He is a globalist, and we are nationalists. He believes in some Pax Universalis; we believe in the Old Republic. He would put America`s wealth and power at the service of some vague New World Order; we will put America first.
A citação não é de Donald Trump, mas de Patrick Buchanan, director de comunicação de Reagan que disputaria a nomeação presidencial com George Bush em 1992. No seu livro Where the Right Went Wrong, Buchanan acusa os Bush, pai e filho, de subverterem a natureza do Partido Republicano e deixa um aviso: começava a desenhar-se uma revolução, representada por conservadores “de princípio” e “populistas”, que não se reviam na direcção que tomava o partido e o país. São (também) estes descontentes que ganham voz em 2016, com Donald Trump. Isto porque, não sendo Trump um Reagan, é inegável que se bateu pelos princípios do Reaganismo: governo limitado, impostos reduzidos, paz pela força, políticas pró-vida, valorização da visão e sabedoria dos “Founding Fathers”, liberdade individual e rejeição categórica já não do comunismo, mas das suas derivantes. A comparação, dita a prudência, deve ficar por aqui, num momento em que não é ainda certo como e quando Trump sairá de cena, e de que forma isso poderá impactar a democracia americana. Mas o resultado destas eleições mostra que mesmo que Trump passe, o “Trumpismo” não passará.
Trump foi também um fenómeno de reação, que se reproduziria no Brasil com Bolsonaro, em Espanha com o Vox e que veremos acontecer, em maior ou menor escala, com André Ventura em Portugal. Reacção ao que, utilizando um conceito de um dos ideólogos das novas esquerdas, é visto como o novo “consenso hegemónico.” A ironia é que no “sistema de trincheiras da guerra moderna”, que é – como disse Gramsci – um combate por conceitos, valores políticos e representação, as correntes contra-hegemónicas, i.e., aquelas que se batem por reconhecimento, são hoje as que desafiam os ditames da nova esquerda. Reagem às bandeiras de uma nova esquerda que, agitando política identitárias e teorias do interseccionismo, substituiu a universalidade dos direitos fundamentais pela sua fragmentação, catalogando a todos ora de oprimidos, ora de opressores, e fazendo da identidade o critério que, em política, separa “amigo” e “inimigo”. Não deixa de ser curioso que um princípio liberal tão básico quanto a igualdade perante a lei, seja agora visto com desconfiança: uma manobra de distracção de certa direita, radical e xenófoba, que visa perpetuar a opressão das minorias.
A esquerda, a não esquerda e até uma parte da direita que, tendo medo de se tornar populista, abdicou de ser popular têm reagido a esta reação ora com algum simplismo, ora com alguma soberba. Afirmando que Trump, Ventura, Bolsonaro ou Abascal são as versões atualizadas do fascismo, e os seus seguidores ou são também eles racistas e fascistas ou então, na versão mais magnânima, ignorantes descontentes facilmente manipuláveis. Em qualquer caso, e como se viu recentemente pelas afirmações de ilustres democratas nos Estados Unidos, recomenda-se que sejam banidos da polis, remetidos ao silêncio ou até enviados para campos de reeducação.
Mas porque têm consequências políticas concretas, estes fenómenos devem ser analisados para lá da lógica de trincheiras e com uma boa dose de honestidade intelectual. Até porque, para além de preocupações, também lançam dúvidas razoáveis: como se explica, por exemplo, que o Chega vá buscar apoio entre aqueles que não votavam, entre os que votavam à direita e até os que votavam muito à esquerda? Poderá esta pluralidade de simpatizantes traduzir-se apenas numa turba de perigosos iliberais?
É importante distinguir entre a forma e o conteúdo. A forma, já se sabe, é agressiva, às vezes boçal. Não haja ilusões, só essa agressividade, aliada a algumas bandeiras “chocantes” permitiu a estes protagonistas ganhar espaço e abalar o consenso, aparentemente hegemónico. Mas mais relevante (e interessante) do que a forma, são os temas e as propostas que trazem para o espaço público. Para perceber, é preciso furar os cordões sanitários, e ouvir o que têm a dizer os deplorables. Entre os novos fascistas estão os que querem um Estado mais reduzido, e mais eficiente; os que se queixam da carga fiscal elevada, naquele que caminha para ser o país mais pobre da EU; os que rejeitam a apologia do globalismo, feita em detrimento de um conceito de comunidade política mais próxima, e por isso mais real; os que denunciam o fechamento e empobrecimento do espaço e do debate público, que em nome de conceitos tão nobres quanto vagos nos vai retirando a liberdade de pensar, falar ou criar; os que querem preservar a história e o património da civilização ocidental, precisamente aquela que nos permitiu chegar à democracia liberal. Reduzir estas inquietações a manifestações de iliberalismo, racismo ou xenofobia não é se não uma caricatura. Remetê-las para o bas-fond do debate político é prestar um péssimo serviço à democracia liberal.
Grande parte da direita que tinha voz não soube ou não quis, por convicção ou oportunismo, abordar estas questões dentro de um espaço que seria, naturalmente, menos permeável a eventuais extremismos. Mas elas tornar-se-ão cada vez mais prementes. E esperam-nos tempos difíceis na Europa. A gestão da pandemia levou a um aumentou do fosso entre quem decide e quem obedece, num contexto de crise económica, divisão política e profunda desconfiança em relação a quem nos tem governado. Trump poderá estar de saída, e o projeto político Ventura poderá até não vingar. Mas o consenso está oficialmente rompido, e fica a voz dos descontentes. Eles também são o povo. E o povo, como sabemos, é quem mais ordena.
Teresa Nogueira Pinto
Doutoranda em Estudos sobre a Globalização
Fonte: Notícias Viriato
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