segunda-feira, 28 de fevereiro de 2022

Inveja, a tristeza por causa do bem do outro

 


A Inveja é entristecer-se com o bem do alheio e lamentar a felicidade dos outros. 

Inveja dos que são melhores porque o invejoso não se consegue equiparar a eles. Inveja dos piores porque se consideram iguais a ele. Inveja dos iguais porque competem com ele.

Foi assim que Saúl teve inveja de David (1Re 18) e foi assim que os fariseus tiveram inveja de Cristo, de tal maneira que o mataram. Porque a besta é de tal maneira raivosa que não perdoa essa pessoa.

Este pecado no seu género é mortal porque atenta directamente contra a caridade, assim como o ódio.

Frei Luís de Granada in "De los vicios y de sus remedios: remedios contra la envidia'

Fonte: Senza Pagare

domingo, 27 de fevereiro de 2022

Peculiaridades climáticas em 1779

 


Os grandes ventos, que continuaram por alguns dias, têm destruído o benefício da última chuva. Em quase toda a Europa tem sido geral o tempo seco: e é coisa notável que enquanto nos Países do Norte se experimentava a Primavera mais quente de que há lembrança, no Oriente pareceu um fenómeno o rigoroso frio que se sentia, vendo-se geladas as águas em Constantinopla, ao tempo que se conservavam líquidas na Dinamarca.

«Gazeta de Lisboa», nº 18, 7 de Maio de 1779


Fonte: Veritatis

sábado, 26 de fevereiro de 2022

Podemos utilizar a objecção de consciência em relação à vacinação anti-Covid?

 


Tradução Deus-Pátria-Rei

Artigo de Gregor Puppinck na revista Valeurs Actuelles:

Na nossa sociedade dividida, que se diz minada pelo individualismo, o vírus nos fez redescobrir a existência tangível de um bem comum: a saúde pública e a necessidade de cada membro da sociedade contribuir para ela, o que implica uma parte de sacrifício . O abandono do serviço militar fez-nos esquecer este dever de contribuir para o bem comum; só ficou ainda perceptível, para uma parte dos franceses, o de contribuir para o pagamento do imposto.

Será, pois, por excesso de individualismo e egoísmo que alguns pretendem fugir ao seu dever para com a saúde pública recusando a vacina anti-covid, enquanto outros recusaram o serviço militar aproveitando-se da protecção e do sacrifício dos seus recrutas? Não é injusto fingir estar isento deste dever? E quem somos nós para julgar, para desafiar a palavra de especialistas farmacêuticos e governos?

Acima de tudo, deve-se lembrar que a vacinação é em si uma excepção, um ataque aos princípios de inviolabilidade e integridade do corpo humano reconhecidos no direito francês e internacional. Quando é obrigatório, também põe em causa o princípio do respeito do consentimento livre e informado dos indivíduos antes de qualquer intervenção médica. Assim, em princípio, a recusa em receber tratamento médico — inclusive a vacinação — é um direito de todo paciente, explicitamente garantido pela lei de 4 de Março de 2002. Tal recusa não difere de uma objecção de consciência, pois consiste justamente numa recusa de cumprir um mandamento que derroga um princípio fundamental superior como, em particular, o direito ao respeito à vida ou à integridade física. Assim, já existe um direito real dos pacientes à objecção de consciência em relação a qualquer intervenção médica que lhes diga respeito. É por isso que a vacinação não é imposta pela força, ao contrário do recrutamento no passado. Nisso, a objecção de consciência à vacinação é respeitada, em princípio, nos países democráticos. Este é um primeiro ponto importante a ser enfatizado.

Ninguém pode ser vacinado à força

Por respeito aos princípios gerais de respeito à integridade física e moral dos indivíduos, muitos governos recusam qualquer obrigação de vacinar e limitam-se a recomendá-la. Este é particularmente o caso, na Europa, da Alemanha, Dinamarca, Espanha, Estônia, Finlândia, Irlanda, Lituânia, Luxemburgo, Noruega, Holanda, Portugal, Reino Unido ou mesmo Suécia. Esses países obtêm resultados muito bons em termos de cobertura vacinal, equivalentes aos países que impõem a vacinação. Esse ponto também é essencial, pois relativiza a utilidade das políticas de vacinação obrigatória.

Outros países, como a França, optaram por punir as pessoas que recusam as vacinas obrigatórias por lei, sem, no entanto, vacinar essas pessoas à força. Estas sanções são de natureza administrativa (como a proibição de acesso a determinados lugares ou profissões), ou de natureza criminal (como multas), com o objectivo de limitar os riscos de transmissão e incentivar as pessoas a vacinar.

É contra esses constrangimentos e sanções que a questão da objecção de consciência surge pela segunda vez: uma pessoa que recusa a vacinação pode invocar o respeito à sua liberdade de consciência para escapar às sanções? Perante uma obrigação ordinária, é evidente que ninguém pode invocar a sua liberdade de consciência para fugir à aplicação da lei. Mas a vacinação não é uma obrigação comum: afecta a integridade física e até moral das pessoas. É um mal por um bem: um mal que pode ser perfeitamente justificado, é claro, mas um mal mesmo assim, no plano legal, em que há um atentado à integridade física.

Impulsionados por um espírito liberal e por respeito à integridade física e moral das pessoas, muitos estados federados americanos reconhecem o direito dos indivíduos à objecção de consciência a qualquer vacina, mesmo aquelas cuja utilidade e inocuidade são certas. Este é também o caso da Bulgária e da República Checa, sob reserva de condições. No Reino Unido, já em 1898, o Parlamento britânico reconhecia o direito dos pais de impedir que seus filhos fossem vacinados se considerassem inútil ou perigoso. Parece que este é o primeiro reconhecimento legal de um direito à objecção de consciência, antes mesmo daquele relativo ao serviço militar.

