segunda-feira, 10 de novembro de 2025

Uma declaração de desvoto

Nos próximos meses a contenda vai agitar-se, a cadeira de Chefe de Estado está a vagar e há que lá sentar uma personalidade nacional que satisfaça uma significativa proporção de portugueses, capazes de o exibir na lapela. A expectativa do regime, uma ilusão benigna, é que no final da contenda todos se sintam representados por essa figura. Evidentemente que tal ensejo é irrealizável, mas todos nos conformámos com o circo. No dia seguinte ás eleições, os eleitores assistirão a um processo de erosão, de desmistificação do eleito, fenómeno que, basta consultar os jornais, se repete inexoravelmente desde o início desta terceira república. Os crachás cairão das lapelas dos adeptos, mesmo dos mais fervorosos, como folhas secas no outono. A questão está no facto das pessoas terem memória curta e por isso não discernirem que o problema não está no malabarista que ocasionalmente é inquilino de Belém, mas na arquitectura retorcida e ineficaz do regime de Chefe de Estado que nos coube em azar. Todos saberão o que eu penso do assunto, não nos detenhamos nisso.

A relativa novidade da eleição que se avizinha, é a excepcional partidarização e consequente atomização dos profusos candidatos que se propõem ir a votos. Da esquerda extrema à direita trauliteira temos protagonistas para várias sensibilidades partidárias, sendo naturalmente o centro do bolo a fatia mais cobiçada. O sectarismo das candidaturas é, no entanto, indisfarçável, facto que, tendo em conta o papel que cabe a um Chefe de Estado, de representar toda uma Nação, não deixa de ser estranho. Se não vejamos: Marques Mendes foi o candidato presidencial anunciado no congresso do PSD, e prepara-se para receber o apoio do CDS, ou seja, será o candidato da AD. Mesmo que sem apoio unânime, António José Seguro, destacado militante socialista, obteve a anuência do seu partido para tentar finalmente reconquistar o Palácio de Belém para a esquerda, de lá apeada há 20 anos. André Ventura candidata-se para aumentar a base de apoio do Chega, fazer tanto barulho quanto possível, perorar contra os ciganos e contra os imigrantes – entretenimento puro para o comentariado e para os debates. Em termos de espalhafato só lhe faria frente a Joana Amaral Dias que, no entanto, não goza de grande simpatia nos Media. A Catarina Martins caberá a ingrata tarefa de levantar as bandeiras do Hamas, das minorias LGBT, e as franjas esquerdistas do PS, entre outras micro-causas, sempre contra o "patriarcalismo reaccionário". Imaginem a mensagem de Ano Novo da presidenta Catarina Martins se ganhasse as eleições. Mais abrangente será o discurso de Cotrim de Figueiredo, mais um a disputar o centro a Marques Mendes, e a fincar o seu partido na agenda das presidenciais. Admirável é a fidelidade dos comunistas ao seu eleitorado em vias de extinção, no boletim constará orgulhoso António Filipe que se sacrifica a correr para Belém.

Desenganem-se aqueles que, por eu ser um conservador, pensam que tenho alguma predilecção por militares, fardas ou patentes. Como a história dos últimos duzentos anos nos reclama dos livros, foram mais as vezes que as suas intromissões na política deram asneira do que o contrário. Escuso de listar aqui uma interminável lista de sinistras personagens fardadas que nos fadaram a este triste destino. Não é por isso que nutro alguma simpatia pelo Almirante Gouveia e Melo, cuja candidatura emerge fora dos partidos. Se os partidos são importantes numa democracia liberal, parece-me redutor que tudo se tenha de cingir a eles e às facções que representam na vida pública. E se, na lógica “republicana”, faz sentido o presidente emergir das facções em litígio, também deveria ser natural que a sua eleição obedecesse a outra ordem de razões – nem sempre, nem nunca.

O campeonato das presidenciais definitivamente não é para mim que disso sou objector de consciência, mas entristece-me ver tanto preconceito contra o único candidato apartidário.

João Távora


Fonte: Real Associação de Lisboa

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