Regressemos aos finais da Monarquia, debruçando-nos sobre um episódio paradigmático de um padrão recorrente na História portuguesa e sobre o qual devemos refletir. Sempre que alguma figura política tentou corrigir os desvios, erros, corrupções e vícios em que o país se deixou cair, defrontou-se com uma terrível resistência, que em certos casos poderia ser mesmo fatal. Foi o caso com D. Carlos.
No início do século XX dois partidos dominavam a vida política portuguesa: o Partido Regenerador e o Partido Progressista. Em 1901, houve uma cisão nos regeneradores, encabeçada por João Franco, e em 1905 dos progressistas, sob a liderança de José de Alpoim. Franco tentou criar uma alternativa ao “rotativismo”, como ele designou o sistema de então, com a fundação do Partido Regenerador-Liberal, mas o sistema eleitoral não compensava esses esforços: Franco obteve apenas três deputados. No entanto, o chefe dos Progressistas, José Luciano, concedeu a Franco uma maioria parlamentar para que pudesse governar, de forma a vingar-se do chefe do partido oposto, os Regeneradores, do qual Franco se tinha separado.
Franco, subitamente na chefia do Governo em 1906, prometeu uma mudança completa da vida pública em Portugal: um sistema político aberto, transparente e responsável, por exemplo, com o restabelecimento dos pequenos círculos eleitorais. Além disto, projetou um fundo nacional de pensões para os trabalhadores, impôs o descanso semanal obrigatório para o comércio, entre outras medidas reformistas. Acima de tudo, isto representava uma energia que se movia contra o marasmo em que a vida política havia caído depois de 1890, sem programas consistentes, ambiciosos ou minimamente inteligentes.
A maioria parlamentar oferecida por Luciano não durou muito, já que este temia que Franco se tornasse num rival sério à sua posição. D. Carlos, porém, surpreendeu-o. Preferiu dissolver o Parlamento e manter Franco no Poder. A grande questão desta decisão era esta: D. Carlos ia refundar o sistema partidário, ajudando Franco a fazer um grande partido de governo. O Rei convencera-se de que os antigos chefes “rotativos” estavam gastos, e que o regime só se manteria com novos líderes – Franco seria um deles. José Luciano e Hintze Ribeiro, chefes dos Partidos Progressista e Regenerador, respetivamente, reagiram fortemente, promovendo protestos e arruaças. Em 1907 o Rei encontrava-se em guerra aberta com os políticos que tinham dominado o Governo durante o seu reinado. Os antigos ministros, deputados e pares do Reino, todos altos funcionários e cobertos de condecorações, enviaram multidões vaiar o Rei nas suas viagens, declararam-se republicanos e alguns envolverem-se até em conspirações para um golpe de força.
Era, em suma, uma reação enervada por parte dos interesses instalados, dos políticos completamente incompetentes que tinham arrastado o país para a mais abjeta pobreza, mediocridade e dormência. O Rei e Franco moveram-se a favor de uma grande reforma que limpasse a vida política da ralé rasteira que não possuía o mínimo de qualidades para governar o país. José de Alpoim, o dissidente do Partido Progressista, com alguns republicanos, organizou um levantamento militar, a 28 de Janeiro de 1908, mas o Exército conservou-se fiel. Ainda assim, um grupo de conspiradores que escapara à prisão no dia 28, aproveitando a passagem da família real em carruagem aberta e sem escolta pela Baixa de Lisboa, assassinou a tiro o Rei e o Príncipe D. Luís Filipe. Era a derrota da sanidade, de um projeto visionário, e a vitória da loucura que seria mais tarde a I República.
Era, em suma, uma reação enervada por parte dos interesses instalados, dos políticos completamente incompetentes que tinham arrastado o país para a mais abjeta pobreza, mediocridade e dormência. O Rei e Franco moveram-se a favor de uma grande reforma que limpasse a vida política da ralé rasteira que não possuía o mínimo de qualidades para governar o país. José de Alpoim, o dissidente do Partido Progressista, com alguns republicanos, organizou um levantamento militar, a 28 de Janeiro de 1908, mas o Exército conservou-se fiel. Ainda assim, um grupo de conspiradores que escapara à prisão no dia 28, aproveitando a passagem da família real em carruagem aberta e sem escolta pela Baixa de Lisboa, assassinou a tiro o Rei e o Príncipe D. Luís Filipe. Era a derrota da sanidade, de um projeto visionário, e a vitória da loucura que seria mais tarde a I República.
Ao longo das épocas, outros casos semelhantes se sucederam: D. João II domesticou a nobreza rebelde com a morte dos Duques de Bragança e de Viseu, o Marquês de Pombal com a morte dos Távora. Quando uma força regeneradora e purificadora ataca os agentes da putrefação, tem de encarar de frente a faceta mais negra do Ser Humano, encarnada naqueles micróbios mesquinhos e asquerosos que tudo fazem para conservar o status quo da podridão do qual beneficiam. Foi isto que se passou com D. Carlos, e foram esses micróbios asquerosos os responsáveis pela sua morte. Aprendamos com esta lição, para que não a repitamos.
Miguel Martins
Fonte: Nova Portugalidade
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