O governo francês interveio neste caso para tentar convencer, sem sucesso, o Tribunal a negar qualquer liberdade de consciência em matéria de vacinação.

O Tribunal Europeu de Direitos Humanos também endossou a possibilidade de objecção de consciência à vacinação no recente e famoso caso Vavřička e outros v. República Checa proferida em 8 de Abril de 2021 pela Grande Secção deste tribunal. Excepcionalmente, o governo francês interveio neste caso para tentar convencer o Tribunal a negar qualquer liberdade de consciência em matéria de vacinação, alegando que a vacinação obrigatória é obrigatória para todos, independentemente das crenças das pessoas. Esse motivo foi um bom exemplo de raciocínio circular: “A vacinação deve ser imposta a todos, porque é imposta a todos. A Grande Câmara da CEDH considerou o governo francês errado neste ponto central (e o ECLJ, que também interveio, certo) ao aplicar à vacinação sua jurisprudência reconhecendo o direito de se opor ao serviço militar (Bayatyan v. Armenia, 2011). Daqui resulta que a recusa da vacinação pode beneficiar da protecção da liberdade de consciência garantida pela Convenção Europeia (no artigo 9.º) sob a dupla condição de ser motivada por "um conflito grave e insuperável" entre a obrigação em causa e a crenças do opositor, e que essas crenças são "sinceras e profundas, de natureza religiosa ou outra". Neste caso, esta objecção “constitui uma convicção que atinge um grau de força, gravidade, coerência e importância suficientes para fazer valer a aplicação das garantias do artigo 9º”. A recusa da vacinação pode, portanto, beneficiar, nestas condições, da protecção da liberdade de consciência. No processo Vavřička, o Tribunal acabou por recusar esta protecção aos requerentes com o fundamento de que a sua condenação não tinha força, porque apenas invocaram a liberdade de consciência tardiamente no processo e sem a fundamentar suficientemente.

Diante de medidas que sancionam a recusa de vacinar, a objecção de consciência pode, portanto, ser invocada, mas não é automaticamente reconhecida. Falta ainda provar que a recusa se baseia em convicções sinceras e profundas. Estas podem ser crenças de natureza religiosa ou moral. No que diz respeito às convicções religiosas, “o dever de neutralidade e imparcialidade do Estado” proíbe julgar a sua legitimidade, salvo se forem contrárias à ordem pública. O respeito pela liberdade religiosa requer, então, procurar acomodar a objecção, conciliar direitos e obrigações. Quando se trata de convicções morais, por outro lado, as autoridades públicas podem julgá-las. Deve-se, portanto, argumentar que a recusa é motivada por tal ou qual convicção, por exemplo, de que é moralmente inaceitável ser inoculado com uma vacina desenvolvida a partir de células de fetos abortados.

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2022

Abortar sem sequer ter o tempo para reflectir

 


«O que tens a fazer, fá-lo depressa». Estas foram as palavras que Jesus dirigiu a Judas na Última Ceia. Desta forma, fez o traidor compreender que sabia tudo. Obviamente, isto não era um convite a traí-lo, mas queria significar exactamente o contrário: um último apelo à sua consciência. Nosso Senhor usou, deste modo, a figura retórica da antífrase: dizer uma coisa para significar o seu oposto.

Na Holanda, por outro lado, não recorreram à antífrase quando, há alguns dias, a Segunda Câmara do Parlamento aprovou uma modificação à lei sobre o aborto que elimina o período de reflexão de cinco dias antes que o procedimento possa ser realizado. O «fá-lo depressa» neste caso significa realmente “apressa-te a abortar”. A proposta de lei, que ainda terá de passar pela Primeira Câmara para se tornar lei, foi votada por 101 deputados contra 38. Entre os outros partidos que votaram contra, foram os três partidos de inspiração cristã. Jan Paternotte, Presidente do partido Democrat66, que propôs este projecto de lei e que se professa católico, disse: «Não é razoável pensar que as mulheres devem simplesmente ir a uma clínica para abortar sem pensar primeiro na sua decisão». Este tempo de reflexão seria «errado, paternalista e obsoleto».

É verdade que as mulheres que vão ao médico porque querem abortar já maturaram a intenção de o fazer, parece banal dizê-lo. Mas a lei holandesa, como a nossa [a italiana, n.d.r.], também prevê uma entrevista obrigatória com o médico que, hipoteticamente, poderia também persuadi-la a não abortar. Não só, mas não há nada que exclua a possibilidade de haver mulheres que vão ao médico em dúvida sobre a sua decisão de abortar. Assim, os cinco dias seguintes à entrevista poderiam ser úteis para repensar salutarmente e, portanto, para salvar muitas vidas. A partir disto compreende-se que os cinco dias após a entrevista com o médico têm um valor muito particular, têm um peso específico muito maior do que todos os dias que precedem a entrevista. Isto é verdade sobretudo porque, após a entrevista, a mulher pode amadurecer com ainda maior consciência a escolha dramática que está prestes a fazer. Por outras palavras, o aborto, a partir de uma hipótese puramente abstracta, após a entrevista torna-se uma verdadeira escolha, começa a realizar-se, a concretizar-se com seriedade. E é naquele período de tempo que podem ocorrer inversões inesperadas.

Este despertar de consciência por parte da mulher deve ser bendito, especialmente por aqueles que se vangloriam do consentimento informado, da centralidade da mulher no processo de tomada de decisão, do princípio da autodeterminação e, acima de tudo, da liberdade de abortar. Conceder mais tempo para reflexão não valida todos estes princípios? A resposta só pode ser afirmativa. Assim, eliminar este tempo de reflexão é mais uma prova de que a frente abortista, não só a frente holandesa mas também a frente internacional, não se preocupa nada com a autodeterminação da mulher e com a sua liberdade. Estas são apenas um espelho para cotovias, meros pretextos para promover somente aquilo que realmente lhes interessa, nomeadamente o aborto, sempre e em qualquer caso.

