sábado, 18 de novembro de 2017

Fernão Mendes Pinto: o aventureiro do Império

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Autor da “Peregrinação”, Fernão Mendes Pinto ergue-se com um dos vultos de peso da cultura portuguesa do século XVI. O fascinante relato das suas viagens pelo Oriente dá-nos conta do quão perigosas estas poderiam ser, e as aventuras e desafios com que se defrontou foram, certamente, enfrentadas por copiosos outros homens que, à sua semelhança, percorreram os mares nas caravelas portuguesas. 

Nascido em cerca de 1510, Fernão Mendes Pinto provinha de uma família modesta que, provavelmente, seria detentora de algum título nobiliárquico de menor relevo. Trazido para Lisboa por um tio, foi posteriormente para Setúbal, onde entrou ao serviço de um nobre, Francisco de Faria, da casa de D. Jorge, o filho bastardo de D. João II. Daí parte para a Índia, por volta de 1537.

Chegado ao Índico, fez parte da comitiva de um cruzeiro que circulava pelo Mar Vermelho, mas foi inesperadamente feito cativo por muçulmanos que por sua vez o venderam a um grego, acabando por ser resgatado em Ormuz. De seguida, encaminhou-se para Malaca com Pedro de Faria, que ocupava o cargo de governador, sendo este possivelmente aparentado com o Faria setubalense a quem antes tinha estado ao serviço. A partir do ponto nevrálgico de Malaca, Fernão embarcou em novas aventuras que o levam a percorrer a costa da Birmânia, o Sião, o arquipélago de Sunda, as Molucas e o Japão. Ao longo de cerca de vinte e um anos, Fernão Mendes Pinto adquiriu uma experiência extraordinária, testemunhando e convivendo com culturas, povos e territórios tão distintos entre si e tão longínquos da sua terra natal. No decorrer de todo este tempo, o autor conta-nos que foi náufrago, treze vezes cativo e dezassete vendido, bem como emissário em embaixadas de grande pompa oriental. As suas viagens foram recheadas de grandezas e misérias: ora rastejava nos recônditos mais rudes da existência humana, ora era senhor orgulhoso de uma embaixada luxuosa.

Outras fontes para além da sua obra, a “Peregrinação”, nestas incluindo cartas de jesuítas com quem conviveu (entre eles o próprio S. Francisco Xavier), é possível descortinar uma crise de consciência que o terá abalado, e que o compeliu a ingressar na Companhia de Jesus e rumar ao Japão. No entanto, desiludido com a experiência, regressa finalmente a Portugal, onde em vão busca uma tença real como recompensa dos serviços prestados. Estabelecendo-se em Almada, dedicou-se à redação da sua obra magistral, testemunho das suas experiências, acabando por falecer em 1583.

Embora a sua obra esteja repleta de imaginação e acrescentos literários a uma narrativa verídica na base, a “Peregrinação”, além do exotismo sedutor, carrega em si uma essência com matizes de uma narrativa picaresca, mas com uma preocupação moral e satírica, uma irónica denúncia de falsos valores pelo exemplo, que fazem da obra uma sátira de costumes e ideias. Acima de tudo, o testemunho de Fernão Mendes Pinto é a de um português que viajou por grande parte do Oriente e conseguiu conviver durante décadas num ambiente culturalmente muito heterogéneo, não sem enfrentar grandes provações, que, com um misto de heroísmo e bravura, conseguiu sempre superar.

Miguel Martins

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