terça-feira, 4 de julho de 2023

Santa Isabel, a Rainha Santa

 


Princesa da casa real aragonesa, Dona Isabel nasce em 1270. Casa por procuração com o rei D. Dinis na cidade de Barcelona, em Fevereiro de 1281, mas Coimbra só recebe o casal régio em Outubro do mesmo ano. De pronto se estabelece uma profunda empatia com aquela que viria a ser a sua futura padroeira.

Desde cedo, o carácter filantrópico e de pacificadora da rainha é posto em evidência. Destacam-se alguns dos seus actos miraculosos e as intervenções de mediadora na discórdia entre D. Dinis e o seu meio-irmão, o Infante D. Afonso. Nos anos de 1319 e 1324, intervém para pôr fim aos incidentes do marido com o filho D. Afonso. Mais tarde, ao ter conhecimento da desavença entre o futuro rei D. Afonso IV, e o seu neto, D. Afonso XI de Castela, desloca-se a Estremoz para a sua última tentativa de reconciliação. Adoecendo nessa localidade alentejana, acaba por falecer a 4 de Julho de 1336, sem ter conseguido levar a bom termo a sua missão pacificadora.

Este pequeno retábulo, considerado o primeiro ex-voto português, foi encomendado por um professor universitário, como forma de agradecer o auxílio da Rainha Santa na cura da paralisia de que padecia uma sua sobrinha, freira da comunidade monástica de Celas. Nele se representa Santa Isabel com as rosas e o milagre propriamente dito, bem como a sua acção de amparo aos mais desprotegidos. Em plano de fundo, descobre-se uma vista geral de Coimbra renascentista, com destaque para o Paço Real e o Mosteiro de Santa Clara.

A rainha é sepultada em Coimbra, no Convento de Santa Clara, conforme vontade expressa em testamento, repousando inicialmente num belíssimo túmulo de pedra esculpido no séc. XIV por Mestre Pero para, mais tarde, já no século XVII, ser trasladada para novo túmulo em prata, exposto na capela-mor do novo Mosteiro de Santa Clara.

Hoje, o monumento funerário encontra-se próximo do retábulo-mor da nova Igreja de Santa Clara de Coimbra, na companhia da venerada imagem da Rainha Santa, executada por Teixeira Lopes em 1896.Após a sua canonização ser oficializada pela Igreja de Roma, os restos mortais da Rainha Santa foram trasladados para uma nova morada final. O novo túmulo em prata foi mandado fazer em 1614 pelo Bispo-Conde de Coimbra, D. Afonso de Castelo Branco.

A sua figura de Rainha Santa ficou indissociavelmente ligada ao auxílio e fundação de mosteiros e à protecção dos mais desfavorecidos, sendo por isso querida em vida e venerada como santa, logo após a sua morte. Oficialmente, a consagração dá-se com a beatificação, a 15 de Abril de 1516, por Leão X, vindo a ser canonizada por Urbano VIII, em 25 de Maio de 1625.

Após a morte de D. Dinis, em 1325, e antes de fixar residência no paço anexo ao Mosteiro de Santa Clara de Coimbra, a rainha efectuou uma peregrinação a Santiago de Compostela. Segundo a tradição, Dona Isabel oferece ao Apóstolo Santiago alfaias litúrgicas, jóias e paramentos religiosos, recebendo das mãos do arcebispo compostelano o bordão de peregrina, em forma de tau, que se encontra à guarda da Irmandade de Santa Clara.

Durante a abertura do túmulo da Rainha Santa, ocorrida em 1612, com o objectivo de proceder à recolha de provas para a sua canonização, repousava junto do seu corpo o báculo e o bordão de peregrina a Santiago de Compostela, oferecido em 1325 pelo arcebispo compostelano. A peça foi colocada, no século XVII, num receptáculo de prata, em forma de balaústre, encontrando-se à guarda da Irmandade da Rainha Santa Isabel.

Uma vez viúva, a rainha passa a envergar o hábito de clarissa sem tomar os votos, desfazendo-se dos seus adornos. De alguns mandou fazer ornamentos e alfaias religiosas, enviando-as a várias igrejas, enquanto às rainhas de Portugal, Castela e Aragão ofereceu diversas jóias.

O legado de Dona Isabel de Aragão constitui um pequeno tesouro no panorama da ourivesaria sacra medieval, embora integre uma peça de uso pessoal, o colar de ouro e pedras preciosas. De acordo com a lenda, as freiras clarissas emprestavam-no aos doentes para ajudar à cura, sendo usado, em particular, pelas parturientes.

O acervo compreende também um relicário de coral que combina a excelência das formas irregulares e naturais do coral com as várias técnicas de trabalhar a prata, associando também a douradura à utilização repetida dos esmaltes. Ostentando os símbolos heráldicos de Portugal e de Aragão, o relicário repousa sobre dois leões de vulto pleno. Esta peça tinha o seu culminar na desaparecida representação do Calvário, plasmado nas figuras de Cristo, da Virgem e de S. João. A eleição da forma tripartida surge como alusão ao Mistério da Santíssima Trindade.

Do denominado “tesouro” consta ainda uma rara escultura da Virgem com o Menino, singular quer pelas dimensões, quer pelos ornamentos e gemas aplicadas. É uma escultura isenta, assente sobre três leões, que recorre mais uma vez à utilização do símbolo heráldico real no cinto, em esmalte, como forma de afirmação de poder.

Pertencente também ao legado da Rainha Santa é a cruz de jaspe sanguíneo e prata. Desta cruz processional destaca-se o magnífico nó hexagonal, onde, mais uma vez, estão inscritas as armas da Rainha. A temática escolhida enquadra-se no catecismo Cristológico — de um lado o Calvário, do outro Cristo rodeado pelo Tetramorfo, representação simbólica dos quatro evangelistas. 

Provenientes do antigo Mosteiro de Santa Clara são igualmente duas cruzes de cristal de rocha, a primeira destas filiada nas oficinas venezianas. Recorrendo a uma iconografia de influência bizantina, os temas escolhidos aludem, num dos lados, ao episódio da Dormição da Virgem e, no outro, ao Calvário. 

A outra cruz é, no talhe do cristal, muito semelhante a esta. Apresenta nas suas placas, em prata dourada, uma galeria de figuras bíblicas, contribuindo para exaltar o valor espiritual desta peça singular. Embora não possuam as armas de Aragão, pensamos que estas peças poderão filiar-se na acção mecenática da Rainha Santa Isabel, figura ímpar da história portuguesa.



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