sábado, 19 de fevereiro de 2022

Hungria e Polónia contra o super-Estado

 


O Tribunal de Justiça da União Europeia rejeitou o recurso da Hungria e da Polónia. Os dois Países da Europa Central pretendiam a anulação do regulamento que permite à UE suspender os pagamentos provenientes do orçamento europeu aos Estados-membros onde «o Estado de direito está ameaçado». De acordo com o Parlamento e o Conselho da UE, o Estado de direito é ameaçado tanto pelo governo de Varsóvia como pelo de Budapeste. Mas as reformas internas que desencadearam este alarme dizem respeito a assuntos que até agora foram considerados de pertinência exclusivamente nacional. Será que a decisão do Tribunal de Justiça da UE significa, portanto, que estamos no limiar de um super-Estado europeu?  

A Polónia definiu o veredicto «um ataque à nossa soberania». A Ministra da Justiça húngara, Judit Varga, classificou-o como um «abuso de poder» de Bruxelas. O governo conservador de Varsóvia tem estado na mira, nos últimos anos, pela sua reforma da magistratura. A Hungria, 
por outro lado, pela sua lei antipedofilia, que as associações LGBT consideram «discriminatória» porque regulamenta a educação sexual, especialmente em questões de género. Por estas razões, os dois Países temem (com razão) que lhes seja bloqueado o acesso ao Fundo de Recuperação, necessário para a reconstrução pós-COVID. E não só o Fundo de Recuperação, mas todos os fundos europeus, a partir de agora, ficarão sujeitos a esta cláusula.      

Os recursos da Hungria e da Polónia baseavam-se essencialmente na ausência de uma base jurídica do novo regulamento nos Tratados, na ultrapassagem dos limites das competências da 
União e no facto de, desta forma, o próprio princípio da segurança jurídica ser minado. Trata-se de decisões arbitrárias tomadas por uma maioria contra uma minoria de Países dissidentes, que seriam discriminados desta forma. Relativamente à reforma da magistratura polaca, que consiste na instituição de uma Câmara disciplinar para examinar a competência dos juízes e, possivelmente, puni-los, Varsóvia está convencida de que esta é uma regra que respeita o princípio da divisão de poderes e a independência do sistema judicial.          

Uma sentença do Supremo Tribunal polaco reafirmou então o princípio de que a Constituição polaca é a lei suprema do Estado. As normativas europeias só podem ter prioridade nos campos que a nação polaca delegou à UE, mas não sobre a própria Constituição. Varsóvia é clara sobre este ponto: «O pluralismo constitucional – declarou o Primeiro-Ministro Morawicki, em Outubro passado, ao Parlamento Europeu – significa que deve continuar a existir um espaço para o diálogo entre nós, entre os nossos Países e os nossos sistemas jurídicos. Este diálogo também tem lugar através de decisões dos tribunais». Na sentença do Supremo Tribunal polaco, a interpretação dos Tratados por parte do Tribunal de Justiça não é aceite como norma. «Nos Tratados da UE delegámos muitas competências, mas não todas, à União Europeia. Não há dúvida de que o direito da UE tem supremacia sobre o direito nacional naquelas áreas (de competência, n.d.r.) que foram delegadas pelos Estados-membros à UE». Mas «se uma instituição da UE vai além dos seus poderes, um Estado-membro deve ter os instrumentos necessários para reagir», tinha reiterado Morawiecki em Outubro passado.           

No que diz respeito à Hungria, o Parlamento e o Conselho da UE contestam a nova 
norma antipedofilia, enfatizando apenas a parte da lei (ou melhor, uma emenda introduzida mais tarde) na qual se regula também a educação sexual nas escolas. Como explicámos nestas colunas, o material escolar, do jardim-de-infância aos liceus, não deve conter nada que vise alterar o género ou promover a homossexualidade. Para além dos professores da escola, apenas pessoas ou organizações incluídas num registo oficial, continuamente actualizado, podem dar aulas de educação sexual. Gostando ou não, este nunca foi um assunto sobre o qual a UE possa impor um juízo sobre a legislação nacional. E na Carta dos Direitos Fundamentais encontramos, no artigo 14.º, «o direito dos pais de assegurarem a educação e o ensino dos filhos de acordo com as suas convicções religiosas, filosóficas e pedagógicas». Por conseguinte, os pais só podem educar os seus filhos de acordo com as directrizes ditadas por Bruxelas e não com as de Budapeste?       

É evidente, à vista disso, que estamos realmente no limiar de um super-Estado europeu, se as instituições comunitárias se reservarem o direito de contestar a legislação adoptada pelos Estados-membros, mesmo em matéria pedagógica e religiosa. E mais ainda, utilizando uma mera chantagem económica (ou se adere, ou não há fundos) como arma para se imporem. A sentença que confirma este mecanismo é mais uma prova de que estamos neste caminho perigoso. Hoje, só os polacos e os húngaros estão cientes disso.           

Stefano Magni

Fonte: Dies Irae

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