Os democratas com ideais humanistas podem confiar nos partidos do centro quando o que agora é governo se aliou à extrema-esquerda, e o líder da oposição foi cúmplice na aprovação de leis antinaturais?
No passado dia 13 de Maio, o parlamento, para festejar o 99º aniversário da primeira aparição mariana em Fátima, aprovou dois projectos de lei provocatoriamente anticristãos: o que autoriza a gestação de substituição, vulgo ‘barrigas de aluguer’; e o que permite, a todas as mulheres, o acesso à procriação medicamente assistida. Só se se acreditar nas agoirentas premonições que os supersticiosos associam à data, se logra explicar a dupla maldição que, naquela sexta-feira 13, se abateu sobre Portugal.
As principais vítimas são, como sempre, as crianças que, a partir de agora, poderão ser concebidas numa ‘barriga de aluguer’, ou obrigadas a coabitar só com a mãe – outra mulher nunca será sua mãe, porque mãe há só uma – e sem pai, ao contrário do que é natural e necessário para o seu saudável desenvolvimento psíquico e emocional.
Não é de estranhar que as ‘barrigas de aluguer’ tenham sido aprovadas com os votos do partido que, embora tendo perdido, por poucochinho, as eleições legislativas, é governo, e com os votos da extrema-esquerda, com excepção dos comunistas – honra lhes seja feita. Mas é lamentável que essa medida tenha contado também com 24 votos, entre os quais os do presidente e de vários vice-presidentes, do partido que ganhou, por poucochinho, as eleições, mas está na oposição. É verdade que o seu grupo parlamentar lhes dera liberdade de voto, mas com a indicação óbvia de reprovarem ambas propostas.
Quanto à procriação medicamente assistida, a contribuição do mesmo partido foi também decisiva para a sua aprovação: 16 votos. Desta vez – vá lá! – o presidente do partido seguiu a orientação do seu grupo parlamentar e não votou a favor, mas não assim alguns vice-presidentes, que votaram com o partido do governo e a extrema-esquerda.
Não é a primeira vez que o maior partido nacional age deste modo incoerente e irresponsável, em termos políticos e éticos, em relação às ‘causas fracturantes’, que o são porque, efectivamente, fracturam as famílias, os partidos (que não em vão o são) e o país. O mesmo tinha acontecido quando, já nesta legislatura, a maioria de esquerda aboliu as taxas moderadoras do aborto e aprovou a co-adopção por uniões do mesmo sexo.
O esquema é sempre o mesmo: alguém avança com uma questão fracturante, invariavelmente apresentada como sendo de inadiável urgência, e o maior partido esconde-se atrás do ‘nim’. Ou seja: faz que sim – como agora, com as barrigas de aluguer – mas diz que não, como disse a direcção do grupo parlamentar.
Mas, para que serve um partido que não toma partido?! Para que serve a oposição, se não faz oposição?! Para que serve a direcção do grupo parlamentar, se o presidente e vice-presidentes do partido são os primeiros a não seguirem as suas indicações?! Se cada deputado vota como lhe dá na real gana, quem defende os mais pobres e necessitados, como são, em ambos os casos, as crianças condenadas a ser inquilinas de uma barriga de aluguer, ou a não ter pai?! Como pode não ficar defraudado quem votou no partido para que seja governo ou, pelo menos, oposição, se afinal não é uma coisa nem a outra?!
É escandalosa a demissão do principal partido político em relação às questões éticas. De facto, quando o tema é politicamente relevante para o partido – pense-se numa moção de confiança ou de censura ao governo, ou na votação do orçamento geral do Estado – não tem qualquer escrúpulo em impor a férrea disciplina de voto, sob a ameaça de um processo disciplinar que pode levar à expulsão. Só se concede liberdade de voto quando a questão é, para a lógica partidária, menor. Isto é como quem diz: nas coisas importantes, o partido decide; mas, no resto, cada um faça o que quiser. Ou seja, para o maior partido político, as questões éticas não têm, pelos vistos, nenhuma importância.
Quando está em causa o interesse partidário, o maior partido político não brinca em serviço, mas se é uma questão de interesse nacional, como a vida, o casamento ou a família, o partido demite-se da sua responsabilidade política e ética de fazer oposição e, com a desculpa da liberdade das consciências, desinteressa-se da questão.
Mas há um eleitorado que preza mais os valores humanistas do que as questões mesquinhas que entretêm a Europa, que se propõe, para breve, regulamentar o uso das torradeiras; ou os Estados Unidos da América, cujo presidente acaba de decidir a que casas de banho devem ir os transexuais, como aqui recentemente referiu Helena Matos, em mais um dos seus brilhantes artigos. Há cada vez mais cidadãos que não se revêm no amoralismo oportunista de quem, incapaz de se opor, com lucidez e firmeza, à extrema-esquerda, acaba por ser, na prática, subserviente em relação à sua agenda radical.
A efusiva saudação de uma deputada social-democrata, que votou a favor das barrigas de aluguer, à dirigente do Bloco, lembrava o beijo de Judas. Com efeito, que pensar de um jogador que faz o jogo da equipa contrária?! Ou de um soldado que combate pelo inimigo?! Leal não parece e, em política, o que parece, é.
Os democratas portugueses que têm ideais humanistas já não confiam nos partidos do centro porque, o que agora é governo, aliou-se à extrema-esquerda; e o líder da oposição é seu cúmplice na aprovação de leis antinaturais. Aos milhares de cidadãos decepcionados com os dois principais partidos, quase só restam duas alternativas: apostar nos grupos políticos mais radicais ou alhear-se da situação.
Não é preciso ser profeta para vaticinar que, se tudo continuar assim, no nosso país acontecerá o que é já uma realidade noutros Estados europeus: as forças políticas moderadas darão lugar a partidos extremistas e a uma crescente abstenção, o que não é, certamente, nada bom para a democracia, nem para Portugal.