segunda-feira, 26 de fevereiro de 2018

Aqui repousa o nosso Apóstolo do Oriente

Foto de Nova Portugalidade.


A igreja privativa da Casa Professa foi começada a construir em 24 de Novembro de 1594, à custa dos legados do capitão de Ormuz e Cochim, D. Jerónimo de Mascarenhas, sendo sagrada pelo arcebispo D. frei Aleixo de Meneses, em Maio de 1605. Quando das festividades por ocasião de São Francisco Xavier, em 1624, o templo estava praticamente acabado e a sua decoração interna também a ponto de receber com pompa o novo sarcófago do Apóstolo das Índias.

A capela de São Francisco Xavier, onde se expõe o seu sumptuoso túmulo, foi concluída em 1659, posto que tenha continuado a ser enriquecida, durante as décadas seguintes. A sua estrutura é muito original, pois abre-se para os quatro lados através de grandes portais; um para o transepto, outros dois para a zona da ante-sacristia e finalmente outro para o claustro. Se é assim no piso térreo, igualmente há acesso à sua vista superior através de varandas, uma das quais fica junto à passagem para o coro-alto.
As paredes são integralmente forradas com talha dourada de fabrico local, onde se incluiram quadros alusivos à vida de São Francisco Xavier, uns de clara origem italiana e outros fruto do engenho de pintores goeses.

A obra mais importante da ourivesaria indo-portuguesa é a caixa de prata deste monumento funerário, aqui numa foto anterior às modificações feitas em 1951. Foi executada em Goa, em 1637, e é claramente obra de artistas indianos, cristãos ou não. Atingiu o preço de 12.000 escudos, e os trinta e dois quadros em prata que o adornam basearam-se, no todo ou em parte, em gravuras do francês Valerien Régnar, impressas em Roma, em 1622, que reproduzem as pinturas de grande dimensão que, durante as festas da canonização cobriram as paredes laterais da igreja de Jesus de Roma, que por sua vez foram inspiradas nos dados relatados na História da Vida de São Francisco Xavier de João de Lucena, de 1600, impressa em Lisboa, e na De Vita B. Francisci Xaveri J., de Orazio Tursellino, publicada em Lion, em 1604. Este conjunto é o mais extenso ciclo hagiográfico xaveriano, com maior número de ícones.
A base do monumento funerário propriamente dito foi oferecido pelo grão-duque da Toscana, Cosimo III de Medice. Já o sarcófago de prata é uma obra indo-portuguesa, executado em Goa, nos anos de 1636 e 1637. Quanto ao soco, só depois do padre Francisco Sarmento ter dado um cochim que estivera sob a cabeça de São Francisco Xavier ao grão-duque, é que este decidiu oferecê-lo, encomendando-o a alguns dos melhores e mais conceituados artistas italianos do tempo.

É composto por um maciço de mármore, paralelipipédico, assente sobre outro mais largo, mas mais baixo, cuja ligação é feita por um ressalto, para melhorar a perspectiva. Este pódio inferior tem mármores amarelos-terra, vermelhos, na parte estrutural, e possui composições em mármore branco de Carrara nas quatro faces, de desenho complexo, com enrolamentos fitomórficos, tudo a enquadrar um escudo à italiana de fantasia.

O segundo nível, paralelipipédico, é feito em mármore azul levemente acinzentado, e cada face tem uma composição constituída por pilastras laterais muito largas, ornadas jarras com flores, e no meio de cada par há quatro belíssimos baixos-relevos em bronze. No primeiro pode ver-se São Francisco Xavier a pregar a nativos das Molucas. Por cima, dois anjos em mármore branquíssimo e de um irreprensível lançamento barroco, seguram um rótulo com enrolamentos vegetais e filactérias, onde se lê: “Nox inimiga fugat”. No segundo baixo relevo, o santo está a baptizar habitantes dessas mesmas ilhas e no conjunto superior, em tudo idêntico aos restantes três, o primeiro dos quais acabámos de descrever, está escrito na filactéria “Ut vitam habeant”. No terceiro relevo a cena é mais dramática, com Xavier a ser atacado por indígenas de Moro, com setas e pedras, e o missionário tenta escapar, atravessando um rio. A legenda superior é a seguinte; “Nihil horum vereor”. Finalmente, a quarta e última evoca a morte de Xavier na Ilha de Sanchoão, enquanto os seus companheiros e um anjo o assistem nesse transe. A legenda é “Major in Occasu”.
As pedras já lavradas, os relevos e demais materiais para o túmulo chegaram a Goa, em Setembro de 1698, levados por Placido Francesco Ramponi, o artista que foi encarregado da sua montagem. A execução propriamente dita, o trabalho de projecto, modelagem e escultura, no entanto, foi da responsabilidade do escultor florentino Giovanni Baptista Foggini. Se é verdade que Ramponi, que escreveu um tão detalhado diário da sua viagem, aliás ilustrado com magníficos desenhos e importantíssimos apontamentos sobre a região, nomeadamente sobre a Botânica, não nos legou a identidade do autor. Porém, no Abecedario Pittorico, publicado em Veneza, em 1753, lê-se que Giovanni Battista Goggini fez várias estátuas que foram dadas ao rei de França Luís XIV, como “…alcuni bassi rilievi, e puttini di marmo, per il Deposito de S. Francesco Saverio in Goa…”. Este artista foi nem mais nem menos do que “architetto primario e primo scultore della Casa Serenissima”, e também “soprintendente dei lavori”, entre 1687 e 1725. Em 1687, adquiriu a fundição que pertencera a Giambologna, situada no Borgo Pinti, o que lhe permitiu executar belíssimos relevos em bronze, como os quatro do monumento de São Francisco Xavier, ou os do túmulo de Galileo Galilei e do altar da capela Corsini, situada dentro da basílica de Santa Maria del Carmine, em Oltranto.

Pedro Dias, Professor Catedrático da Universidade de Coimbra

Foto de Nova Portugalidade.


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