Praça de Camões é ponto de partida de um percurso que passa pela ourivesaria oficial da coroa, a Leitão & Irmão, pelo instituto-sede da obra assistencial da rainha, terminando com o regicídio, no Terreiro do Paço
Mas esta não é a única razão para o roteiro se iniciar neste ponto. "Era no Chiado que a rainha fazia as compras de Natal, que procurava as novidades em lojas como a Ramiro Leão, que já não existe, ou a ainda sobrevivente Paris em Lisboa", conta Mónica Queiroz, da Câmara Municipal de Lisboa, a responsável por este e por vários outros roteiros temáticos que dão a conhecer a cidade e as suas vivências. Mais, revela: "D. Amélia, acompanhada da sua dama Isabel Saldanha da Gama, gostava de passear pelo Bairro Alto para ver pessoalmente como as pessoas viviam."
Nascida em 1865, em Twickenham, nos arredores de Londres, onde a família de Orleães se exilara após Napoleão III ter assumido o trono de França, em 1848, D. Amélia chega a Lisboa, mais concretamente a Santa Apolónia, a 19 de maio de 1886. Este roteiro não passa por lá nem tão-pouco pela Igreja de São Domingos (junto ao Rossio), onde três dias depois se casa com o futuro D. Carlos I.
E mais uma vez, a razão é simples: o que este roteiro pretende evidenciar é a obra social e benemérita da rainha. Por isso também não inclui palácios, nem o da Ajuda nem o das Necessidades, onde morou. O que não quer dizer que não se registem alguns luxos dignos de princesas e rainhas. Como acontece logo no segundo local de paragem. Basta atravessar a estrada, passar a Igreja do Loreto, e junto à vitrina da Leitão & Irmão uma placa lembra que esta era a ourivesaria real da coroa. "Estabelece-se no Chiado em 1877 e, entre outras peças, fez esta tiara que a rainha usou no casamento", diz Mónica Queiroz enquanto mostra uma imagem de Dona Amélia usando essa peça de joalharia. "Aliás, esta tiara é a mesma que D. Isabel Herédia usou no seu casamento com Dom Duarte, em 1995", avança.
Daqui segue-se pela Rua António Maria Cardoso até à Travessa dos Teatros, onde cem anos separam duas icónicas salas de espetáculos: o São Carlos, fundado em 1792, onde D. Amélia assistiu a várias óperas - e o São Luiz, começado a construir em 1892, em terrenos pertencentes à Casa de Bragança que o rei D. Carlos ofereceu ao visconde de São Luiz Braga, e que foi inaugurado pelo casal real, dois anos depois, na altura com o nome de Teatro Dona Amélia. Após a implantação da República, e como aconteceu com tantos outros edifícios e ruas, foi renomeado, recebendo o nome de Teatro da República. Reconstruído após um incêndio em 1914, recebe a atual designação após a morte do visconde, em 1918, como homenagem ao seu grande impulsionador.
A pausa neste local mais recatado, por vezes sobressaltada pela passagem dos elétricos, é aproveitada por Mónica para falar um pouco mais da rainha, do seu namoro com o príncipe Carlos, lendo passagens das cartas que trocaram antes da sua chegada a Portugal. Uma união que, sublinha, "deu logo frutos em 1887, com o nascimento de Luís Filipe". E volta a exibir uma das imagens que traz no seu dossiê: uma fotografia da rainha com o filho ao colo. "Não é comum vermos fotografias das rainhas com os filhos ao colo. Esta imagem serve para mostrar o relacionamento muito próximo que Dona Amélia tinha com os filhos."
Nova passagem pelo Chiado, vira-se para a Rua do Alecrim e, a meio da descida, a estátua de Eça de Queirós é motivo para nova paragem. Altura de Mónica ler um texto em que o escritor defende a monarca francesa perante a desconfiança na sociedade - "afinal as Invasões Francesas não tinham sido assim há tanto tempo", recorda - e evidencia desde logo o facto de ser uma rainha acessível e que se mistura com o povo. Tempo ainda para falar da situação política do país governado pelo jovem casal desde 1889, com o Ultimato Inglês (1890) e a bancarrota (1891) como pano de fundo. Nada que impeça a rainha de pôr em prática as suas obras assistenciais, aproveitando, por exemplo, as Garden Parties, organizadas no Palácio da Pena, em Sintra, para fazer quermesses. Foi assim, por exemplo, que recolheu os fundos necessários para a construção da ala pediátrica no Hospital do Rego, em 1888.
Depois de uma passagem pela Igreja das Chagas, normalmente fechada mas que se junta a este roteiro por ter pertencido a uma associação assistencial dos filhos e mulheres dos mareantes, passagem pelo Palacete Viana, onde esteve instalado o Atelier Fillon, fotógrafos oficiais da família real, e entra-se na parte do percurso que lembra o trabalho da rainha na luta contra a cólera, a difteria e a tuberculose, doenças que muito afetavam a população, tendo fundado o Instituto de Socorros a Náufragos, a Assistência Nacional a Tuberculoses e ainda o Instituto Câmara Pestana.
É a partir do Largo dos Stephens que Mónica Queiroz indica um edifício fronteiriço onde foi instalado o primeiro dispensário, ao qual depois se juntaram outros, espécie de centro de saúde onde os mais pobres recebiam cuidados relacionados com a tuberculose. Na Avenida 24 de Julho, já a chegar ao Cais do Sodré, lá está o Instituto Rainha D. Amélia, agora Inspeção-Geral das Actividades em Saúde, sede operacional do trabalho assistencial que fez pelo país.
Passagem pelo antigo arsenal da Marinha, onde foi construído o Cruzador Rainha D. Amélia, e pela Rua do Arsenal e Terreiro do Paço, onde a vida de D. Amélia ficou marcada pela morte do seu filho primogénito, Luís Filipe, e do marido, D. Carlos. Um local de triste memória para esta rainha que nasceu no exílio, sobreviveu à queda da monarquia e a duas guerras mundiais. Uma síntese muitíssimo abreviada de quanto Mónica Queiroz revela tanto desta rainha do povo como da cidade de Lisboa. O melhor mesmo é aproveitar a próxima visita, já no dia 24, quinta-feira.
Fonte: DN
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