segunda-feira, 14 de agosto de 2023

Batalha de Aljubarrota – 14 de Agosto de 1385

 


Pintura 'A Batalha de Aljubarrota' por Mestre José Manuel Soares (1932 – 2017)

Pelas dezoito horas do dia 14 de Agosto de 1385, o exército português e 200 archeiros dos aliados ingleses comandados por El-Rei Dom João I de Portugal e pelo Conde Dom Nun’Álvares Pereira, o 2.º Condestável de Portugal, ilustraram-se pelas armas ao defrontaram e vencerem o exército castelhano e 2000 cavaleiros dos seus aliados franceses liderados pelo Rei Don Juan I de Castela, reconfirmando a Independência do Reino de Portugal.

Falecido D. Fernando I de Portugal, iniciou-se a Crise de 1383-85, pois os filhos varões do Rei, com D. Leonor Telles de Menezes, haviam morrido e D. Beatriz (1372 - 1410), Infanta de Portugal, havia casado com o Rei D. Juan I de Castela, pelo que, sob pena de anexação de Portugal pela Coroa de Castela, pretendia-se mantê-la afastada da sucessão.
E era fortíssima a ameaça da união – que soava a integração - de Portugal com a Coroa de Castela, resultado do Tratado de Salvaterra de Magos, de 1383. Também, a burguesia mostrava-se desagradada com a regência da Rainha D. Leonor Telles e do seu amante, o Conde D’Andeiro e com a ordem da sucessão.
Estava por essa altura o país fragmentado em três facções que reclamavam a legitimidade à sucessão:
De um lado estava o partido legitimista, fiel a Castela, que defendia a causa da Infanta D. Beatriz, mulher do rei de Castela, a quem consideravam a única herdeira legítima do Rei de cujus, e entendiam vigorar plenamente o Tratado de Salvaterra de Magos, uma escritura antenupcial que defendia, a união dos dois reinos ibéricos, e ainda a regência da Rainha-viúva D. Leonor Telles, consorte do rei decesso.
Outro partido era o legitimista-nacionalista, a quem repugnava a ideia da perda da independência nacional – o que excluía D. Beatriz - e que era constituído pelos irmãos de D. Inês de Castro, D. Álvaro Pires de Castro e D. Fernando de Castro, e que defendiam a legitimidade da pretensão dos seus sobrinhos, o Infante D. João e o Infante D. Diniz, filhos do Rei D. Pedro I e D. Inês, e que portanto eram meios-irmãos do finado el-rei D. Fernando, e que o rei Cru, havia legitimado por casamento clandestino.
O terceiro partido, estritamente nacionalista, pugnava por um Rei português e colocava a supremacia e independência nacional acima de qualquer legitimidade, o que excluía a Infanta D. Beatriz, rainha de Castela e os filhos de D. Inês de Castro que viviam em Castela e, inclusive, já haviam combatido por esse Reino. Para estes últimos partidários, nos quais se incluíam o fervoroso D. Nuno Álvares Pereira, não restava então outra solução do que esquecer as habituais regras de sucessão e considerar o trono vago, como forma de salvaguardar a soberania nacional, elegendo como Rex Portucalensis D. João, Mestre de Avis, ainda que filho bastardo de D. Pedro.
O exercício de retórica para convencer a elite de Portugal congregada nos Três Estados, reunidos nas Cortes em Coimbra, a 6 de Abril de 1385, coube ao Doutor João das Regras, que demonstrou que quer D. Beatriz quer os Infantes não eram filhos legítimos, a primeira porque o casamento entre D. Fernando e D. Leonor Telles de Menezes era inválido uma vez que o 1.º casamento da rainha não havia sido dissolvido legalmente, e que quanto ao filhos de Pedro e Inês, o Rei e os seus cortesãos havia prestado falsas declarações no que ao concerne ao casamento secreto de D. Pedro e D. Inês, embuste com a qual pretendeu legitimar os filhos. Todos os ali reunidos renderam-se ao exercício de oratória empolada de João das Regras e D. João foi eleito e Aclamado Rei pelas Cortes. Rei de Portugal, não por “direito próprio”, mas por eleição unânime e instado pelos Três Estados o que de acordo pela Lei medieval correspondia a um sinal da vontade Divina. D. João I consolidou definitivamente a sua posição e a de Portugal ao ser proclamado Rei de Portugal pelas Cortes reunidas em Coimbra.

