Não foi só na Nova Zelândia que a terra tremeu esta semana. Também nas antípodas, neste país que já foi de brandos costumes e agora é de unicidades ideológicas e serôdios corporativismos, se registou um violento sismo mediático, com o epicentro nas controversas declarações da Dra. Maria José Vilaça. Em entrevista à revista Família Cristã, a presidente da Associação dos Psicólogos Católicos disse: “Eu aceito o meu filho, amo-o se calhar até mais, porque sei que ele vive de uma forma que eu sei que não é natural e que o faz sofrer. É como ter um filho toxicodependente, não vou dizer que é bom”.
O que é, ou não, natural tem muito que se lhe diga. Sem entrar no fundo da questão, pode-se dizer que é natural o que se observa na generalidade das pessoas e que, por isso, se atribui à natureza humana. Ora, no mundo inteiro, cerca de 97% da humanidade sente-se atraída pelo sexo oposto: pode-se dizer portanto que, em termos sociológicos, essa é a tendência mais natural, sem que o seu contrário seja anormal. Neste sentido, o celibato, que contraria uma inclinação generalizada, não é tão natural quanto o casamento, sem que por isso seja nenhuma anormalidade. Ser superdotado também não é natural, embora seja, como é óbvio, excelente.
A comparação entre a tendência homossexual e a toxicodependência não foi feliz: não são, de facto, realidades equiparáveis. Porém, o discurso não versava sobre a bondade ou maldade da tendência homossexual, que à psicologia não compete ajuizar, mas à ética e à teologia moral. Pelo contrário, incidia sobre as consequências dessa ocorrência para os pais, como a própria psicóloga depois esclareceu: “O que [eu] disse é que, perante um filho que tem um comportamento com o qual os pais não concordam, [estes] devem na mesma acolhê-lo e amá-lo. A toxicodependência é apenas exemplo de comportamento que, por vezes, leva os pais a rejeitar o filho. Não é uma comparação sobre a homossexualidade, mas sobre a atitude diante dela”.
É pena que esta atitude de aceitação e de caridade para com os homossexuais, nomeadamente os que vivem com os pais, e para com todos os seres humanos, tenha passado despercebida aos que não tardaram em apedrejar publicamente a presidente da Associação dos Psicólogos Católicos. Ora Maria José Vilaça, seguindo aliás o Papa Francisco, como compete a qualquer católico coerente, para todos exigiu acolhimento e amor.
A propósito, esclareça-se que a Igreja não reprova a tendência homossexual, nem muito menos as pessoas – algumas, por certo, católicas – que, por vezes contra a sua vontade e com grande sofrimento, se reconhecem nessa situação. O que a Igreja reprova são os comportamentos contrários ao que, segundo a Bíblia, entende ser o recto uso da sexualidade humana, sejam esses actos praticados por um homem ou uma mulher, uma pessoa solteira ou casada, com tendência homossexual ou heterossexual. Não faria sentido que, aos homossexuais, não se exigisse o que a todos os cristãos se pede: na realidade, isso seria até uma sua injusta discriminação. O Evangelho é igualmente exigente para todos os fiéis: nomeadamente os que optam pelo celibato, apesar da inclinação natural para a actividade sexual; ou os que se comprometem à fidelidade para sempre, no matrimónio monogâmico, não obstante a natural atracção por outros eventuais parceiros. Por isso, quando Cristo enunciou os princípios a que se obrigam os cristãos quando casam, muitos concluíram que, assim sendo, mais valia não casar! (Mt 19, 10).
Entre as muitas reacções suscitadas pelas polémicas declarações da presidente da Associação dos Psicólogos Católicos, surpreendeu, pela positiva, o sensato comentário de quem, identificando-se como homossexual, teve a coragem de criticar os que, a coberto dessa mesma tendência, deram indícios de uma mentalidade perigosamente autoritária e de uma exagerada susceptibilidade em relação a qualquer discurso que não exalte o seu estilo de vida, ou não aplauda os seus pontos de vista.
Com efeito, a este propósito, José Leote escreveu: “assistimos a um fenómeno curioso e preocupante que, infelizmente, se tem vindo a acentuar nos últimos tempos: quem expressa uma opinião contrária à nossa é necessariamente homofóbico. Por outras palavras, queremos rotular de homofóbica toda a pessoa que discorda de nós, que tem uma opinião diversa sobre a homossexualidade, mesmo que não incite ao ódio contra quem quer que seja. Ou seja, pretendemos coartar a liberdade de expressão aos outros, que aos quatro ventos reclamamos para nós. Muitos de entre nós chamam os sacerdotes de pedófilos, fazendo uma generalização infundada e abusiva; chama os fiéis disto e daquilo, a Igreja daqueloutro e aqueloutro ainda. Todos e todas se arrogam o direito a fazer e dizer as maiores barbaridades em nome da liberdade individual e de expressão, mas quando alguém discorda de nós: Aqui d’el-rei que é ‘homofóbico/a’!”
A crítica não podia ser mais certeira, porque a radicalização e intolerância do discurso de alguns homossexuais gera violência, também contra os próprios, tantas vezes vítimas de cruéis agressões. É justa e necessária a fundamentada denúncia de casos de verdadeira homofobia, ou de injustificada discriminação, porque não têm possível justificação legal ou moral. Mas, o recurso arbitrário a essa acusação incentiva os autos-de-fé e os julgamentos sumários na praça pública. Os ataques de alguns homossexuais, certamente poucos, à liberdade de pensamento e de expressão, à liberdade religiosa e de opinião, aos direitos humanos, aos valores e aos princípios da democracia, não favorecem, numa sociedade livre e democrática, a sua compreensão e aceitação. Por isso, é de esperar que a Ordem dos Psicólogos Portugueses não dê provimento às queixas contra a liberdade de expressão dos seus profissionais porque, nesse caso, poder-se-ia converter numa odiosa ordem de polícias do pensamento…
Num seu posterior esclarecimento, Maria José Vilaça, com serenidade e bonomia, reconheceu que, como reacção a esta sua entrevista, gerou-se um certo “burburinho”… Na verdade não foi um burburinho, mas – diga-se sem ofensa para ninguém – um ‘burburão’ dos diabos!
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