António Costa já usou o termo “populismo” como arma de adjectivação para tentar fugir a críticas recebidas pela oposição.
Os anti-populistas fora do PS, que não nutrem simpatia por António Costa, poderão dizer que este está a ser hipócrita devido a eventuais tiques “populistas” do PM, assim como o PS no seu todo.
Ora, o populismo deve ser entendido como uma posição política que defende, ou afirma defender, o povo constituído pelas pessoas comuns, em contraste com uma elite instituída ou percebida. Ao apelidar António Costa e o PS de populistas estamos a atribuir um elogio que não lhes assiste.
Se quisermos ser correctos, mesmo que contra a concepção geral e mainstream (curiosamente anti populista) do termo “populista”, passaremos a utilizar cada vez mais o termo “demagogo”, e não “populista”. O jogo semântico é muito desvalorizado em política e os elitistas ocidentais entendem isso. Desvirtuar o termo “populista” ao usá-lo como sinónimo de “demagogo”, além de ser um erro, é uma operação política e psicológica que tem dado cartas.
Que fique claro que um elitista e um populista podem ser demagogos. De acordo com a mesma fonte usada para o termo “populismo”, a demagogia é a prática do uso de afirmações e promessas falsas ao invés do uso de argumentos racionais. Aqui, o PS e o actual governo é useiro e vezeiro, como temos vindo a observar nos últimos anos. Torna-se, portanto, apropriado chamar-lhes de demagogos e não de populistas.
O populista, antagónico ao elitista, quer descentralizar os meios de decisão política, pretende uma aproximação do poder estatal em relação ao povo, e busca transferir o coração da vida política de um país para o povo, em vez de estar centralizado num punhado de agentes.
É populista aquele que quer um contrato abstracto que edifique a relação entre povo e Estado numa perspectiva horizontal em vez de vertical? É populista aquele que não apoia organizações elitistas internacionais que agregam as elites das diferentes áreas de decisão política, económica e social? É populista aquele que pretende que o Estado e as elites que o governam sejam tratados numa relação de respeito entre o cidadão que o sustenta e o Estado que o deve proteger material e imaterialmente ao cumprir as suas funções? Sim, e não há mal nenhum nisso, excepto para os falsos populistas e aqueles que sentem um desdém pelo termo.
É tão legítimo ser populista como ser liberal ou socialista. São preferências de design de sistemas políticos com filosofias e logísticas de distribuição de poder diferentes. A Suíça é um excelente exemplo de um sistema político afastado de elitismos centralistas, ou seja, é descentralizada e tem referendos constantes.
É justo que partidos como o CHEGA! sejam apelidados de populistas, apesar da intenção pejorativa associada aos que lhe fazem oposição. É o partido que mais referendos tem defendido nos últimos anos. Veja-se o exemplo da eutanásia (antes do PSD seguir-lhe as pisadas), a alteração ao tipo de regime, e o referendo ao “sistema de classificação dos resultados escolares e exames nacionais”, além de já ter referendado internamente a pena de morte (ideia perdedora do referendo), demonstrando que é adepto da transferência do poder de escolha à população, em vez de se fechar numa cúpula elitista como a que nos governa.
Posto isto, apelidar alguém de populista como um insulto está ao mesmo nível de apelidar alguém de liberal, social-democrata ou socialista, dado que todos se inserem igualmente no mundo dos “ismos” políticos. O ponto-chave para os populistas ganharem a esses “ismos” passa por reabituar o povo ao uso dos termos correctos.
Orwell acreditava que a linguagem vaga era utilizada para esconder a verdade em vez de a expressar. Ele estava correto. O Ocidente tem sido alvo da diabolização do populismo e sua desvirtuação linguística através desta prática orwelliana.
Se os populistas querem eliminar este bicho-papão, terão de se assumir como tal e interromper as vezes que forem necessárias quando alguém utilizar mal o termo. Acima de tudo, não podem entregar o monopólio de definição semântica aos seus adversários, caso contrário vamos continuar a chamar populistas aos elitistas, tal como eles desejam.
Francisco Pereira Araújo
Fonte: Inconveniente
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