quarta-feira, 28 de junho de 2023

A verdade sobre o "Caso Galileu"

 


Adoptando o sistema coperniciano, Galileu foi mais adiante, acrescentando-lhe outras doutrinas.

«O ar – diz ele nos seus Diálogos – como corpo desligado e fluído, pouco solidamente unido à Terra, não parece estar na necessidade de obedecer ao movimento dela, ao menos enquanto as rugosidades da superfície terrestre o não arrastam, e levam consigo uma porção que lhe está contígua, e que não excede muito aos mais altos cumes dos montes; a qual porção de ar deverá opor tanto menos resistência à revolução terrestre quanto está cheia de vapor, fumo e exalações, matérias todas que participam das qualidades da Terra, e por conseguinte adaptadas aos seus próprios movimentos».

Depois, enquanto à explicação do fluxo e refluxo do mar, Galileu atribui-o à rotação da Terra, e não à pressão [=gravidade] da Lua, como Kepler, do qual zomba amargamente.

Todo este sistema de Copérnico, reformado e ampliado, Galileu podia ensiná-lo hipoteticamente, o que ninguém lhe teria contestado; mas quis dogmatizá-lo, fundando-o na Bíblia. Não se contentou com ser astrónomo, quis também ser teólogo.

«Ele exigiu – diz Guichardino, seu amigo e embaixador em Roma, no seu ofício de 4 de Março de 1616 – que o Papa e o Santo Ofício declarassem este sistema de Copérnico fundado na Bíblia».

Escrevendo à Duquesa de Toscana, Galileu esforça-se por prová-lo teologicamente e mostrar que é tirado do Génesis.

Ora aí está o que Roma condenou, essa insistência em querer dogmatizar um ponto da ciência falível e controversa.

Hoje a doutrina de Galileu é em parte demonstrada falsa por Newton, Bacon e Laplace. Este último diz na sua exposição do sistema do mundo, a respeito das marés: «As descobertas ulteriores confirmam a exposição de Kepler e destruíram a explicação de Galileu, que repugna às leis do equilíbrio do movimento dos fluídos».

E se Roma houvesse condescendido com a vontade de Galileu, dogmatizando aquele sistema, reconhecido hoje como falso em grande parte, que diriam os seus inimigos?

Diriam que Roma se opunha ao progresso das luzes, mistificando a ciência.

Como, porém, ela manteve à razão, os seus legítimos direitos, acusam-na de perseguir Galileu!

Sempre a mesma justiça.

Mas a respeito dos cárceres, dos maus-tratos, das cadeias, com que foi mimoseada a vítima do Santo Ofício?

Tudo isso é falso, e vamos às provas.

Lê-se no Mercúrio de 17 de Junho de 1784, nº 29: «Cita-se Galileu, condenado e perseguido pelo Santo Ofício, por haver ensinado o movimento da Terra sobre si mesma. Felizmente está hoje provado, pelas cartas de Guichardino, e do Marquês Nicolini, embaixador de Florença, ambos amigos, discípulos e protectores de Galileu, que há um século se mente ao público sobre este facto. Este filósofo não foi perseguido como bom astrónomo; mas como mau teólogo, por ter querido meter-se a explicar a Bíblia. As suas descobertas suscitaram-lhe por certo inimigos invejosos, porém foi a sua teima em querer conciliar a Bíblia com Copérnico que lhe deu juízes, e só a sua petulância foi causa das suas aflições. Foi metido, não nas prisões da Inquisição, mas no aposento do Fiscal, com plena liberdade de comunicar para fora. Na sua defesa não se tratou da essência do seu sistema, senão da sua pretendida conciliação com a Bíblia. Depois de dada a sentença e exigida a retractação, Galileu foi senhor de voltar a Florença. Devem-se estas informações a um protestante, Mallet Dupan, que, apoiado em documentos originais, vingou a Cúria Romana».

Assim Galileu não foi obrigado a abjurar o movimento da Terra, que Roma já tinha admitido como hipótese; mas a prometer que dali em diante trataria só do que competia a um astrónomo, e deixaria à Igreja a interpretação da Escritura, e portanto não havia lugar para exclamações: não esteve nos cárceres da Inquisição; mas habitou no próprio quarto do Fiscal: não houve maus-tratos, mas foi tratado com todas as atenções.

Diz Nicolini nas suas Cartas que Galileu, chamado de Florença, chegou a Roma a 15 de Fevereiro de 1633 e hospedou-se em sua casa. No mês de Abril pôs-se à disposição do Santo Ofício, «que o recebeu – acrescenta ele – o mais benevolamente e lhe assinou para morada a própria câmara do Fiscal do tribunal. Permitiu-se que o meu criado o sirva e durma ao seu lado, e que os meus servos lhe levem de comer ao seu quarto e voltem para minha casa de manhã e à noite».

Mas quereis ainda um testemunho mais concludente?

Seria sem dúvida o do próprio Galileu, não é verdade?

Pois bem, será a própria suposta vítima do fanatismo clerical que virá depor contra os caluniadores de Roma.

Numa carta ao Padre Receneri, seu discípulo [de astronomia], na colecção publicada em Modena, em 1818 e 1821, diz Galileu: «O Papa julgou-me digno da sua estima: fui alojado no delicioso palácio da Trindade dos Montes. Quando cheguei ao Santo Ofício, dois dominicanos me convidaram mui cortesmente a fazer a minha apologia. Para me castigarem, proibiram os meus Diálogos e despediram-me depois de cinco meses de assistência em Roma. Como a peste reinava em Florença, assinaram-me para morada o palácio do meu melhor amigo, Mons. Piccolomini, Arcebispo de Siena, onde gozei de plena tranquilidade. Hoje estou na minha aldeia de Arcetri, onde respiro um ar puro ao pé da minha cara pátria».
Aí está patente a calúnia. Contudo, não o duvideis, nem por isso deixará de ser repetida todas as vezes que for conveniente apresentar a Igreja sob feias cores.

João Joaquim de Almeida Braga in «O Prestígio das Palavras», 1860


Fonte: Veritatis

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