Quanto mais abortos forem efectuados, mais fácil e mais rápido melhor. É por isso que estão a insistir em pílulas abortivas – também na Holanda está a ser discutido um projecto de lei que permitiria aos médicos de família prescrever as pílulas abortivas –, tornando-as não prescritíveis pelos médicos, dependendo do caso, ou prevendo tempos de internamento diário no hospital, eis a guerra contra os médicos objectores e eis o cancelamento dos tempos de reflexão. Tal como agora existe o divórcio expresso, também na Holanda o aborto expresso está a ser promovido para o tornar mais easy and fast, ou melhor, smart. Mas mesmo que vendam o aborto como um passeio, porque fácil e conveniente, o aborto continua a ser um homicídio pré-natal que também causa a morte da alma da mãe.

Aos parlamentares da Primeira Câmara do Parlamento holandês, que ainda têm de aprovar o projecto de lei, Jesus, então como agora, volta a dizer: «O que tens a fazer, fá-lo depressa».      

Tommaso Scandroglio


Fonte: Dies Irae

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2022

O Primeiro Poder: aquele que decide o que devemos pensar

 


Tradução Deus-Pátria-Rei

O sobrinho de Sigmund Freud escreveu: 

"L'Etat c'est moi", proclamou Luís XIV quando os reis detinham o poder absoluto, e ele estava basicamente certo, mas os tempos mudaram desde então. A máquina a vapor, a imprensa e a alfabetização em massa – o tridente da Revolução Industrial – arrancaram o poder dos reis e o transmitiram ao povo, que o herdou. De facto, o poder económico muitas vezes se traduz em autoridade política, e a história da Revolução Industrial revela como ela passou do trono e da aristocracia para a burguesia. O sufrágio universal e a generalização da educação reforçaram então esse processo, a ponto de a burguesia, por sua vez, começar a temer os pequenos, as massas que queriam conquistar o poder. Hoje, no entanto, uma reacção está se formando, a minoria descobriu que pode influenciar a maioria de acordo com seus próprios interesses, agora é possível moldar a opinião das massas para convencê-las e direcciona-las na direcção desejada . Este é um processo inevitável, dada a estrutura actual da sociedade. A propaganda necessariamente ocorre em todos os seus aspectos notáveis, seja política, finanças, indústria ou agricultura, bem-estar ou educação”.

Propaganda : Comment manipuler l’opinion en démocratie, La Découverte, 2007  (1re éd. 1928).

Você acabou de ler as palavras de Edward Louis Bernays (1928), o pai da "Propaganda" moderna, aquela que se tornou hoje, em todos os sentidos, o Primeiro Poder:

"a manipulação consciente e inteligente das opiniões e hábitos das massas desempenha um papel importante numa sociedade democrática, aqueles que dominam este dispositivo social constituem um poder invisível que realmente governa o país".

ibid

O poder da comunicação social tem precedência sobre os poderes fundadores do Estado e tem legitimidade para impor governos, nascimento e morte de partidos políticos. Cria as condições para a intervenção legislativa ou a impõe, desencadeia o pânico ao favorecer as finanças, fomenta o medo; torna as crises, as guerras aceitas ou as desencadeia; abre o comércio e o consumo, abusa das economias, destrói a honra e a credibilidade das pessoas. Inventa o consenso e alimenta a dissidência. Ele cria o bem e o mal, amigos e inimigos, deuses e monstros: reais ou imaginários.

Entretém as pessoas: baptiza modas, tendências e redes sociais, divulga desportes, estilos de vida e virtudes. Ela fabrica cultura, pensamento e conhecimento comum, agora global.

“Somos em grande parte governados por homens dos quais nada sabemos, mas que são capazes de moldar nossa mentalidade, direccionar nossos gostos, sugerir o que pensar. Eles nos governam em virtude de sua autoridade natural, sua capacidade de formular as ideias de que precisamos e a posição que ocupam na estrutura social. 
Como reagimos individualmente a essa situação pouco importa, porque em todos os aspectos da vida quotidiana, da política aos negócios, do nosso comportamento social aos nossos valores morais, somos de facto dominados por um pequeno número de pessoas que entendem os processos mentais e os padrões das massas. São eles que puxam as cordas, controlam a opinião pública, exploram as velhas forças sociais existentes, inventam outros modelos para organizar o mundo e guiá-lo.”

ibid

Assim escreveu Bernays, quando nos Estados Unidos e no Reino Unido começaram a aparecer os primeiros aparelhos de televisão.

Em 2022, ele diria mais alguma coisa? Numa era de grandes corporações de média globais, onde não há mais fronteira entre notícia e entretenimento, entre facto e opinião, entre o que é substancial e o que é trivial.

E nós? Só podemos desconfiar do inequívoco bombardeio mediático: por que insistem nessa notícia, nesse tema específico? Neste personagem? Dar insistente importância mediática a um acontecimento político, económico ou comercial, dar ressonância a essa corrente cultural, ideológica ou de pensamento, esconde um objectivo. Sempre. E sobretudo: como é tratado esse facto, esse tema, esse enésimo "acontecimento significativo"? Devemos avaliar criticamente as mensagens individuais antes de torná-las nossas: verdadeiras ou falsas? Quem fala? Quem está escrevendo? Quem os financia? A mensagem é boa ou ruim?

Aprofundar sondando várias fontes, para ser obrigado a orientar-se entre várias ideias e teses comparadas, para poder construir o seu próprio pensamento independente e adulto.

A menos que sejamos indiferentes a isso: deixando-nos ser imposto sobre o que pensar, o que dizer, como viver e, finalmente, como agir. Porque, como Bernays também mostra: conhecimento é poder.

