1. Corre presentemente na RTP-2 um programa da autoria de Fernando Rosas intitulado História a História - África e que se apresenta com a pretensão de oferecer um quadro terrífico do impacto da presença portuguesa em África nos séculos XIX e XX. Confiado a um historiador ideologicamente comprometido e que pouco ou nada sabe de África, História a História é um exercício desonesto, anti-científico e declaradamente anti-português na análise do último século do sistema luso-africano. Para Rosas, ferido de parcialidade, cegueira, incontida má-fé e pobreza extrema nas fontes historiográficas e bibliografia datada de que se socorre, a colonização portuguesa constituiu um desastre para o conjunto dos povos por ela tocados.
2. Rosas é um marxista - que o seja - mas o seu discurso, feito de respingos de Basil Davidson (autor de O Fardo do Homem Negro) e de clichés retirados do movimento da chamada negritude, corrente literária e emocional que entre as décadas de 1940 e 1960 fez furor entre os independentistas africanos, constituiu, afinal, uma profunda contradição com o método de análise marxista, sua periodização histórica, tipos de sociedade, modos de produção e dinâmicas que o materialismo histórico oferecia para a compreensão evolutiva das sociedades. É sabido que Marx e Engels tinham de África uma visão eurocêntrica, própria do século XIX, considerando as culturas e sociedades africanas estáticas, petrificadas, despóticas e irrelevantes, pelo que a colonização europeia surgia como uma necessidade para a integração do continente negro nos sendeiros do progresso. Se fosse coerente, Rosas entenderia a colonização como um processo de integração de África na vida planetária e veria nos métodos da colonização um queimar de etapas que levaria à mudança do modo de produção primitivo, antigo ou feudal (consoante as regiões africanas) em modo de produção capitalista. Rosas parece querer esquecer que, em Marx, a chamada acumulação primitiva de capital accionada pela colonização - implicando uso da força de trabalho, instituição da propriedade privada e monetarização económica - teriam necessariamente efeitos chocantes nas sociedades expostas a súbita mudança. Marxista, Rosas deixa de o ser para carpir as dores de um processo. Fá-lo, porém, com evidente má-fé.
3. Para um marxista coerente - que Rosas não é - não seria necessário ir a África para estudar as dores dos períodos de transição de formas "arcaicas" de organização social e económica para o capitalismo. Seria importante lembrar que a Inglaterra exerceu sobre o seu próprio povo aquilo de que Rosas vem cinicamente acusar os portugueses. O povo inglês foi, lembremo-lo, submetido durante mais de duzentos anos ao processo de acumulação primitiva de capital pelos industriais capitalistas, embaratecimento do custo do trabalho e até a formas de trabalho forçado a extremos que nunca se verificaram em África. Na Grã-Bretanha, durante quase dois séculos, as "mais-valias" que os capitalistas retiraram do trabalho dos trabalhadores excederam largamente as práticas colonialistas. Ao quadro de exploração oferecido por Charles Dickens nos seus romances, importa lembrar as famosas workhouses, centros de detenção destinados a pobres, onde milhões de britânicos foram confinados sem retribuição salarial e onde cerca de três milhões terão perecido por doença, maus-tratos e fadiga extrema.
4. Ora, na colonização da África portuguesa, tal "processo primitivo de acumulação primitiva" de capital foi curto. Terá começado por volta do início do século XX com o chamado regime do indigenato e terminou em inícios da década de 1960. Portugal conseguiu em sessenta anos em África aquilo que os britânicos realizaram ao longo de 200 anos; realizar uma dupla revolução económica e social que tratou de instaurar o capitalismo e a cidadania plena, finalmente alcançada em 1961, quando o bilhete de identidade de cidadão português foi atribuído a todas as populações dos territórios portugueses africanos. A passagem da uma economia de grandes lucros para os detentores dos meios de produção para uma economia distributiva, ou seja, de repartição da riqueza e dos bens em benefício das populações, alcançou na África portuguesa resultados nunca alcançados em economias africanas. Nem mesmo a África do Sul, o país mais rico de África, o conseguiu, dadas as características segregacionistas e racistas próprias do regime do Apartheid. A análise estatística do desenvolvimento social e humano atingido em Angola e Moçambique no início da década de 1970, oferece o quadro de um imenso sucesso de integração. Portugal tinha, em 1970, o melhor sistema de ensino do continente, o melhor sistema de saúde, a melhor legislação de inclusividade, as melhores práticas de favorecimento e ascensão social e, até, o mais rápido processo de harmonização social.
Miguel Castelo-Branco
Fonte: Nova Portugalidade
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