Apesar das sucessivas derrotas militares, como em Lisboa e nos Atoleiros, o rei D. Juan I de Castela não desistira da coroa de Portugal, que entendia advir-lhe ius uxoris pelo casamento e opondo-se a tal resolução, responde invadindo Portugal, pela Beira-Alta, em Junho de 1385, e desta vez à frente da totalidade do seu exército e auxiliado por um forte contingente de cavalaria francesa. Quando as notícias da invasão chegaram, D. João I de Portugal encontrava-se em Tomar na companhia de D. Nuno Álvares Pereira, o Condestável do Reino, e do seu exército, e mais uma vez, o chicote de Portugal, D. Nuno Álvares Pereira, resolve tomar rédeas à situação e sitia as cidades que, entretanto, se converteram fiéis a Castela. Avança e a decisão tomada foi a de enfrentar os castelhanos antes que pudessem levantar novo cerco a Lisboa. Com os aliados ingleses, o exército português interceptou os invasores perto de Leiria. Dada a lentidão com que os castelhanos avançavam, D. Nuno Álvares Pereira teve tempo para escolher o terreno favorável para a batalha e a 14 de Agosto de 1385 tem a oportunidade de exibir toda a sua mestria e génio militar em Batalha.
A opção para a Batalha recaiu sobre uma pequena colina de topo plano rodeada por ribeiros, no Campo de São Jorge, Calvaria de Cima, nas imediações da vila de Aljubarrota, entre Leiria e Alcobaça. Contudo o exército português não se apresentou ao castelhano nesse sítio: inicialmente formou as suas linhas noutra vertente da colina, tendo depois, já em presença das hostes castelhanas mudado para o sítio predefinido, isto provocou bastante confusão nas tropas de Castela. Assim pelas dez horas da manhã do dia 14 de Agosto, o exército português e os aliados ingleses comandados por El-Rei de Portugal D. João I e o Condestável do Reino tomaram a sua posição na vertente norte desta colina, de frente para a estrada por onde o exército castelhano e seus aliados franceses liderados por D. Juan I de Castela e Leão, eram esperados.
A disposição portuguesa era a seguinte: infantaria no centro da linha, uma vanguarda de besteiros com os 200 archeiros ingleses, 2 alas nos flancos, com mais besteiros, cavalaria e infantaria. Na retaguarda, aguardavam os reforços e a cavalaria comandados por D. João I de Portugal em pessoa. Desta posição altamente defensiva, os portugueses observaram a chegada do exército castelhano protegidos pela vertente da colina. A vanguarda do exército de Castela chegou ao teatro da batalha pela hora do almoço, sob o sol escaldante de Agosto. Ao ver a posição defensiva ocupada por aquilo que considerava os rebeldes, o Rei de Castela tomou a esperada decisão de evitar o combate nestes termos. Lentamente, devido aos 30.000 soldados que constituíam o seu efectivo, o exército castelhano começou a contornar a colina pela estrada a nascente. A vertente sul da colina tinha um desnível mais suave e era por aí que, como D. Nuno Álvares previra, pretendiam atacar. O exército português inverteu então a sua disposição e dirigiu-se à vertente sul da colina, onde o terreno tinha sido preparado previamente. Uma vez que era muito menos numeroso e tinha um percurso mais pequeno pela frente, o contingente português atingiu a sua posição final muito antes do exército castelhano se ter posicionado. D. Nuno Álvares Pereira havia ordenado a construção de um conjunto de paliçadas e outras defesas em frente à linha de infantaria, protegendo esta e os besteiros. Este tipo de táctica defensiva, muito típica das legiões romanas, ressurgia na Europa nessa altura. Pelas seis da tarde, começava a pôr-se o Sol, os castelhanos, ainda não completamente instalados decidem, precipitadamente, ou temendo ter de combater de noite, começar o ataque. É discutível se de facto houve a tão famosa táctica do "quadrado" ou se simplesmente esta é uma visão imaginativa de Fernão Lopes de umas alas reforçadas. No entanto tradicionalmente foi assim que a Batalha acabou por seguir para a história. O ataque começou com uma carga da cavalaria francesa composta por 2000 cavaleiros, com a sua sela alta e lança pesada, a toda a brida e em força, de forma a romper a linha de infantaria adversária. Contudo as linhas defensivas portuguesas repeliram o ataque. A pequena largura do campo de batalha, que dificultava a manobra da portentosa cavalaria, as paliçadas (feitas com troncos erguidos na vertical separados entre si apenas pela distancia necessária à passagem de um homem, o que não permitia a passagem de cavalos) e a chuva de virotes lançada pelos besteiros (auxiliados por 2 centenas de arqueiros ingleses) fizeram com que, muito antes de entrar em contacto com a infantaria portuguesa, já a cavalaria se encontrar desorganizada e confusa. As baixas da cavalaria foram pesadas e o efeito do ataque nulo. Ainda não perfilada no terreno, a retaguarda castelhana demorou a prestar auxílio e, em consequência, os cavaleiros que não morreram foram feitos prisioneiros pelos portugueses. Depois deste revés, a restante e mais substancial parte do exército castelhano atacou entraram em confronto com a infantaria portuguesa: “Castyla! Sant’iago!” ao que os portugueses replicaram bradando “Portugal! São Jorge!”