E os gigantes dos média ocidentais sabem bem disso: da Netflix à Walt Disney, da Comcast Corp à AT&T, da CHTR à Sony, da Reuters à Viacom. Sem esquecer os GAFAMs da web e das tecnologias da informação, dos quais nossa vida profissional e social agora dependem: Google, Apple, Facebook, Amazon e Microsoft.

Quem os possui? Quem os controla?

Edward Louis Bernays, que pelos padrões de hoje certamente seria considerado um "conspirador", insinuou isso em 1928. A versão italiana de seu livro "Propaganda" foi publicada pela primeira vez em 2008, oitenta anos depois. E hoje, mais do que nunca, ele nos demonstra: a realidade vive no silêncio (mediático).

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2022

REGIONALIZAÇÃO: UM DOS MITOS DO NOSSO TEMPO

 “A Pátria não se ama porque é grande mas porque é nossa”

Séneca

 

Portugal é o país com as fronteiras definidas e estáveis, mais antigo da Europa [1]. Tal facto remonta ao ano de 1297 e o documento que o suporta chama-se Tratado de Alcanizes. Era rei em Portugal o Senhor D. Dinis [2]. Desde essa altura até agora, sofremos (na parte Continental) o “percalço” de Olivença perdida, em 1801, que só a inabilidade político-diplomática da altura impediu que voltasse a ser portuguesa[3]. O que se mantém.

Apesar de, infelizmente, já nos termos desavindo internamente a ponto de lutarmos uns contra os outros, lutas essas que apenas tiveram dimensão verdadeiramente dramática, na guerra Civil que opôs Liberais e Miguelistas (1828-1834). O País tem mostrado uma invulgar dose de coesão, unidade cultural e territorial e arregimentação a um destino comum.

Serve isto de introdução à Regionalização que, em boa verdade, ninguém sabe muito bem o que é, [4] e que passou a ser um chavão na vida político-social portuguesa dos últimos dezasseis anos. E de tal modo forte se tornou, que pouquíssimas e, no mais, tímidas, têm sido as vozes que se têm levantado contra o fenómeno. A castração é tal, que as discussões sobre o tema raramente são de molde a lobrigar-lhe defeitos mas antes para priorizar virtudes!

Pois bem, achamos que o que se tem dito e o que se quer eventualmente fazer, em relação à Regionalização é perigoso, é escusado, é pernicioso e no mínimo esconde alguns desejos inconfessáveis. Não tem vantagens e comporta muitos defeitos. Em suma: irá prejudicar o País.

Cremos que a ideia começou a ser propalada em 1974 e sofreu grande incremento por alturas de 75/76.

A ideia, ao tempo, poderia compreender-se: era uma maneira de atacar o “concentracionismo” do Terreiro do Paço e logo, o regime que lhe dava cobertura; numa altura em que se destruía o “edifício” existente era forçoso arranjar alternativas e referências. A “Regionalização” foi uma das que ocorreram às mentes mais ousadas. Servia ainda de paliativo: Como a ideia foi apresentada como inovadora, fonte de progresso e chave da resolução para inúmeros problemas, havendo questões pendentes, a Regionalização ou a sua não existência servia de desculpa para uns e arma de ataque para outros, na dialéctica político-partidária. [5]

Importa analisar algumas questões que se levantam. Durante séculos tentou-se aglutinar a Nação Portuguesa [6]. Ao contrário, de há anos a esta parte inúmeras acções se desenvolveram com carácter desagregador e centrífugo. [7] Para quê então, arranjar mais um elemento desagregador quiçá o mais importante, como é a Regionalização? Em vez de um Terreiro do Paço, não iríamos passar a ter vários?

Que justificação se pode encontrar na Regionalização? Que raízes tem a Regionalização em Portugal? Diremos que nenhumas. O País viu desenvolver os Municípios desde o início da nacionalidade e durante toda a Idade Média. Tal facto esteve intimamente ligado à Reconquista e à consolidação do Território. Os reis outorgaram forais e regalias conforme a época e a importância que cada localidade possuía. Mas tudo isto fazia parte de um objectivo político coerente e de uma textura administrativa não pondo em causa o todo, antes o potenciando.

O emergir de Lisboa, nos séculos XV e XVI, como polo fundamental do País fez concentrar nela, a elite política, militar, religiosa e administrativa da Nação. E daqui, efectivamente se passou a governar todo o mundo português [8]. Hoje em dia, reduzidos ao território Europeu, esta importância de Lisboa não desapareceu e isso por si só, não nos parece ser impedimento ao desenvolvimento do resto do país …

O problema da Regionalização começa logo na definição das Regiões. Há anos que a discussão prossegue e ainda não há acordo.

A Regionalização é perigosa: já vimos que é potencialmente fragmentária. Estabelecidas umas quantas regiões, nada garante que outras não se venham a querer produzir. Onde está o limite?

Outro risco eminente é a emergência de acordos de natureza vária, entre regiões periféricas portuguesas e espanholas. É certo que o desenvolvimento do interior do país tem que se efectuar, mas o mesmo deve ser feito em conjunto com o litoral e não por apetência de ligação a áreas espanholas. Para além do mais o país é territorialmente descontínuo o que já levou à constituição de duas Regiões Autónomas e, se não houver cuidado poderá haver quebras na solidariedade nacional.

A Regionalização seria um sumidouro de dinheiros públicos e um multiplicador de estruturas burocráticas. Iríamos assistir à emergência de mini Parlamentos e de Governos Regionais, enfim, a confusão absoluta.

A Regionalização é potenciadora de atitudes desgarradas, anárquicas ou simplesmente tolas. São conhecidas as declarações de responsáveis locais exigindo ligações directas a Bruxelas; discursos em que se fala no “Povo do Norte”; câmaras municipais que possuem “polícias” próprias com carros, fardas e até porte de arma, que mais não são do que fiscais da Câmara a quem são atribuídas outras funções …; as várias estradas construídas para a mesma povoação isolada, a que a demagogia e a falta de controlo financeiro já permitiram, etc., etc..

