“Por isso a Índia há-de acabar em fumo
Nesses doirados paços de Lisboa.
Por isso a Pátria há-de perder o rumo
Das muralhas de Goa”.
Miguel Torga
(In, “Afonso de Albuquerque”, Poemas Ibéricos).
O ocorrido em 25 de Abril de 1974, para ser bem compreendido, deve ser dividido no “antes”, no “durante” e no “depois”. O “antes” é saber se o golpe se justificava; o “durante”, decorre do que se passou entre esta data e o 25 de Novembro de 1975 (que se prolongou até 1982) e o “depois”, vai para além dessa data. Tudo isto nunca foi devidamente analisado e o que está na “verdade oficial”, deixa tudo a desejar.
Ora, o “antes” não justifica de modo algum o Golpe de Estado. Porquê? Porque o Governo era legítimo (não vou agora explicar porquê) e defendia patrioticamente a Independência Nacional e a segurança e identidade das populações. Não era tirano nem déspota, tão pouco cometeu, salvo raríssimas excepções, atentados à lei e moral pública. E se perseguiu comunistas, foi porque o PCP nunca foi um partido português, mas sim uma correia de transmissão do PCUS (Partido Comunista da União Soviética), portador de uma ideologia e prática, sanguinária e totalitária, que causou incontáveis desgraças nos povos onde foi aplicado. O país não era rico (e pelos vistos ainda bem) mas era poupado e vivia de vida própria, com uma economia sempre a crescer sustentadamente, tanto na “Metrópole” como nos territórios ultramarinos (não nas “colónias”); as finanças eram saudáveis e o escudo era a sexta moeda mais forte do mundo. Não havia desemprego (apesar da emigração dos últimos anos), o país não estava em inverno demográfico; havia princípios, moral e ética; a sociedade portuguesa era poupada a escândalos públicos diários (e não era por haver censura – apesar de ser mais branda que a actual) e havia paz e segurança nas ruas – enfim salvo uns atentados pontuais efectuadas por duas ou três minúsculas organizações “filantrópicas”, cujos membros foram amplamente recompensados, mais tarde, com tenças, tachos e “Ordens da Liberdade”.
Tudo isto se passando, estando o país em guerra (enfim, uma guerra de guerrilha, de baixa intensidade, misturada com operações de soberania e promoção social de populações), em três teatros de operações activos que empenhavam 130.000 homens (metade dos quais do recrutamento local), dos 230.000 homens em pé de guerra que chegámos a ter, espalhados por quatro continentes e quatro oceanos, separados em muitos casos por milhares de quilómetros!
Depois de termos sofrido a dolorosa perda do Estado da Índia, às mãos de uma miserável invasão perpetrada pela União Indiana e com uma derrota mal sofrida e pouco gloriosa (em 1961), mas estando longe de estar em perigo de sermos vencidos, nas frentes em que lutávamos (e eram muitas), onde o País se estava a portar muito bem.
E até ao fim os principais cargos políticos foram sempre ocupados maioritariamente, por gente séria, capaz e patriota, que é o que faz toda a diferença.
Os Partidos Políticos não estavam proibidos, mas estavam ausentes e as “associações secretas”, estavam essas sim, proibidas. Outro bem inestimável.
Por isso não havia razão alguma para que, nas Forças Armadas (FA) – sempre valorizadas pelos poderes políticos e com as suas capacidades sempre reforçadas desde as reformas de 1931, 1937, 1952 e 1958 - ademais maioritariamente conservadoras, firmadas em sãos princípios, quisessem intervir na vida política. Teve que haver algo que desequilibrou o “status quo”. E tal deveu-se à míngua do recrutamento de cidadãos para os quadros permanentes da Marinha e sobretudo do Exército e Força Aérea, o que não permitia enquadrar devidamente os cada vez maiores contingentes militares em operações. Existem dados objectivos que permitem confirmar tudo isto.
O Governo nunca conseguiu resolver este problema e cometeu o erro de, em desespero de causa, produzir legislação que ia prejudicar objectivamente os oficiais do quadro permanente mais novos (sobretudo no Exército), na sua carreira. E nisto assistia toda a razão aos descontentes, sobretudo ainda se tivermos em conta que o ónus da guerra - que tinha que ser suportada por toda a Nação - passou a cair desmesuradamente em cima dos oficiais e sargentos do quadro permanente. E estes também não se podiam queixar da duração da guerra (embora seja humano fazê-lo), pois por definição, o ofício que abraçaram, voluntariamente, poder implicar que tivessem de combater desde que se formassem até que se reformassem.
De resto não foram os oficiais mais antigos (os sargentos nada tiveram a ver com o 25 de Abril, também é bom que se diga), mas sim os mais novos - até às primeiras promoções de majores) pois eram sobretudo estes que saíam prejudicados. A maioria deles só tinha uma comissão enquanto havia muitos oficiais antigos que coleccionaram quatro...1
Mas uma outra questão se deve equacionar: esta injustiça (foi mais uma inabilidade) era de molde a justificar um golpe de estado? A pôr em causa a luta que se estava a travar e era justa - é bom que finalmente se assuma isto, pois é de primordial importância e explica muito do que se passou até hoje!
Tendo ainda em conta que não se vislumbra nenhuma má intenção na acção do governo, nas sucessivas medidas erradas que tomaram (o problema começou com a chamada questão dos “milicianos”, e nunca foi resolvida), mas sim uma tentativa desastrada de resolver um problema capital?
Não cremos que se justificasse e tudo o que ocorreu a seguir é a sua prova, mais provada. Apenas acresce juntar uma coisa mais que concorreu para o desfecho havido: o Governo e a hierarquia militar nunca promoveram uma formação doutrinária adequada ao que se estava a passar, aos cadetes na Academia Militar e Escola Naval e aí por diante. Isto é, havia muitas lacunas em termos de conhecimentos sobre política, ciências sociais, etc., para a completa formação de um oficial. Mesmo a Estratégica e a Geopolítica só eram abordadas, praticamente, ao nível de preparação para oficial general. Ou seja, os militares do quadro permanente estavam mal apetrechados para fazerem face à dialéctica subversiva ou simplesmente às diferentes dinâmicas políticas e sociais que iam pelo mundo. E quando os militares do Quadro, nomeadamente a nível dos capitães e subalternos tiveram que comandar oficias subalternos oriundos das universidades (onde passou a haver grande actividade política), sobretudo a partir de 1969, eram alvos fáceis para serem desmoralizados.
Em síntese não lobrigamos qualquer razão ponderosa para que o Movimento das Forças Armadas a não ser movido por uma dinâmica de raiva e falta de ponderação, de psicologia das massas, ou por influência de cobardes ou traidores que apoiassem os movimentos subversivos, tivesse passado de uma reivindicação colectiva de reposição de justiça e do que era devido, para a decisão de deitar abaixo o governo.
As virtudes da Descolonização; a “liberdade”, a “democracia”, os “excessos da Ditadura”, o “Fascismo” (que aliás, nunca existiu), etc., são tudo falácias inventadas depois, para justificar o que não teve retorno e a “bondade” da causa e do ocorrido.
Ainda hoje estas mentiras grosseiras se mantêm constituindo, agora, um monumental embuste de Estado.
João José Brandão Ferreira
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