segunda-feira, 2 de outubro de 2023

CASAMENTO DE UMA INFANTA DA CASA REAL DE BRAGANÇA

 

“Enquanto vive tem o Rei de conservar os olhos sempre bem abertos, vendo tudo, olhando por todos. Nele reside o amparo dos desprotegidos, o descanso dos velhos, a esperança dos novos; dele fiam os ricos a sua fazenda, os pobres o seu pão e todos nós a honra do país em que nascemos, que é a honra de todos nós!”
Mouzinho de Albuquerque,
Tenente-coronel de Cavalaria
(Carta ao Príncipe D. Luís Filipe de Bragança)1

Vai ocorrer, com a Graça de Deus, no dia 7 de Outubro.

Sendo que o último casamento na Família Real Portuguesa, ocorreu em 1995, justamente o dos pais da agora Infanta Maria Francisca – D. Duarte de Bragança e Isabel de Herédia - que vai dar o nó com Duarte de Sousa Araújo Martins, segundo o rito da Santa Madre Igreja. Como é da tradição portuguesa.
A cerimónia religiosa decorrerá no Convento de Mafra, pelas 15:00, - um monumento que tem muito mais que se lhe diga do que resultar de um suposto voto do Rei D. João V, relativo ao seu primeiro descendente - e de onde, no fatídico dia 5 de Outubro de 1910, D. Manuel II e o que restava da sua família partiu para o exílio, embarcando no Iate Real “Amélia”, na Ericeira, com destino a Gibraltar e depois Inglaterra. 2

Prepara-se uma cerimónia popular para quem se queira reunir e associar à boda, no terreiro frente à Basílica dedicada a Santo António (estima-se que ao casamento assistam 1200 convidados), o que certamente servirá para avaliar a estima que a Família Real goza em Portugal e no estrangeiro, bem como ainda está presente entre nós, o ideal monárquico.

Porque é que esta cerimónia é importante, no ano 23 do século XXI, numa época dominada em Portugal pela ideia republicana de Estado? E onde a discussão sobre o “modo monárquico de estar na vida” é, infelizmente, quase inexistente?

Pois exactamente por cauda disto mas, também, por um conjunto de razões que estão muito para além disto.

A Família Real está presente em Portugal desde o princípio da nacionalidade, acompanha a Nação nas suas vicissitudes e alegrias; desenvolvimentos e retrocessos; glórias e desaires. E tal verificou-se, apesar do intervalo de 60 anos, em que a Coroa Portuguesa foi ocupada por uma dinastia estrangeira; um desvario que não devia ter ocorrido.

E agora, neste inverno republicano, que já dura há 122 anos - mais por responsabilidade dos monárquicos do que por acção dos republicanos, deve acrescentar-se - a Família Real mantém-se através dos desígnios da vida, sendo que a “roda” da mesma é mantida pela procriação legítima e a regra da antiguidade da descendência.

Ora este enlace enquadra-se naturalmente neste âmbito.

A Família Real deve ser um exemplo de virtudes cívicas e morais, sem embargo de todos os seus membros serem feitos de carne e osso e terem uma alma humana, não divina. O Rei - ou quem está “marcado” para o poder ser - é o primeiro servidor da Nação e a sua história é a História do seu povo.
Num mundo e numa sociedade cada vez mais centrífuga e atomizada, vivendo um
individualismo e hedonismo feroz - que intenta tornar a Moral e a Ética “relativas” - a Família Real deve ser exemplo de união, coesão e bons propósitos, de modo a manter a Nação dos Portugueses no rumo do seu objectivo maior que é o de manter a sua identidade e independência. E cada uma não se mantém, sem a outra.

*****

Convém situar-nos melhor fazendo um breve bosquejo histórico.

A Monarquia foi a forma escolhida, desde a individualização do Condado Portucalense, como forma de representação política ao mais alto nível do Estado. 3

A Monarquia durou assim em Portugal, 782 anos (24 de Junho de 1128, até 5 de Outubro de 1910), embora verdadeiramente se deva considerar 771 anos, dado D. Afonso Henriques só ter sido alçado a Rei, depois da Batalha de Ourique, em 25 de Julho de 1139. Sendo que, como já foi afirmado, entre 16 de Abril de 1581 (Cortes de Tomar) e 15 de Dezembro de 1640 (data de Aclamação de D. João IV) a dinastia Filipina tenha “herdado, comprado e conquistado” (como disse Filipe I), a Coroa Portuguesa, até que os nossos antepassados os correram na ponta da espada.

A Monarquia em Portugal foi considerada de Direito Divino, mas sempre ratificada por aclamação o que teve o seu cúmulo na eleição de D. João I e do já citado D. João IV.