A Regionalização leva à dispersão de esforços, recursos e elites (é fundamental fazer circular as elites). O País não é suficientemente rico para se dar a estes luxos…

Enfim, a Regionalização é escusada. O Pais tem 90.000 Km2, por outras palavras, é pequeno em termos territoriais; felizmente, não há conflitos raciais, linguísticos, religiosos ou qualquer outro que justifique uma individualização regional. Para que então esta orquestração para regionalização? Será que as originalidades de uns quantos, as clientelas e influências que outros esperam arranjar se a Regionalização for para a frente, e a propaganda eleitoral justifica que se parta o País aos bocadinhos, sem que nenhum benefício palpável daí derive? Bem avisados andarão os órgãos de Soberania caso dediquem ao assunto a importância que ele merece.

Não ficaria o problema (este e outros) resolvido, se tentasse pôr a administração pública, e nomeadamente a autárquica a funcionar competentemente? [9]

Já se fez um referendo que chumbou claramente a regionalização. Devia-se ter mudado a Constituição da República em conformidade. As forças que defendem a regionalização não se conformaram. Para quê então realizar referendos? 

Que tal um pouco de bom senso?

 

NOTA. Como se sabe as forças que promoveram o referendo sobre a “Regionalização”, que a maioria do povo português teve o bom senso de rejeitar, nunca se conformaram com esse resultado. E, desde então, têm continuado a fomentar a mesma ideia, embora utilizando outra linguagem e outras fórmulas mais ou menos encapotadas.

Há que estar atento, para as combater, pois para além de escusadas, são destruturantes da Nação e mais um peso para o Estado.

Um recente acordo entre o PS e o PSD, indica que o processo está novamente em marcha.

É, talvez, a tentativa mais perigosa até hoje lançada.

 

João José Brandão Ferreira

Oficial Piloto Aviador (Ref.)



[1] E, já agora, do Mundo.

[2] Aliás, uma das figuras mais importantes e notáveis da História Lusa.

[3] Porém, até hoje, os marcos de fronteira não foram deslocados e a Ponte da Ajuda que ligava a povoação ao restante Alentejo continua, ainda destruída …

[4] O Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora na sua 5ª Edição define “Regionalismo” como: Sistema ou doutrina política e social dos que fazem prevalecer os interesses da região, em que vivem, aos interesses nacionais; vocábulo ou expressão regional; provincianismo. Porém, não fala em regionalização.

[5] Uma fonte inesgotável, aliás.

[6] Embora muitos erros se possam detectar ao longo de todo o processo.

[7] De que são exemplo as imanências de partidocracia; as lutas político-sociais quando de carácter violento, o desvirtuamento da língua portuguesa; os ataques à Instituição Militar; o desnorteamento do sistema educacional; o aviltamento da História Pátria, etc., etc.. Não se pode dizer, ainda que a entrada para a CEE e o Acto Único que se avizinha, contribuam para a Unidade da Nação. Para cúmulo já se tentou regionalizar o Serviço Militar!

[8] O que, ao longo do tempo obrigou a ensaiar formas de descentralização tendo em conta os territórios que tínhamos espalhados por quatro continentes.

[9] Os leitores certamente já deram conta que não existe no País uma única Escola que forme o pessoal que irá prover os cargos existentes na administração pública! Na prática há muito poucas garantias de que as pessoas “recrutadas” para exercerem estas funções estejam minimamente preparadas para o fazer.

Fonte: O Adamastor

terça-feira, 22 de fevereiro de 2022

A servidão das nações

 Quando a democracia serve para arrancar raízes com séculos de história, subjugando a vontade das nações à usura dos empréstimos, pode dizer-se que o liberalismo venceu em toda a linha e a escravidão veio para ficar.

Bastam dois exemplos para ilustrar o que afirmo.

O exemplo da descolonização portuguesa, irresponsável e criminosa, a troco da caridade de terceiros que assim pagam a nossa dependência e irrelevância. Uma dependência que não muda de figura pelo facto de haver outros na mesma situação.

E o outro exemplo estamos a vivê-lo em directo e a cores na Ucrânia, com o alto patrocínio da comunicação social. A Ucrânia que historicamente fala russo, que já deu czares à Rússia, está à beira de uma guerra consigo própria da qual será a primeira vítima!

Os grandes obreiros desta possível tragédia estão identificados: - a chantagem da união europeia acenando com promessas de mundos e fundos; a irresponsabilidade da NATO que não desiste de cercar a Rússia; e a habitual subserviência europeia, quer da NATO quer da união europeia.

O instrumento deste plano sinistro é como sempre a democracia liberal elevada à categoria de divindade! A receita é colocar na mesma balança a vontade de gerações e gerações de ucranianos com a vontade expressa de uma maioria fugaz numa fugaz decisão. E está feito. Quem vier atrás que feche a porta.

E já que falamos de receitas, a servidão das nações acompanha muito bem com a servidão das pessoas.

 

Saudações monárquicas

JSM


Fonte: Interregno

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2022

Da mesquinhice

 


A capa desta semana da revista Sábado chama-nos a atenção porque nos sugere um escândalo - se a Casa Real Portuguesa fosse rica (que não é) isso seria de criticar? Mas se formos ler o artigo no interior, constatamos que o conteúdo é quase inócuo, absolutamente desinteressante. São meia dúzia de páginas de pura bisbilhotice, em que não se encontra uma única “estória”, facto ou atitude dos Duques de Bragança digna de exploração jornalística (escândalo). Talvez a promoção gratuita do Nuno da Câmara Pereira que é um desqualificado, para certas pessoas consiga imprimir algum picante ao artigo.

