Entre o universo dos portugueses eu não serei o mais creditado para falar sobre o nosso Marcelino da Mata (MM) – permitam que o trate assim.
Peço que essa falha seja relevada pela vossa caridade cristã e também pelo facto do meu atrevimento ser fundado em boa mente.
Só estive com MM duas vezes, a primeira foi num encontro de “malfeitores” ali para os lados de Samora Correia; a segunda foi no Porto, em que o agora homenageado foi convidado de honra num encontro patriótico de angariação de fundos para a construção de um monumento aos combatentes do Ultramar, na Invicta. Eu fui o orador no evento.
“Malheureusement”, como diriam os franceses, a segunda cidade do País continua a ser um dos poucos municípios portugueses onde está por edificar tal monumento…
De tudo isto decorre não poder afirmar conhecer MM como pessoa, tão pouco aquilo que ele pensa.
Mas sei, de ciência certa, que o Tenente Coronel do Exército Português, Marcelino da Mata, foi um extraordinário combatente, um guerreiro, na verdadeira acepção da palavra e que honrou, até hoje, a sua condição de português de lei.
E não precisou para isso de possuir um alto grau de formação nem de nascer em berço de ouro.
É sobre tudo isto e o seu significado, que gostaria de dizer mais umas palavras.
O facto de estarmos a homenagear uma pessoa como MM – uma coisa que o Exército Português e outras “entidades” se têm esquecido injusta, mas muito convenientemente de fazer – é a prova provada de que as nossas últimas campanhas no Ultramar Português representaram uma guerra justa e que o grande projecto de expansão portuguesa, iniciado em 1340 e levado a cabo pela Ordem de Cristo, de inspiração Templária e sob a égide do Culto do Espírito Santo, estava certo e representou – e não deixou ainda de representar – uma das ideias mais grandiosas e esclarecidas que jamais ocorreram na Humanidade.
Daí que nós estamos aqui reunidos em fraternidade – que é a expressão mais elevada do antirracismo – em perfeita camaradagem – que só os combatentes verdadeiramente entendem – um negro, entre tantos brancos, de vários credos religiosos e ideológicos, mas unidos pela chama do patriotismo Lusíada, a qual se levantou acima do comum dos povos ao ponto de, no Oriente, dizerem dos portugueses que “A fortuna do Mundo é serem eles tão poucos, porque a natureza, como aos leões, felizmente os fez raros”. [1]
Por isso nunca os europeus e a maioria dos povos nos compreenderão (ou perdoará), embora nos devam respeitar. E nós devemos exigir esse respeito.
Estamos pois, a anos-luz do “multiculturalismo” em voga no mundo ocidental, no após IIGM e que agora começa a revelar-se, na sua plenitude, um descalabro mentiroso.
Por complexas e estranhas metamorfoses da “maneira portuguesa de estar no mundo”, MM amalgamou-se, como a maioria dos seus conterrâneos, a esse ideário e tornou-se um combatente de elite, que lutou à sombra da Bandeira das Quinas.
Quinas essas, que são o símbolo maior da bandeira e da Pátria, pois nela se conservam desde a Batalha de Ourique, em 1139!
“Pai foste cavaleiro. Hoje a vigília é nossa”.
Assim escreveu Fernando Pessoa, o português mais misterioso e complexo que existiu até à presente época!
O pai era Afonso Henriques e é a nós que cabe, hoje, a vigília.
Marcelino da Mata com familiares |
Marcelino da Mata, nascido a 7 de Maio de 1940, em Bula, Guiné Portuguesa, foi um grande combatente, porque se manteve íntegro e focado na sua missão.
Teve a audácia e a serenidade nos momentos críticos e foi competente, pois seguiu – mesmo sem o saber – o ensinamento desse grande cabo – de - guerra que foi o General George Patton, numa das suas frases mais célebres: “A verdadeira missão de um militar não é morrer pela sua Pátria, mas fazer com que o soldado inimigo morra pela Pátria dele”.
Acresce que, a maioria dos inimigos tinham a mesma Pátria, eram apenas renegados.
MM não renegou, não desertou nem traiu, ao contrário de alguns – felizmente uma minoria – que o fizeram e que um povo confuso e desnorteado por lideranças políticas fracas, erradas e incultas, tem deixado alcandorar a funções, prebendas e pedestais que não merecem e a que não têm direito e são o opróbrio e a cruz, das almas nobres e honestas e dos bons portugueses.
A Cristiano Ronaldo deram-lhe duas “botas de ouro”, por conseguir com mestria, meter uma bola, frequentemente, em balizas adversárias, num desporto chamado futebol.
