quinta-feira, 28 de novembro de 2019

Os portugueses tiraram a fome e curaram os corpos no Brasil e em África

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Para lá de devaneios românticos, imprestáveis para o conhecimento objectivo e científico da História e da Antropologia, o que realmente importa mensurar e avaliar na relação entre Portugal e o mundo que o português criou juntamente com os povos que no processo dialéctico se constituíram em Portugalidade - nas suas dimensões física e territorial, institucional e política, económica e tecnológica, espiritual e cultural - é o facto de tal processo, longo de meio milénio, se ter saldado por um grande triunfo.

Ora, expliquemo-nos.

Usando a terminologia de Claude Lévi-Strauss, a "sociedades frias" (isto é, privadas do conhecimento de si mesmas, e até desconhecedoras do mundo para além dos seus pequenos mundos), sucederam "sociedades quentes" (isto é, conscientes de si e da diversidade do mundo); logo, com a percepção dinâmica que permite superar limitações, vencer desafios e fazer escolhas entre futuros.

O que era o Brasil em 1500? Para cada uma das 350 tribos que povoavam a imensa superfície brasileira e se desconheciam entre si, o mundo era o rio de onde tiravam o peixe, a cadeia montanhosa que todos viam como barreira e limite da existência, a praia de mar banhada pelo oceano que pensavam ser infinito. Transpondo o Oceano, a mesma questão se coloca às então sociedades frias e ágrafas (privadas de escrita) da costa ocidental de África. Em ambas as margens, não havia o Bom Selvagem, nem a abundância que os Iluministas imaginaram no século XVIII. Ali, a existência era curta e violenta, inapelavelmente submetida a uma luta sem quartel pela caça e pelas terras de cultivo. Hoje, graças ao notável desenvolvimento da historiografia sobre a África e a América pré-colombiana, afastado o sonho de uma era dourada que jamais existiu, tomamos consciência da importância decisiva do encontro ente o Ocidente e os mundos ameríndio e africano ocidental.

Onde antes toda a energia de homens, mulheres, crianças e idosos estava consagrada a satisfazer a necessidade primária de alimento, mercê da agricultura extensiva e do recurso à caça, passou a haver agricultura intensiva e, logo, agricultura industrial com capacidade para aprovisionamento e exportação.

Onde antes o alimento era escasso e quantas vezes insuficiente para debelar a fome endémica ou fornecer os nutrientes necessários a impedir a propagação de doenças, deu-se a introdução da actual base alimentar dos povos americanos e africanos. Bom seria lembrar que os portugueses levaram ao Brasil a galinha, o pato, o carneiro, a vaca, a ovelha, mas também a banana, a laranja, o coco, a cana de açúcar, como importante seria lembrar que a dieta africana foi revolucionada pela introdução pelos portugueses do milho (que destronou o sorgo), mas, sobretudo, pela aclimatação do gado, graças à capacidade em erradicar pela veterinária as patologias locais endémicas.

Onde antes a duração média de vida dos ameríndios e africanos não excederia os 25-30 anos de idade e a mortalidade causada directamente pelas chamadas doenças tropicais reclamava um pesado tributo, os portugueses introduziram a quinina - a planta que matava a febre - e lentamente fizeram aplicar as regras cautelares que impediam as febres sezonais; mais, foi graças à medicina tropical que os africanos passaram a saber fazer o diagnóstico e o tratamento de doenças até aí incuráveis como o dengue, a cólera, a turberculose, a lepra, as chagas, a cegueira das nascentes e a doença do sono.

Desconfiemos, pois, sempre, de quantos desconhecem ou evitam pôr de relevo os indiscutíveis benefícios levados pelos portugueses. Uma relação adulta e racional com a História não se compraz com leituras reducionistas e limitadas.

MCB


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