Não, o problema da capa da revista Sábado não está num suposto jacobinismo do jornalista que entrevistou o Senhor Dom Duarte de Bragança ou da redacção da revista Sábado. O problema da concepção dessa capa está no potencial público que ela daquela forma insinuosa atrai e que em Portugal infelizmente tem algum peso: os ressentidos e os invejosos – é uma opção comercial, que diz tanto da revista quanto dos fregueses que pretende cativar.


João Távora


Fonte: Corta-fitas

domingo, 20 de fevereiro de 2022

Vitaminas e minerais passaram a poder ser considerados vacinas?

 


O organismo americano CDC (Centers for Desease Control and Prevention), reescreveu as definições de vacinação e vacinas e apagou as anteriores definições a fim de as adaptar às novas vacinas contra a Covid-19. As novas definições são acompanhadas das de “imunidade” e “imunização”, distinguindo-as entre si:

Imunidade: Proteção contra doenças infecciosas. Se você for imune a uma doença, pode ser exposto a ela sem se infectar.

Vacina: Preparação usada para estimular a resposta imunológica do corpo contra doenças. As vacinas são geralmente administradas por meio de injecções de agulha, mas algumas podem ser administradas por via oral ou pulverizadas no nariz.

Vacinação: O acto de introduzir uma vacina no corpo para produzir protecção contra uma doença específica.

Imunização: Processo pelo qual uma pessoa fica protegida contra uma doença por meio da vacinação. Este termo é frequentemente usado como sinónimo de vacinação ou inoculação.

Mais um facto relacionado com a pandemia que nos faz lembrar a distopia de George Orwell, o “1984”, onde os protagonistas são membros do Partido Externo, e trabalham para o Ministério da Verdade, que é responsável pela propaganda e pelo revisionismo histórico. O trabalho deles é reescrever toda a informação, de modo a que o registo histórico apoie sempre a ideologia do Partido. Também destroem activamente todos os documentos anteriores; desta forma, não existe nenhuma prova de que o partido esteja a mentir.

Antes da mudança, a definição de “vacinação” era “o acto de introduzir uma vacina no corpo para produzir imunidade a uma doença específica”, segundo as más línguas subversivas. Agora, a palavra “imunidade” foi alterada para “protecção”. O termo “vacina” também sofreu reformulação. A definição do CDC mudou de “um produto que estimula o sistema imunológico de uma pessoa a produzir imunidade a uma doença específica” para “preparação usada para estimular a resposta imunológica do corpo contra doenças”.

Assim sendo, importa questionar se, de acordo com a nova definição de vacina do CDC americano, qualquer substância que estimule a resposta imunitária contra doenças, tais como vitaminas e minerais, também passa a ser considerada vacina.


Fonte: Inconveniente

sábado, 19 de fevereiro de 2022

Hungria e Polónia contra o super-Estado

 


O Tribunal de Justiça da União Europeia rejeitou o recurso da Hungria e da Polónia. Os dois Países da Europa Central pretendiam a anulação do regulamento que permite à UE suspender os pagamentos provenientes do orçamento europeu aos Estados-membros onde «o Estado de direito está ameaçado». De acordo com o Parlamento e o Conselho da UE, o Estado de direito é ameaçado tanto pelo governo de Varsóvia como pelo de Budapeste. Mas as reformas internas que desencadearam este alarme dizem respeito a assuntos que até agora foram considerados de pertinência exclusivamente nacional. Será que a decisão do Tribunal de Justiça da UE significa, portanto, que estamos no limiar de um super-Estado europeu?  

A Polónia definiu o veredicto «um ataque à nossa soberania». A Ministra da Justiça húngara, Judit Varga, classificou-o como um «abuso de poder» de Bruxelas. O governo conservador de Varsóvia tem estado na mira, nos últimos anos, pela sua reforma da magistratura. A Hungria, 
por outro lado, pela sua lei antipedofilia, que as associações LGBT consideram «discriminatória» porque regulamenta a educação sexual, especialmente em questões de género. Por estas razões, os dois Países temem (com razão) que lhes seja bloqueado o acesso ao Fundo de Recuperação, necessário para a reconstrução pós-COVID. E não só o Fundo de Recuperação, mas todos os fundos europeus, a partir de agora, ficarão sujeitos a esta cláusula.      

Os recursos da Hungria e da Polónia baseavam-se essencialmente na ausência de uma base jurídica do novo regulamento nos Tratados, na ultrapassagem dos limites das competências da 
União e no facto de, desta forma, o próprio princípio da segurança jurídica ser minado. Trata-se de decisões arbitrárias tomadas por uma maioria contra uma minoria de Países dissidentes, que seriam discriminados desta forma. Relativamente à reforma da magistratura polaca, que consiste na instituição de uma Câmara disciplinar para examinar a competência dos juízes e, possivelmente, puni-los, Varsóvia está convencida de que esta é uma regra que respeita o princípio da divisão de poderes e a independência do sistema judicial.          

Uma sentença do Supremo Tribunal polaco reafirmou então o princípio de que a Constituição polaca é a lei suprema do Estado. As normativas europeias só podem ter prioridade nos campos que a nação polaca delegou à UE, mas não sobre a própria Constituição. Varsóvia é clara sobre este ponto: «O pluralismo constitucional – declarou o Primeiro-Ministro Morawicki, em Outubro passado, ao Parlamento Europeu – significa que deve continuar a existir um espaço para o diálogo entre nós, entre os nossos Países e os nossos sistemas jurídicos. Este diálogo também tem lugar através de decisões dos tribunais». Na sentença do Supremo Tribunal polaco, a interpretação dos Tratados por parte do Tribunal de Justiça não é aceite como norma. «Nos Tratados da UE delegámos muitas competências, mas não todas, à União Europeia. Não há dúvida de que o direito da UE tem supremacia sobre o direito nacional naquelas áreas (de competência, n.d.r.) que foram delegadas pelos Estados-membros à UE». Mas «se uma instituição da UE vai além dos seus poderes, um Estado-membro deve ter os instrumentos necessários para reagir», tinha reiterado Morawiecki em Outubro passado.           

