Aos 89 anos, a rainha vai bater o recorde da tetravó Vitória do reinado mais longo. Abdicar não estará nos seus planos.
Prestes a bater, já na quarta-feira dia 9, o recorde da tetravó, a rainha Vitória, do reinado mais longo no Reino Unido - uns impressionantes 63 anos e 217 dias -, Isabel II parece disposta a provar que tinha razão quando afirmou que ser rainha de Inglaterra é "um trabalho como outro qualquer, um trabalho para a vida". Talvez por isso poucos acreditem que esteja a pensar seguir o exemplo de outros monarcas europeus e abdicar a favor do filho.
Nesse dia, nada de festejos. Na agenda de Isabel II, de 89 anos, está prevista uma deslocação a Edimburgo, na Escócia, onde vai inaugurar uma linha de caminho-de-ferro com o marido, o príncipe Filipe. E se admite, segundo fontes próximas citadas pelo Daily Mail, fazer um brinde durante um jantar em família no Castelo de Balmoral, a rainha prefere concentrar-se nas celebrações dos seus 90 anos, que, essas sim, prometem mobilizar todos os britânicos, em Junho de 2016.
É assim a mulher que subiu ao trono a 6 de Fevereiro de 1952, por morte do pai, Jorge VI, mesmo se a coroação só teve lugar a 2 de Junho do ano seguinte. "Isabel II é consistente. É honesta. É tímida e não gosta de confrontos. Tem a personalidade perfeita para uma monarca constitucional", explicou ao DN o biógrafo real Paul Lacey. O autor de livros como Majesty ou Monarch, Life and Reign of Elizabeth II está convencido de que Isabel II "nunca vai abdicar enquanto o marido for vivo". Mas admite que "uma vez viúva, e se se sentir incapacitada de alguma forma, pode concluir que o seu dever é entregar o poder ao filho".
Com o marido, o príncipe Filipe, na Grande Muralha da China, em 1986
A verdade é que Isabel chegou ao trono por acaso. Quando nasceu, a 21 de Abril de 1926 em Londres, era a terceira na linha de sucessão, depois do tio e do pai. Mas nada indicava que um dia viesse a reinar. Depois de uma infância tranquila, tudo mudou em 1936 quando o avô, o rei Jorge VI, morreu e o filho mais velho subiu ao trono como Eduardo VIII. Mas o ano ainda não chegara ao fim quando este abdicou para se casar com a divorciada americana Wallis Simpson. Foi assim que, num dia de maio de 1937, Isabel, de 10 anos, e a irmã Margarida, de 6, assistiram à coroação dos pais na Abadia de Westminster.
Mecânica durante a guerra
Para a pequena Isabel acabou-se a tranquilidade. Como herdeira do trono teve aulas - em casa, como a irmã - de História Constitucional e de Direito. Com as governantas francesas aprendeu a língua que ainda hoje domina, ao contrário do alemão, que não fala apesar de ser falada por parte de uma família real que em 1917 trocou o demasiado germânico Saxe-Coburgo Gotha pelo apelido Windsor. Nadadora premiada e música exímia, Isabel tinha 13 anos quando começou a II Guerra Mundial. No ano seguinte, os pais, preocupados com a segurança das filhas, enviaram-nas para o Castelo de Windsor, enquanto eles insistiam em ficar em Londres, dando apoio às populações vítimas dos bombardeamentos da Alemanha nazi.
Mas mal fez 18 anos alistou-se no Auxiliary Territorial Service, o ramo feminino do exército britânico. Aí aprendeu a mudar pneus, concertar motores e conduzir ambulâncias. E foi de uniforme que apareceu, ao lado dos pais e do primeiro-ministro Winston Churchill, na varanda do Palácio de Buckingham para celebrar o fim da guerra. Naquele 8 de Maio de 1945, Isabel e a irmã conseguiram autorização do rei para se juntarem à festa do povo - mesmo vigiadas de longe por alguns guardas do palácio.
Quando fez 18 anos, Isabel alistou-se no exército e recebeu treino como mecânica
Este "sentimento de dever e serviço" para com o Reino Unido são um dos traços de carácter que Gilberto Ferraz destaca em Isabel II. A viver em Londres há mais de meio século, o antigo jornalista português na BBC lembra como a rainha herdou "a têmpera" da mãe, Isabel Bowes-Lyon, a eterna rainha mãe, que morreu em 2002, pouco antes de completar 102 anos. Longevidade que Isabel II também terá herdado.
Ganhar a coroa, perder o império
A princesa Isabel estava de visita ao Quénia com o marido a 6 de Fevereiro de 1952, quando recebeu a notícia da morte do pai. Aos 25 anos tornava-se rainha. A coroação teria lugar no ano seguinte numa cerimónia que foi a primeira transmissão em directo na televisão britânica. A imagem da jovem e bela Isabel II a receber a coroa na Abadia de Westminster entrou pela casa de centenas de milhares de britânicos, lançando uma relação de proximidade entre monarca e súbditos.