Por tal facto é conhecido em todo o mundo e, sendo ainda novo, tem-se revelado um rapaz atinado e não fez ainda nada que nos envergonhasse.
Devemos estar muito contentes com isso.
Mas Marcelino da Mata foi ferido em combate, várias vezes, participou em 2412 operações de “Comandos” – tropa de excepcional valor, a que pertencia – e nelas praticou muitos actos de bravura e heroísmo, que lhe valeram, entre outras, cinco cruzes de guerra e ser, desde 1969, Cavaleiro da Ordem Militar da Torre e Espada, do Valor, da Lealdade e do Mérito.
Com isto ganhou jus a ser o militar mais condecorado na História do Exército Português.
Sem qualquer desprimor, creio bem, que este palmarés vale mais do que todas as botas de vil metal, que se possam ganhar na vida…
Mas MM vive humildemente e sem alardes – como é próprio das almas nobres – no seu canto do Concelho de Sintra, esquecido dos seus compatriotas. [2]
Eu como cidadão e oficial da Força Aérea quero testemunhar o meu respeito e admiração por tão singular soldado; orgulhar-me de ser um dos nossos e, como português, agradecer-lhe do fundo do coração.
E a melhor homenagem que lhe podemos fazer é comprometer-nos a tentar igualá-lo, alguma vez mais, que o que resta da Pátria Portuguesa seja ameaçada seja por quem for.
Recordo ainda D. Francisco de Almeida: “Se Deus fala português, não sei; estes canhões falam”.
Lembro D. João de Castro, a seu filho enviado em socorro de Diu: “Pelo que toca à nossa pessoa não fico em cuidado, porque por cada pedra daquela fortaleza arriscarei um filho; Eu vos ponho no caminho da Honra, em vós está agora ganhá-la”.
Cito Fernão Mendes Pinto, descrevendo um ataque a um barco de piratas chineses: ”E com muitos Padres-Nossos e pelouros, a eles nos fomos, e matámo-los a todos num credo”.
Mais recentemente Cunha Aragão, Comandante do NRP Afonso de Albuquerque, após gravemente ferido, no meio do combate, em 18/1/61, para os seus homens: ”Eu já estou, o Imediato que assuma o comando, não se rendam”.
Porque é que todos estes nossos compatriotas se comportavam assim e tal foi recorrente nos últimos nove séculos?
O grande poeta Rodrigo Emílio explica-nos no seu “Edital do Poeta às Portas da Morte”:
“É preciso que se saiba porque morro.
É preciso que se saiba quem me mata.
É preciso que se saiba
que no forro desta angústia
é da Pátria tão-somente que se trata.”
Caros compatriotas aqui presentes, tenhamos esperança (embora seja necessário contribuir para a Esperança…). Nesta semana apesar de, durante décadas, termos escutado em abundância, o elogio da cobardia; o escárnio da virtude; a elegia do vício e a defesa do relativismo dos Princípios é encorajador ver esta homenagem, a qual foi antecedida por uma outra, no dia 22 de Julho, ao heroico Subchefe Aniceto do Rosário, a que se associou a PSP e a Liga dos Combatentes (LC), morto na defesa do enclave de Dadrá, India Portuguesa, em 1954.
Cerimónia, por sua vez, antecedida, no dia 13 do mesmo mês, pela inauguração de um singelo monumento evocativo dos mortos da freguesia de Sezures, no Portugal profundo, do Distrito de Viseu, iniciativa do Major General Campos de Almeida – colega de escola dos rapazes caídos no cumprimento do Dever – a que se associou a Junta de Freguesia, a Liga dos Combatentes e o Exército Português.
Mortos da Freguesia de Sezures. Soldado Pedro Augusto - Guiné 25/11/1967 PCb José de Aguiar - Angola 11/7/1969 |
Temos assim uma homenagem àquele que foi o primeiro a tombar nesta campanha – Aniceto do Rosário – e um dos últimos a sobreviver – Marcelino da Mata – no mesmo conflito, passando por todos aqueles, desconhecidos, que verteram o seu sangue em nome da nossa existência colectiva.
Foram duas boas semanas e nada disto, à “boa” maneira portuguesa, foi planeado. Simplesmente aconteceu. [3]
Longa vida a Marcelino da Mata,
Abaixo os poltrões,
Vivam os heróis nacionais e, com eles,
Viva Portugal!
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[1] Gaspar Correia, “Lendas da India”.
[2] Alguns dos quais fizeram a vilania de o prender e torturar num quartel, nos idos de 1975!
[3] Mas, para quando a homenagem nacional que tanto Marcelino da Mata e alguns outros merecem?
João José Brandão Ferreira
Fonte: O Adamastor
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