No que diz respeito à Hungria, o Parlamento e o Conselho da UE contestam a nova 
norma antipedofilia, enfatizando apenas a parte da lei (ou melhor, uma emenda introduzida mais tarde) na qual se regula também a educação sexual nas escolas. Como explicámos nestas colunas, o material escolar, do jardim-de-infância aos liceus, não deve conter nada que vise alterar o género ou promover a homossexualidade. Para além dos professores da escola, apenas pessoas ou organizações incluídas num registo oficial, continuamente actualizado, podem dar aulas de educação sexual. Gostando ou não, este nunca foi um assunto sobre o qual a UE possa impor um juízo sobre a legislação nacional. E na Carta dos Direitos Fundamentais encontramos, no artigo 14.º, «o direito dos pais de assegurarem a educação e o ensino dos filhos de acordo com as suas convicções religiosas, filosóficas e pedagógicas». Por conseguinte, os pais só podem educar os seus filhos de acordo com as directrizes ditadas por Bruxelas e não com as de Budapeste?       

É evidente, à vista disso, que estamos realmente no limiar de um super-Estado europeu, se as instituições comunitárias se reservarem o direito de contestar a legislação adoptada pelos Estados-membros, mesmo em matéria pedagógica e religiosa. E mais ainda, utilizando uma mera chantagem económica (ou se adere, ou não há fundos) como arma para se imporem. A sentença que confirma este mecanismo é mais uma prova de que estamos neste caminho perigoso. Hoje, só os polacos e os húngaros estão cientes disso.           

Stefano Magni

Fonte: Dies Irae

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2022

São Teotónio

 


São Teotónio, Português, natural do lugar de Gafei, junto a Valença do Minho. Criou-se em casa de Crescónio, seu tio, Varão Santo e Bispo de Coimbra por aqueles tempos. Soube aprender primeiro e depois ensinar a perfeição Evangélica com tanto primor, que se fez um claro espelho da virtude, um oráculo da santidade. Foi dos primeiros Fundadores da Religiosíssima Congregação dos Cónegos Regulares de Santa Cruz de Coimbra e o primeiro Prior daquele Real Convento. A sua fama, muito apesar da sua humildade, o fazia conhecido e buscado dos Reis, dos Príncipes, dos Grandes, dos pequenos, e nele, e nas suas orações, achavam todos para as batalhas socorro, remédio para as enfermidades, alívio para as aflições, e para as dúvidas conselho e direcção. Passou neste dia [18 de Fevereiro], ano de 1162, do desterro à Pátria, e mereceu, e conseguiu na vida, na morte, e depois da morte, cultos e venerações de Santo, aplausos e aclamações de milagroso.

No mesmo dia [18 de Fevereiro], ano de 1163, foi canonizado solenemente em Coimbra o glorioso São Teotónio, a uso daqueles tempos, pelo Arcebispo Primaz Dom João Peculiar, com aprovação e assistência dos Bispos, de Coimbra Dom Miguel, de Viseu Dom Odório, do Porto Dom Pedro, de Lamego Dom Mendo, à petição dos povos de Portugal e à instância do grande Rei Dom Afonso Henriques: Cantou-se-lhe a Missa dos Santos Confessores, e depois foi esta canonização aprovada e confirmada por Alexandre III [Papa].

Pe. Francisco de Santa Maria in «Ano Histórico, Diário Português: Notícia Abreviada de pessoas grandes e coisas notáveis de Portugal», 1744


Fonte: Veritatis

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2022

SAR, O Senhor D.Duarte, Duque de Bragança, na primeira cerimónia do novo Arcebispo de Braga, Dom José Cordeiro

 


S.A.R. o Senhor Dom Duarte, Duque de Bragança, marcou presença na primeira cerimónia do novo Arcebispo de Braga, Dom José Cordeiro, estando ao seu lado o Exm.º Senhor Presidente da Câmara Municipal de Braga, Ricardo Rio.


quarta-feira, 16 de fevereiro de 2022

"Donos disto tudo"

 


«O regime ou sistema democrático não é uma espécie de religião laica, com a transferência directa da infalibilidade do Deus do Ancien Règime – que pela Sua graça tornava sagradas as dinastias – para o conjunto dos cidadãos eleitores. É uma forma de governo que procura um modelo consensual, pacífico e ordeiro de institucionalizar a escolha dos representantes de uma comunidade nacional, de um povo.
A sua legitimidade não vem, assim, de uma qualquer superioridade ético-política, mágica ou misteriosa, de conteúdo revolucionário ou conservador; vem do facto de se socorrer de um processo histórico que, alicerçado na aceitação de determinadas regras de jogo e com base em princípios de liberdade de opinião e de respeito pela opinião dos outros, procura tornar governável o Estado. Como as opiniões são diferentes – excepto quanto à aceitação da prevalência da opinião maioritária – não pode haver descriminação de opiniões.
Os valores políticos, as normas de orientação colectiva, as regras sobre o público e o privado, o respeito pela vida, os usos e costumes permitidos ou punidos – são a expressão dos programas ou projectos políticos que os partidos admitidos a concurso, dentro da Constituição, propõem ou põem em discussão e levam a votos. Querer pôr este princípio em questão, é pôr em questão o regime democrático, é viciar o jogo, desencorajar a participação e corromper o sistema.