. A linha castelhana era bastante extensa, pelo elevado número de soldados. Ao avançar em direcção aos portugueses, os castelhanos foram forçados a apertar-se (o que desorganizou as suas fileiras) de modo a caber no espaço situado entre os ribeiros. Enquanto os castelhanos se desorganizavam, os portugueses predispuseram as suas forças dividindo, D. Nuno, a vanguarda em dois sectores, de modo a enfrentar a nova ameaça e onde se destacou com especial bravura a famosa Ala dos Namorados. O primeiro português a ferir um castelhano na Batalha foi Gonçalo Annes de Villas-Boas, Senhor da Casa de Villas-Boas, Senhor da Torre de Ayró e Alcaide-Mor de Castelo de Vide, fiel companheiro de armas do Conde Nun’Álvares e armado Cavaleiro para lutar na Batalha pelo Rei D. João I ao qual prometeu "ser o primeiro a ferir, com a lança, os Castelhanos".
Mas, vendo que o pior da investida castelhana ainda estava para chegar, o Rei de Portugal ordenou a retirada dos besteiros e archeiros ingleses e o avanço da retaguarda através do espaço aberto na linha da frente. Desorganizados, sem espaço de manobra e finalmente esmagados entre os flancos portugueses e a retaguarda avançada, os castelhanos pouco puderam fazer senão morrer ou tentar fugir.
Ao entardecer a batalha estava já perdida para Castela. Precipitadamente, D. Juan de Castela ordenou uma retirada geral sem organizar uma cobertura. Os castelhanos debandaram então desordenadamente do campo de batalha. A cavalaria portuguesa lançou-se então em perseguição dos fugitivos, dizimando-os sem piedade. Alguns fugitivos procuraram esconder-se nas redondezas, apenas para acabarem mortos às mãos do povo. Surge aqui um mito português em torno da batalha: uma mulher, de seu nome Brites de Almeida, recordada como a Padeira de Aljubarrota, iludiu, emboscou e matou, pelas próprias mãos, alguns castelhanos em fuga. A história da verduga figura é por certo uma lenda da época.
De qualquer forma, pouco depois, D. Nuno Álvares Pereira ordenou a suspensão da perseguição e deu trégua às tropas fugitivas. Ao amanhecer do dia seguinte, a catástrofe sofrida pelos castelhanos ficou bem à vista: os cadáveres eram tantos que chegaram para barrar o curso dos ribeiros, que flanqueavam a colina e o barulho ensurdecedor do crocitar dos corvos contribuía para o cenário de tétrico. Para além de soldados de infantaria, morreram também muitos nobres castelhanos, o que causou luto em Castela.
A Batalha de Aljubarrota representa uma das raras grandes batalhas campais da Idade Média entre dois exércitos régios e um dos acontecimentos mais decisivos da História de Portugal. No campo militar significou a inovação de uma táctica, onde os homens de armas apeados foram capazes de vencer a poderosa cavalaria medieval, que, a partir daí, entrou em declínio. No campo diplomático, permitiu reafirmar a aliança entre Portugal e a Inglaterra, que já haviam assinado o Tratado de Paz, Amizade e Aliança ou Tratado de Westeminster, a 16 de Junho de 1373, na Catedral de São Paulo, em Londres, firmado entre os plenipotenciários d'El-Rei Dom Fernando I de Portugal e o Rei Eduardo III de Inglaterra e o Príncipe de Gales (Eduardo de Woodstock, "o Príncipe Negro"). O Tratado de 'perpétua amizade, sindicato e aliança' entre as duas nações, a mais antiga aliança do mundo, confirmou o anterior Pacto de Tagilde. O chamado Tratado, ou melhor Pacto de Tagilde, que o Rei D. Fernando I de Portugal assinou com os delegados de John de Gaunt, Duque de Lencastre, e 4.º filho do Rei Eduardo III de Inglaterra, é considerado o preâmbulo da Aliança Luso-Britânica, e foi firmado a 10 de Julho de 1372, na Igreja de São Salvador de Tagilde, e marcou o exórdio da mais velha aliança diplomática do mundo, que perdura até aos nossos dias.
O início da formalização da Aliança, baseada na amizade perpétua entre os dois países, ocorreu com a assinatura do Tratado de Tagilde a 10 de Julho de 1372 (no município de Vizela, distrito de Braga) e a sua concretização, o seu instrumento jurídico, com a assinatura do "Tratado de Paz, Amizade e Aliança", a 16 de Junho 1373, em Londres, selando a Aliança:
'...haverá daqui em diante uma verdadeira, fiel, constante, mútua e perpétua paz e amizade, união e aliança e liga de sincero afecto' (Artigo I, Tratado da Aliança, Londres 16 Junho 1373).
Esta Aliança foi reforçada no ano seguinte a Aljubarrota pelo Tratado de Windsor de 9 de Maio de 1386 e seria consolidada, em 1387, pelo casamento de D. João I com a Princesa Inglesa Dona Filipa de Lencastre (Lady Phillippa of Lancaster), filha de John Gaunt, Duque de Lancaster, e neta do então monarca inglês Eduardo III, de cujo consórcio matrimonial nasceria a Ínclita Geração. No aspecto político, resolveu a disputa que dividia o Reino de Portugal e a Coroa de Castela, permitindo a afirmação de Portugal como Reino Independente.

Miguel Villas-Boas

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