Sempre evitando comentar questões políticas - mesmo se é ela que todos os anos lê o programa do governo escrito pelo primeiro-ministro (e já conheceu 12!) no Discurso do Trono -, Isabel II soube tornar-se figura de referência para os britânicos. De jovem mãe de quatro filhos a avó de oito netos e bisavó de cinco, a monarca criou uma família sempre ao lado de Filipe Mountbatten, filho de um príncipe grego e ele também descendente da rainha Vitória. Dado a gafes, o príncipe consorte mantém-se há quase sete décadas como o pilar de Isabel II.
Foi juntos que fizeram muitas das 265 visitas oficiais (a 116 países, entre eles Portugal, onde esteve pela primeira vez em 1957) que a rainha realizou no seu longo reinado. E nem precisou de passaporte, afinal todos os passaportes britânicos são emitidos em nome de Sua Majestade, logo, a própria não precisa do documento de identificação quando se desloca ao estrangeiro. Apesar de o Reino Unido já ter perdido a Índia, jóia da coroa do império, quando subiu ao trono, e de hoje pouco mais restarem do que migalhas desse domínio colonial britânico, Isabel II é ainda rainha de 16 dos 53 países da Commonwealth, como, por exemplo, Canadá ou Austrália.
"A rainha tem sido toda a sua vida um exemplo de perenidade das virtudes da monarquia. Tem conseguido servir o povo inglês e os povos das numerosas nações da Commonwealth, colaborando com os governos de todas as tendências políticas com total isenção e apoio. Para além da missão política, é o símbolo da continuidade e unidade entre estes povos e, muito particularmente, entre os povos do Reino Unido", afirmou D. Duarte Pio ao DN. O duque de Bragança, herdeiro do trono português, garantiu ainda que "a imagem da monarquia tem sido reforçada ao longo dos anos do seu reinado, mesmo com alguns problemas de natureza familiar".
Annus horribilis
Com a sua opinião sobre os grandes assuntos que marcaram o seu reinado a manter-se um mistério - nunca deu uma entrevista e muito do que se sabe sobre as suas opiniões é através dos comentários de terceiros -, é talvez cedo para se saber se haverá uma era isabelina como houve uma era vitoriana.
Mas certo é que será impossível recordar o reinado da 40.ª monarca de Inglaterra sem falar do ano 1992. No annus horribilis, como a própria Isabel II o definiu, a rainha teve de lidar com o fim dos casamentos de três dos quatro filhos - Ana, André e Carlos. E com os detalhes escandalosos que os tablóides britânicos não se cansaram de publicar sobre o assunto. E até o Castelo de Windsor foi parcialmente destruído por um incêndio, gerando-se depois uma controvérsia sobre o recurso a fundos públicos para as obras de recuperação.
A Rainha após o incêndio que destruiu parte do Castelo de Windsor
A morte da princesa Diana, a 31 de Agosto de 1997 num acidente de automóvel em Paris quando era perseguida por paparazzi, foi talvez o culminar deste período negro do reinado de Isabel II. Perante uma nação em choque com a morte da Princesa do Povo, como era conhecida a ex-mulher do príncipe Carlos, a rainha teve de regressar da Escócia, onde estava de férias, para se dirigir aos súbditos.
Nos anos seguintes, a monarquia britânica desenvolveu uma sofisticada operação de sedução junto dos media para recuperar a sua imagem. Mas foi a nova geração - sobretudo os príncipes Harry e William, filhos de Diana e de Carlos - que conseguiu devolver a popularidade à família real. "O casamento de William e da plebeia Kate Middleton constituiu uma mais-valia para o prestígio da monarquia", garante Gilberto Ferraz. E o entusiasmo em torno do nascimento dos filhos de ambos, George e Charlotte, parece provar que a monarquia nunca foi tão popular. Um milhão de pessoas juntaram-se nas ruas de Londres no dia do casamento dos duques de Cambridge. E, se a Forbes estimava em 2011 que a fortuna pessoal de Isabel II ronde os 450 milhões de euros, a monarquia rende anualmente 680 milhões só em turismo.
A popularidade de William é tal que muitos o vêem já rei. Mas a verdade é que cabe a Carlos suceder à mãe. Um papel para o qual se preparou toda a vida, tendo-se tornado, já em 2011, o herdeiro do trono há mais tempo à espera da sua hora de reinar. No ano seguinte, o príncipe de Gales, hoje com 66 anos, admitia: "Estou a ficar sem tempo." E, se aos 89 anos Isabel II continua a mostrar uma vitalidade inegável - mesmo tendo passado algumas responsabilidades para o filho -, quando (se?) chegar a sua hora de reinar Carlos será sem dúvida "um rei mais interventivo do que a mãe. Vai defender as causas não políticas em que acredita", afirma Robert Lacey.
Fonte: DN
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