Não se percebe a indignação dos defensores da eutanásia pelo facto de os projectos-lei, que propunham a sua legalização, terem sido rejeitados pela Assembleia da República, no passado dia 29. Não só porque foi uma decisão democrática, mas também porque os ditos projectos-lei tiveram, como os defensores da eutanásia propugnam, uma morte rápida e sem dor, ou seja uma ‘morte digna’. Mas, voltar à carga, já na próxima legislatura, não será um caso de ‘distanásia’ legislativa, ou de ‘encarniçamento’ antidemocrático?!
Alguém escreveu: “Direita chumba. Esquerda avisa que vai ter de repetir, até passar”. É salutar esta persistência, quando se trata do insucesso escolar, mas não a propósito de uma decisão democrática. Ou será que só são democráticas as votações que se ganham?! Será também de repetir o referendo sobre o aborto?! Para alguns antidemocratas, as derrotas são sempre precárias, mas as vitórias definitivas …
Esta vitória não foi da direita nem da esquerda, mas de todo o povo português, pois esteve prestes a ser traído pelos seus políticos que, sem o seu consentimento, nem sequer tácito, se propunham tomar uma decisão da maior transcendência. É curioso que, aqueles que consideraram esta questão como sendo de consciência, não tenham achado que, precisamente porque não tinha sido consultada a consciência dos seus eleitores, os não poderiam representar nessa decisão. Ou será que, a única consciência que conta, é a dos deputados?! Como só na próxima a única consciência que conta, é a dos deputados?! Como só na próxima legislatura será possível voltar a propor a despenalização do homicídio a pedido, nenhum partido político, quando se apresentar às próximas eleições legislativas, poderá evitar esta questão, nem comodamente relegar o tema para a consciência de cada deputado. De facto, para que serve um partido que, em questões destas, não toma partido?!
Só dois partidos assumiram institucionalmente a defesa da vida: o CDS e o PCP. O primeiro, porque se reconhece nos princípios do humanismo cristão; o segundo, porque defende a inviolabilidade da vida humana – foi aliás o PCP que propôs este princípio na Constituição – e não ignora os efeitos sociais catastróficos que a legalização da eutanásia acarreta e que os pouquíssimos países europeus que a legalizaram – Holanda, Bélgica, Suíça e Luxemburgo – conhecem por experiência própria.
O partido do governo, ainda mergulhado na profunda crise moral que resulta do caso Sócrates e não só, posicionou-se à margem do humanismo, alinhando com o extremismo do Bloco de Esquerda, seu parceiro na coligação parlamentar. Tendo em conta que a quase totalidade dos seus deputados votaram a favor da eutanásia, pergunta-se: há coerência num católico que vota num partido que defende teses tão anticristãs?!
A matriz social-democrata do PSD era, em Sá Carneiro, compatível com os princípios do personalismo cristão e da Doutrina Social da Igreja, em que o fundador do partido se revia. Não assim o seu actual presidente que, não só é partidário da eutanásia, como também fez campanha pela sua legalização, colaborando activamente na publicação que, em prol desta causa fracturante, o ex-coordenador nacional do Bloco de Esquerda patrocinou. É sintomático que a própria bancada parlamentar do PSD não tenha acompanhado, nesta sua opção, o presidente do partido, cuja liderança ficou assim ainda mais fragilizada. Não parece que essa sua opinião pessoal, que não foi partilhada pela maioria dos seus deputados, seja a da maioria do seu eleitorado, nem consta que tenha sido legitimada por nenhuma instância partidária.
De facto, só duas deputadas do PSD votaram a favor dos quatro projectos-lei que propunham a despenalização do homicídio a pedido, as mesmas que votaram também a favor de outras causas fracturantes, como as barrigas de aluguer e o aborto, sendo uma delas a responsável pela humilhante derrota do partido em Lisboa, nas últimas eleições autárquicas. Se, nas próximas eleições legislativas, o presidente do PSD se mantiver favorável à legalização da eutanásia, ou o respectivo grupo parlamentar não se empenhar na defesa da vida, é previsível que, como Cavaco Silva já disse, o que resta do seu eleitorado cristão emigre definitivamente para outro partido, ou opte pela abstenção.
Estão também de parabéns os médicos portugueses que, pela voz autorizada do seu bastonário e de todos os que o precederam nesse cargo, rejeitaram liminarmente a eutanásia. Outro tanto se diga do ‘Stop eutanásia’ e outros movimentos cívicos, como “Toda a vida tem dignidade”, que promoveram debates sobre esta questão, não obstante a parcialidade pró-eutanásia de quase todas as televisões e jornais de referência.
Embora de forma pacata e sem se envolver nas lutas partidárias, também a Igreja católica está de parabéns, sobretudo pelo seu sereno e fundamentado contributo para o esclarecimento de todos os cidadãos e, em especial, dos seus fiéis, como é sua indeclinável obrigação. Foi muito oportuno e pertinente o documento a este propósito divulgado pela Conferência Episcopal Portuguesa, em 2016, com o título “Eutanásia: o que está em jogo? Contributos para um diálogo sereno e humanizador”, com um muito pedagógico “Anexo” com “Perguntas e respostas sobre a eutanásia”. Também foi muito enriquecedor o contributo público de vários sacerdotes, nomeadamente os jesuítas P. Miguel Almeida e P. Miguel Gonçalves Ferreira.
Mas, não é verdade também que alguns ‘católicos’ não só se manifestaram publicamente a favor da eutanásia como até foram proponentes de algum dos projectos-lei a favor da legalização do homicídio a pedido?! Certamente, mas a identidade cristã não se afere pelo que cada um possa dizer de si mesmo, mas pelos seus actos porque, como diz São Tiago, é pelas obras que se conhece a verdadeira fé (cf. Tg 2, 14-26).
A este propósito, recorde-se a parábola dos dois filhos: um diz que sim, mas faz o contrário, enquanto o outro diz que não, mas depois arrepende-se e faz o que deve (cf. Mt 21, 28-32). Nos Actos dos Apóstolos narra-se também a exemplar punição do casal que, fingindo ser cristão, o não era nas suas palavras e acções (cf. Act 5, 1-11). O Catecismo da Igreja Católica, ao mesmo tempo que desautoriza a pena de morte (cf nº 2267 e “A Igreja e a pena de morte”, no Observador de 4-3-2017), também afirma que, “quaisquer que sejam os motivos e os meios, a eutanásia directa”, que “consiste em pôr fim à vida de pessoas deficientes, doentes ou moribundas”, é sempre “moralmente inaceitável” (nº 2277). Portanto, quem a defenda consciente e deliberadamente, mesmo que tenha sido baptizado, obviamente não é católico. Mas está sempre a tempo de se arrepender e converter ao Evangelho da vida.
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