Passou a ser recorrente, entre nós, atacar a figura do nosso Rei D. Sebastião – nome único entre todos os nossos Reis e também no mundo – que de “Desejado” por todos, como ficou para a História, passou a ser considerado, por muitos, como o símbolo do erro e da leviandade.
Tudo porque arriscou uma partida difícil e perdeu uma batalha que quase esteve ganha. Acaso a tivesse ganho, não seria hoje um herói?
Creio que aquela imagem começou a ser construída no século XIX, pela historiografia emergente da Convenção de Évora-Monte, quase toda ela Liberal e Maçónica, e que se prolongou pela I República, da qual também saiu ferido o infeliz rei D. João VI, cuja figura está a ser lenta e justamente recuperada.
Não nos fica bem trata deste modo o jovem Rei-menino, que parece, afinal, ter morrido velho… Em primeiro lugar porque a jornada de África, sendo discutível, não era desprovida de nexo estratégico. Não acreditamos que se tratasse de ocupar todo o Marrocos – para o que, sozinhos, nunca disporíamos de forças suficientes – mas sim de jogar em apoios que permitissem deter o Império Otomano em rápida expansão nos Balcãs e no Norte de África. [...] Recorde-se que os Turcos só foram parados às portas de Viena em 1529 e, mais tarde, em 1683.
[...] Acresce a tudo isto o constante perigo que representava para a navegação cristã (e para as populações do litoral) a pirataria Berbere e também a “concorrência”espanhola, que cada vez intervinha mais no litoral norte africano, desde Carlos V, como são exemplos os ataques a Tunis e Argel, onde também participaram fortes esquadras portuguesas.
No Reino também se assistiu a uma mudança de política, relativamente à ideia de abandono de praças em Marrocos, posta em prática no reinado de D. João III, sobretudo após as Cortes de 1562 e da extraordinária defesa ao formidável cerco que os Mouros puseram a Mazagão, nesse mesmo ano.
A situação política em Marrocos era, outrossim, favorável: havia guerra civil e um dos principais contentores aceitou fazer uma aliança com Portugal.
É certo que o monarca português cometeu erros, sendo o maior de todos, o de se colocar à testa do Exército sem ter assegurado descendência – embora tal se devesse, em muito, à pressão dos acontecimentos.
[...] Sem embargo, Sebastião não nos desmereceu: começou por preparar a campanha com antecedência, para o que reformou toda a legislação militar, incluindo a primeira concepção moderna de serviço militar obrigatório. Depois, combateu bem e com denodo. Deu o exemplo, e pagou com a vida ou com o desterro – e tudo indica que foi esta última hipótese que ocorreu [...]. Dele disse o grande Mouzinho, na sua esplêndida carta ao Príncipe D. Luís Filipe: “…mas a morte de valente, expiatória e heróica, redime os maiores erros. Bem merece ele o nome de soldado…”
O desfecho da batalha pode não redimir totalmente a figura do jovem Rei, mas salvou para sempre a sua imagem. De tal modo que se entranhou no imaginário nacional um peculiaríssimo estado de alma – à revelia de toda a racionalidade – e que só os portugueses entendem: o “sebastianismo”, essa saudade das glórias passadas, misturado com a esperança da redenção do porvir.
Deve ainda ter-se em conta que não foi por D. Sebastião ter sido derrotado em Alcácer Quibir, que Filipe II se apoderou da coroa portuguesa – a nossa Marinha, por ex., ficou intacta: foi pelo caquectismo e pusilanimidade do velho Cardeal D. Henrique e porque a maioria do alto clero e da alta nobreza se deixou seduzir e corromper pelos ideais iberistas e pela prata de Sevilha! Uma lição de que nos deveríamos lembrar hoje, todos os dias…
Em síntese, apesar da sua pouca idade em Alcácer-Quibir (24 anos) D. Sebastião não nos deixou ficar mal, não fugiu, não desertou do combate, não traiu. Deu o exemplo, pôs-se à frente das tropas, combateu com bravura, não desmereceu dos seus maiores, não envergonhou a nobreza, o clero e o povo. Sebastião agiu de boa mente e com boas intenções.
Não era um “louco”ou um doente com deformações, como quiseram fazer crer. O seu reinado tinha sido um bom reinado: ocorreu um número elevado de vitórias militares, em três continentes; estabeleceram-se muitas medidas para o saneamento da economia e finanças e até da moral e dos costumes. O próprio Rei se interessou pessoalmente pela administração da Justiça.
Ao contrário do que também quiseram fazer crer, o jovem Rei não era incapaz de conceber e não se opôs a casar-se. Opôs-se sim, a casar com quem lhe destinavam e nos moldes em que o propunham.
[...] O “Desejado”passou, desde o seu desaparecimento, a representar a esperança da redenção da Pátria, de tal modo que o povo se recusou sempre a acreditar, contra tudo e contra todos, na sua morte.
A sua figura foi um pilar fundamental da resistência à usurpação filipina e inspiradora da Restauração da Independência. Foi um sustentáculo da Fé e da coesão, foi a luz que nunca se extinguiu no fim da esperança “da Lusitana antiga liberdade”, no dizer de Camões.
D. Sebastião nunca morreu entre nós, esteve sempre presente na mente do povo e dos grandes portugueses, nas artes e na literatura. É um ícone do nosso imaginário!
De facto, a acreditar no que D. Sebastião representa, é conseguir ultrapassar-nos a nós próprios.
O elmo de combate, em boa hora recuperado e que hoje está entre nós [...], é o que nos resta d’ Ele, é um símbolo d’ Ele, é uma imagem que podemos recriar d’ Ele. (*)
Hoje D. Sebastião, o seu espírito e o que ele representa, é-nos mais necessário do que nunca.
[...] Para isso nada melhor para nos inspirar do que a figura do Rei-menino que quis a glória da terra que lhe deu o berço. O seu elmo de batalha aí está a significar a sua intemporalidade e transcendência. Ele nos fará correr mais rápido o sangue nas veias, de modo a que nos disponhamos a enfrentar quaisquer perigos.
Com ele se levantará a altaneira “raça” portuguesa e não haverá Adamastor que nos detenha.
D. Sebastião está, pois, vivo entre nós; o que ele representa está vivo, viva então em nós o “Desejado”!
[...] Arraial, Arraial, por Portugal!
Excertos do artigo publicado em 7-8-2011: http://novoadamastor.blogspot.pt/. Os destaques gráficos são da responsabilidade da nossa Redacção.
(*) Cfr. Rainer Daehnhardt (foto), “Dom Sebastião, o Elmo e Alcácer-Quibir” , Apeiron Edições, Agosto 2011, 237 págs., ISBN: 978-9898447-17-3
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