E as difíceis e complexas relações com a Santa Sé, desde que D. Afonso Henriques separou os interesses galegos dos portucalenses, tornaram a tradição portuguesa muito mais “gibelina” do que “guelfa”. E um dos exemplos disso foi a instituição do “Beneplácito Régio” ao tempo de D. Pedro I.
Lamentavelmente a Família Real Portuguesa dividiu-se após a morte do nosso “Rei Filósofo” D. Duarte, o que levou ao infausto combate de Alfarrobeira, onde morreu o Infante D. Pedro, Duque de Coimbra. A divisão não ficou mesmo assim sanada, pois prolongou-se no conflito entre a Casa de Avis e a Casa de Bragança, tendo-se gerado o apaziguamento ao tempo do Rei D. Manuel I mas, ao que creio, apenas teve o seu epílogo com o Marquês de Pombal e o trágico processo que moveu ao Duque de Aveiro e aos Távoras. 4

Um erro de monta, fruto das ideias em voga na época, foi feito pela Dinastia de Bragança, quando o Rei D. Pedro II deixou de convocar Cortes Gerais, após aquelas realizadas em 1698. Tal facto foi ditado pela importação algo acrítica, do modelo francês de Luís XIV, da “monarquia absoluta”, que se veio a revelar na sua plenitude no reinado de D. José I.

Ora tal contrariava frontalmente o modelo de cortes gerais, tradicionais no Reino (um modelo que considero mais adequado e “democrático” daquele que temos actualmente), que tinha sido aperfeiçoado pelo preclaro Rei, Senhor D. Afonso III, nas Cortes de Leiria de 1254 (a que se deve acrescentar, as tradições municipalistas e acção das corporações).

Quando o Rei D. Miguel se apercebeu do erro, em 1828, e quis retornar tudo à antiga, já era tarde demais…

Entretanto as invasões francesas obrigaram a Família Real, o Governo e a Armada a retirarem-se estrategicamente para o Rio de Janeiro – que passou a capital do Reino – tendo destruído o continente europeu português e, pior de tudo, deixaram por cá as ideias da Revolução Francesa em grande parte apoiados nas ideias iluministas, racionalistas e maçónicas desenvolvidas durante o século XVIII.
E herdámos duas Maçonarias, uma de inspiração inglesa e outra francesa. 5

Daqui à Revolução Liberal, de 24 de Agosto de 1820, no Porto, foi um fósforo.6

O Rei D. João VI – que lidou, porventura, com a conjuntura política mais complicada da nossa História – não parecendo nada interessado em sair do Brasil, teve que o fazer, o que ocorreu em 1821, chegando a Lisboa a 1 de Outubro. O Rei jurou a novel Constituição (inspirada na Constituição Francesa de 1791 e, sobretudo, na Constituição de Cádis, de 1812), a 30 de Setembro de 1822, tendo a Rainha Carlota Joaquina recusado assinar.

Mais uma vez a Família Real desentendeu-se e partiu-se, o que veio a originar a pior guerra civil que em Portugal já houve. A Convenção de Évora – Monte, de 26 de Maio de 1834, selou a derrota dos “Absolutistas”, que melhor se apelidariam de “tradicionalistas” e a vitória dos Liberais liderados, pelo primogénito da Casa Real, que, salvo melhor opinião, tinha automaticamente perdido a nacionalidade portuguesa ao liderar a sedição brasileira, em 7 de Setembro de 1822.

Entretanto tinha D. João VI desaparecido do número dos vivos, a 10 de Março de 1826, tudo leva a crer por envenenamento, tendo o seu “testamento político” sido forjado. Não se sabe até hoje quem foram os autores do crime.

Mais uma vez a “paz” de Évora-Monte não fechou as contas, mesmo tendo banido do País os partidários de D. Miguel.

A convulsão política e social cavalgou, daí resultando mais duas guerras civis em 1846 e 1847.
A relativa paz de 1851, após mais uma insurreição militar, em que se tentou que as lutas políticas se confinassem ao parlamento criando um sistema como o inglês, com um partido mais à esquerda e outro mais à direita que se revezariam no poder – a que chamaram de “rotativismo” – nunca resultou verdadeiramente. A partir de 1890 o regime monárquico entrou em agonia, após o “ultimatum” inglês, banca rota e aumento de agitação política. Em 31 de Janeiro de 1891 ocorreu a segunda tentativa de proclamação da República, no Porto, mas nem mesmo assim tal facto fez emendar a mão aos Partidos ditos monárquicos – estando o Rei quase impotente para intervir, dado que, desde a Constituição de 1822, o “Rei reinava, mas não governava”.7

Até que se chegou à vilania de se tentar matar a Família Real a tiro, em plena via pública. Era o dia 1 de Fevereiro de 1908.

Este ignominioso crime foi perpetrado por elementos da Carbonária (outra organização secreta que actuava como uma espécie de braço armado da maçonaria) e inspirado pelo Partido Republicano. Daqui resultou a morte do Rei D. Carlos e do herdeiro ao trono, o promissor príncipe D. Luís Filipe.8

O processo relativo a este crime desapareceu.

Até que a 5 de Outubro de 1910, um golpe de estado militar com a participação de centenas, ou poucos milhares de civis armados, assaltou os centros do Poder. As forças militares e policiais supostamente leais à Monarquia desenfiaram-se ou renderam-se.