Vem isto a propósito da indignação, real ou simulada, em painéis de debate e discussão televisivos, contra um partido-pária que ousou apresentar como lema “Deus, Pátria, Família e Trabalho” – coisas, aparentemente, malditas, escandalosas e proscritas, por terem sido já o apanágio do “fascismo” doméstico do Estado Novo de Salazar.

Sobre a inutilidade da História das Ideias Políticas

A discussão sobre o “fascismo” do Estado Novo é uma discussão que não vale muito a pena ter, num caldo político, intelectual e social em que, por resignação, ignorância ou táctica, se aceita a palavra como sinónimo do antigo regime ou se esgrime como insulto indiferenciado.

De qualquer forma, o Manuel Lucena, que dava importância a coisas como a História das Ideias Políticas, tinha um argumento interessante e importante sobre o assunto, que talvez valha a pena aqui repetir: o Estado Novo tinha aspectos do fascismo-regime mas pouco ou nada tinha que ver com o fascismo-ideologia nem com o fascismo-movimento, até porque nascera da Ditadura Militar, e não de um movimento político revolucionário que disputara o poder nas ruas com comunistas e socialistas, fazendo depois da Marcha Sobre Roma um pacto com as forças conservadoras da sociedade italiana.

O Estado Novo resultara, primeiro, do fracasso dos seus antecessores, que tinham imposto um jugo oligárquico de 16 anos num quadro teoricamente liberal e “democrático”, mas que a violência tornara monopolista; depois, de uma vaga europeia autoritária, condicionada pela ameaça comunista; finalmente, de um contrato entre os militares, sem projecto político próprio, com Salazar, que tinha um projecto político. Há pontos comuns entre o projecto salazarista e o fascismo – o nacionalismo, o anti-parlamentarismo, o autoritarismo –, mas o fascismo (apesar da Concordata de Latrão) tinha um espírito nietzschiano, pagão, e era estatocrático, sendo o Partido, o PNF, um elemento essencial no poder e do poder. Bem ao contrário, o salazarismo era nacional-conservador e social-católico. Não pretendia, pela política, mudar a sociedade, mas antes mantê-la como estava. Pertencia à direita conservadora, enquanto o fascismo pertencia à direita revolucionária. Os fascistas – e Mussolini em particular – queriam, pelo menos ideológica e idealmente, “viver perigosamente”; Salazar queria que os portugueses vivessem habitualmente.

Assim também a União Nacional, ainda que fosse a única organização de cariz político permitida no Estado Novo, funcionava como uma mera plataforma para a selecção e apresentação de candidatos à Assembleia Nacional; era uma organização que, como tal, não riscava quase nada nas decisões políticas e à qual os ministros não tinham de pertencer. Ver o Estado Novo como um regime totalitário de partido único – como o hitlerismo, o fascismo italiano ou o comunismo soviético – é não ver ou falsear a realidade.

Deus, Pátria, Família, Liberdade, Igualdade, Fraternidade

“Deus, Pátria, Liberdade e Família” é uma divisa de Afonso Augusto Moreira Pena, o 6º Presidente do Brasil, entre 1906 e 1909. Pena era natural de Minas Gerais e distinguiu-se no movimento abolicionista. Foi várias vezes ministro durante o Império e um dos introdutores na República de um certo espírito tecnocrático e industrialista. Não terá sido propriamente um fascista, ou sequer um proto-fascista.
“Deus, Pátria, Liberdade e Família”, na versão de Pena, “Deus, Pátria e Família”, na versão salazarista, ou “Deus, Pátria, Família e Trabalho” na versão de André Ventura, são enunciados de valores políticos, nacionais e conservadores que, com esta enumeração ou outra, estão presentes na maioria dos ideários conservadores europeus e euroamericanos. Estes e outros valores proclamados – tais como Liberdade, Igualdade e Fraternidade ou Laicismo, Humanidade, Progresso, Socialismo (que têm uma bem mais longa e sangrenta história totalitária e de manipulação) – tanto podem ser defendidos autoritariamente, em ditadura, como podem ser defendidos democraticamente, em democracia.

Quando já não é proibido proibir

Achar que Deus, Pátria e Família é “fascista”, mesmo na pouco esclarecida qualificação do regime português, só pode resultar de ignorância ou táctica. Achar que, a partir de um centro enviesado à esquerda que se autoproclama democraticamente imaculado, podem traçar-se diabólicas linhas vermelhas para um lado e angélicos arco-íris inclusivos para o outro, é mau sinal. Achar que, independentemente da votação obtida, há um partido e um conjunto de eleitores que devem ser, à partida, excluídos da possibilidade consagrada pela praxe constitucional de ver eleito um candidato, “seja ele quem for”, a vice-presidente do Parlamento é, pela lógica do regime, indefensável. Achar natural que esse mesmo partido fique a um canto da Assembleia com orelhas de burro enquanto os “partidos de bem” avançam, cantando e rindo, para as “conversas em família” com o primeiro-ministro que quer falar com todos, é uma prática de discriminação aleatória que tem tudo para correr mal.

É esta narrativa e esta prática ideologicamente enviesada para aguentar no poder e defender os interesses dos que se assumem como “mais iguais que os outros” que começa a levantar cada vez mais dúvidas a cada vez mais pessoas. Afinal, o que distingue a democracia liberal dos outros regimes é a aceitação e integração, nas suas regras de jogo, de todas e quaisquer forças políticas que, independentemente dos valores que defendam, actuem pelas vias pacíficas e de acordo com as leis constitucionais e civis. Mesmo as iliberais.

Não creio, por isso, que o presente policiamento ideológico e as “linhas vermelhas” com que se procura segregar um partido e os seus eleitores vão sequer beneficiar quem está no poder e muito menos o regime. Limitam-se a expor sob uma luz cada vez mais crua a exemplar democraticidade dos que se acham “donos disto tudo”.»

Jaime Nogueira Pinto

Fonte: Observador