domingo, 11 de março de 2018

Em defesa do trajo popular

Foto de Nova Portugalidade.


Continuo a ler mil e um disparates a respeito do "trajo civilizado" e igual número de insanidades sobre "trajos de submissão". A questão não é nova, nem se aplica em exclusivo ao véu islâmico; pelo contrário, já foi bem europeia e não só carregava um verdadeiro programa ideológico, como uma lógica capitalista de destruição da economia familiar e regional em favor da expansão da industrialização e do mercado internacional de vestuário.

Em torno do trajar popular, travou-se em finais do século XIX uma dura e prolongada polémica entre "progressistas" e "conservadores" visando a imposição do trajo burguês e consequente demonstração da inferioridade de formas de vestir consideradas obscurantistas e reaccionárias. Foi então declarada guerra sem quartel às forma de vestir das classes populares: capotes, samarras, biocos, cocas, mantilhas, botas e chapéus foram alvo de verdadeira perseguição. Aparentemente anódina, a polémica escondia um verdadeiro ataque aos ofícios tradicionais e ao trabalho de alfaiates, sapateiros, curtidores, surradores, tintureiros, costureiras, colcheiras, bordadeiras, tecedeiras e chapeleiros, tomados por entraves à expansão das superfícies comerciais que vendiam o "trajo britânico", subentendendo igual ataque às produções locais de mantas, linhos e buréis que impediam a fixação do monopólio das "fazendas" britânicas.

Ontem como hoje, o capitalismo sorridente acenando com uma mão e esmagando com a outra. O nosso Rei Dom Carlos compreendeu perfeitamente o que se passava e passou a exibir com máximo orgulho o trajo das "classes inferiores", não perdendo qualquer oportunidade em fazer chegar às revistas burguesas a imagem de um Rei inteiramente vestido como um qualquer camponês. É evidente que tal só podia enfurecer os burguesitos lisboetas.

Pensemos, pois, duas vezes antes das parvas solturas a respeito das tais "humilhações e submissões". Há sempre um fito comercial abate-fronteiras a espreitar por oportunidades de mercado por detrás das sonoras proclamações de liberdade.

MCB

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