Nada justificava esta insurreição armada a não ser as paixões políticas descabeladas (e já agora pouco “democráticas”), que estabeleceu um regime que se assemelhava à revolução francesa serôdia, e ao pior jacobinismo, com 150 anos de atraso. O regime foi implantado à lei da bala e nunca referendado. 9

Logo o novel governo republicano, pela Lei da Proscrição de 15 de Outubro de 1910, obrigou ao exílio, todos os ramos da Família Real Portuguesa “expulsando-os para sempre”.

Registaram-se ainda tentativas armadas de restauração monárquica em 1911/12 e 1919, que falharam, onde se notabilizou o intrépido e indefectível monárquico Capitão Henrique de Paiva Couceiro, herói militar de África e benemérito da Pátria.

Houve ainda uma tentativa de golpe de estado constitucional, em 1951, após a morte do Presidente da República General Carmona, que foi abortada, dentro dos círculos do regime vigente.

Entretanto a I República cai fragorosamente, em 28 de Maio de 1926, deixando o país em cacos.

Entre essa data e a entrada em vigor do Estado Novo, em 1933, assistiu-se a um período que se pode chamar de transição e amadurecimento, onde se vislumbram três ditaduras de carácter militar (1926-28); financeiro (1928-32) e político (1932/3).

Enquanto tudo isto se passava, deu-se uma tentativa de união dos ramos desavindos da Família Real e dos monárquicos, através do Pacto de Dover, em 1912, de iniciativa do Rei patriota, D. Manuel II, de onde resultou a actual Família Real Portuguesa. No campo da doutrinação destacaram-se as figuras que integravam o “Integralismo Lusitano”.

O sarar das feridas foi lento e até hoje nunca houve verdadeiro consenso sobre os factos históricos que deram origem a tão atribulado período de mais de um século de vida nacional e que tão graves prejuízos trouxe ao país (1817-1933, com um período de “incubação” que vai de 1801 – “Guerra da Laranjas”, a 1817 – Revolta de Gomes Freire).

É urgente haver consenso alargado sobre tudo isto.

A situação política, jurídica e social da Família Real Portuguesa ficou, felizmente, “normalizada” por via da notável Lei 2040 de 27 de Maio de 1950 em que, em dois parágrafos, se revogou a Lei do Banimento, promulgada a 19 de Dezembro de 1834 e a Lei da Proscrição, de 15 de Outubro de 1910, permitindo o regresso a Portugal dos descendentes do ex-infante D. Miguel e da Casa de Bragança – Saxe – Coburgo - Gota e da Casa de Loulé, entre outros.

Deste modo a Família Real Portuguesa passou a fazer parte novamente, da Nação dos Portugueses e os monárquicos ficaram livres de se organizarem segundo as leis vigentes.

*****

É, pois este, o contexto, muito sucintamente abordado, em que se vai realizar o casamento agora assinalado.

É importante que a Família Real esteja sempre atenta e alerta - como bem afirmava Mouzinho – a tudo o que se passa à sua volta e ao papel que lhe cabe cumprir. Os descendentes da Real Família são aqueles que são postos no caminho do trono pela providência divina, mas só os braços da Nação, a antiga nobreza, clero e povo, os podem aclamar. Foi assim em Portugal durante séculos e é assim que está bem.

Na sucessão das gerações segue a roda da vida e logo a perenidade dos vínculos que nos devem unir (e não desunir).

A Família Real é também, e sobretudo, uma família.

E quanto melhor ela for, melhor será a nossa.

A Felicidade dos noivos é também, a nossa felicidade.

E nunca se esqueçam que são portugueses.

João José Brandão Ferreira, Oficial Piloto Aviador (Ref.)

1 Mouzinho escreveu a carta após ser nomeado pelo Rei D. Carlos I, Aio do Príncipe herdeiro. É uma carta notável, que devia ser lida em todas as escolas do País.
2 Ainda resta apurar o que se passou exactamente neste lance histórico e o que evitou que o iate se dirigisse ao Porto, a fim de continuar a luta contra as Forças Republicanas.
3 Apesar de considerar que o povo português tem as suas características como Nação, consolidadas no reinado de D. Dinis, o Estado moderno começou a ser organizado apenas ao tempo do Rei, Senhor D. João II, já que todas as estrutu-ras anteriores se podem considerar incipientes.
4 O Duque de Aveiro era descendente do filho natural de D. João II, D. Jorge de Lencastre…
5 Convém lembrar para registo de memória, que quando o país foi invadido pela “águia napoleónica”, em 1807, uma delegação da Maçonaria foi a Sacavém receber o exército invasor, comandado por Junot, como “libertador”.
6 A revolução foi preparada na loja maçónica “O Sinédrio”, no Porto, liderada pelo bacharel Fernandes Tomás.
7 Dizemos segunda tentativa, pois a primeira tinha ocorrido no Brasil, em 1817, com a revolta de Pernambuco.
8 A “Carbonária” desapareceu, algo misteriosamente, na Ditadura Militar que se seguiu ao Golpe de Estado de 28 de Maio de 1926.
9 Digamos que acabou por ser referendado, mais tarde, indirectamente e por ironia do destino, quando a Constituição de 1933 foi plebiscitada.


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