o povo português queira o meu filho como chefe de Estado.
Tal implicaria uma alteração constitucional?
É. A Constituição da República proíbe que se coloque em causa a forma republicana de governo. É uma frase mal colocada porque o que se põe em causa é uma forma republicana de chefia de estado. E em Portugal o presidente da República não governa. Os reis reinam, mas não governam. São necessários dois terços dos deputados para mudar.
Os deputados teriam de mudar o sistema em si. Acredita?
Poderá mudar no dia em que o nosso parlamento for verdadeiramente democrático e não tiver preconceitos ideológicos antimonárquicos. Um europeu ser antimonárquico é um insulto às melhores democracias europeias que são monarquias. Países nórdicos, Bélgica, Luxemburgo, Reino Unido. Não são menos democráticos que Portugal. São até mais porque não tiveram interrupções nas suas democracias. A única monarquia europeia que viveu um período pouco democrático foi a Itália de Mussolini.
Sente falta de um partido monárquico no Parlamento?
O PPM [Partido Popular Monárquico] foi um partido sério e útil com Ribeiro Telles e Henrique Ruas. Pela primeira vez debateu-se a nível nacional a questão monárquica e introduziu a ecologia. Hoje não faz muito sentido quando há monárquicos em todos os partidos. Não se pode contestar o direito de um partido ter no seu programa ideias monárquicas.
Teria que começar na Assembleia da República?
Por aí acho que não se vai lá porque quase todos os monárquicos têm outras opções importantes para eles. Por isso acham preferível apoiar outros partidos.
Olhando para trás arrepende-se de algo que fez ou que não fez?
Arrependi-me de algumas iniciativas políticas que podia ter tido e não tive, foram oportunidades perdidas. Podia ter sido mais interventivo.
E de que se orgulha de ter feito ou ter contribuído?
As grandes iniciativas políticas... as negociações em Timor. O acordo entre o movimento de libertação de Cabinda e o governo angolano. A negociação que lancei na Síria, embora não tenha corrido muito bem porque os movimentos mais radicais islâmicos não quiserem participar. Provavelmente os movimentos moderados e o governo sírio [de Bashar al-Assad[ vão seguir a proposta. Na altura concordaram com um governo de unidade nacional e em retirar os privilégios ao partido Baath. Não impor uma democracia totalmente livre, porque seria perigoso, mas sim de consensos.
Foi mais interventivo fora de Portugal. Lamenta?
Fui útil lá fora. Aqui os políticos não me ouvem muito. Não lamento. Recordo-me da minha proposta para o Ultramar em que propus uma espécie de Commonwealth. Organizei uma lista de candidatos para as eleições de 1972. O Marcelo Caetano expulsou-me de Angola, fui também expulso de São Tomé onde estava a organizar uma lista de candidatos à Assembleia Nacional. Marcelo Caetano tinha razões que eram muito pouco patrióticas. Já tinha negociado com os EUA e África do Sul para a independência de Angola. Não era aquilo que interessava aos angolanos. Em 1975 tentei aproveitar as liberdades democráticas, mas fui impedido. Em São Tomé fui expulso três vezes.

Fonte: Sapo24

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