Os nossos mais internacionalmente conhecidos Príncipes das Letras, Eça de Queiroz e Fernando Pessoa, eram monárquicos convictos, e não pouparam, o primeiro o incipiente Partido republicano, e, o segundo a implantada I.ª República assim como os políticos cleptocratas que passaram a saciar-se nos cargos de relevo do nosso País. Desta forma como para eles rir era uma filosofia, ficaram para a posteridade as suas “boutades” sobre política à republicana que mais contemporâneas não podiam ser, pois atravessaram os quase 103 anos de desatino republicano com uma actualidade compressora.
1.- EÇA É QUE É EÇA:
“(…) O Partido Republicano em Portugal nunca apresentou um programa, nem verdadeiramente tem um programa.
Mais ainda, nem o pode ter: porque todas as reformas que, como Partido Republicano, lhe cumpriria reclamar já foram realizadas pelo liberalismo monárquico”.
“ (…) E sem desejar ser descortês para com personalidades somos forçados a constatar que os actuais chefes republicanos, como tais, como chefes, fazem sorrir toda a parte séria da nação.
Mas ainda, mesmo sem direcção, ou com uma direcção impotente por incompetente, o Partido Republicano existe, exibe-se, fala, escreve, vota […]
[…] a República não pode deixar de inquietar o espírito de todos os patriotas. Ela seria a confusão, a anarquia, a bancarrota.”
Eça de Queiroz, Novos Factores da Política Portuguesa, in Revista de Portugal, Abril 1890
“[...] o Partido Republicano tem-se alastrado, não porque aos espíritos democratizados aparecesse a necessidade de implantar entre nos as instituições republicanas, como as únicas capazes de realizar certos progressos sociais – mas porque esses espíritos sentem todos os dias uma aversão maior pela política parlamentar, tal como ela se tem manifestado, com o seu cortejo de males, nestes derradeiros tempos.”
Eça de Queiroz, “Novos Factores da Política portuguesa”, in Revista de Portugal, 1891
“[...] sobre esse furúnculo revolucionário que rebentou no Porto, como sintoma de doença geral [...], a opinião geral é que esse é o começo da débâcle. O Governo ainda poderia afastar a hora má por algum tempo, se aproveitasse a ocasião para desorganizar inteiramente, à maneira sumária do excelente Constans, o partido republicano.
Eça de Queiroz, Carta a Oliveira Martins, 5 Fev. 1891
“O Que Verdadeiramente Mata Portugal. O que Verdadeiramente nos mata, o que torna esta conjuntura inquietadora, cheia de angústia, estrelada de luzes negras, quase lutuosa, é a desconfiança. O povo simples e bom, não confia nos homens que hoje espectaculosamente, estão meneando a púrpura de ministros; os ministros não confiam no parlamento, apesar de o trazerem amaciado, acalentado com todas as doces cantigas de empregos, rendosas conezias, pingues sinecuras; os eleitores não confiam nos seus mandatários, porque lhes bradam em vão: «Sede honrados», e vêem-nos apesar disso adormecidos no seio ministerial; os homens da oposição não confiam uns nos outros e vão para o ataque, deitando uns aos outros, combatentes amigos, um turvo olhar de ameaça. Esta desconfiança perpétua leva à confusão e à indiferença. O estado de expectativa e de demora cansa os espíritos. Não se pressentem soluções nem resultados definitivos: grandes torneios de palavras, discussões aparatosas e sonoras; o país, vendo os mesmos homens pisarem o solo político, os mesmos ameaços de fisco, a mesma gradativa decadência. A política, sem actos, sem factos, sem resultados, é estéril e adormecedora.”
Eça de Queiroz, in Distrito de Évora
“O país não tem dinheiro; os espíritos não têm instrução; as estradas derretem; a frequência das escolas diminui; o movimento da roda dos expostos aumenta; a agricultura paralisa-se; as nossas possessões revoltam-se; … Em Lisboa fazem-se leilões…”
Eça de Queiroz in Farpas, pág. 63, Janeiro de 1872
“… Nós temos por el-rei a mais sincera simpatia, e consagramos a sua majestade a rainha o respeito mais profundo. Se a nossa palavra não basta, e se a esta homenagem dos nossos sentimentos é preciso acrescentar o sacrifício das nossas vidas – tenham a bondade de as mandar buscar.”
Eça de Queiroz in As Farpas, pág. 65, Janeiro de 1872
2.- FERNANDO PESSOA “DA I.ª REPÚBLICA”
“(…) A situação de Portugal, proclamada a República, é a de uma multidão amorfa de pobres-diabos, governada por uma minoria violenta de malandros e de comilões. O constitucionalismo republicano, para o descrever com brandura, foi uma orgia lenta de bandidos estúpidos (…)”
“(…) É alguém capaz de indicar um benefício, por leve que seja, que nos tenha advindo da proclamação da República? Não melhorámos em administração financeira, não melhorámos em administração geral, não temos mais paz, não temos sequer mais liberdade. Na monarquia era possível insultar por escrito impresso o Rei; na república não era possível, porque era perigoso, insultar até verbalmente o Sr. Afonso Costa. (…)”
“(…) Os partidos políticos, em determinado país e determinada época, têm todos a mesma mentalidade, têm todos virtualmente o mesmo grau, pouco ou muito, de corrupção. Há uma ressalva, que propriamente o não é, a fazer. Os partidos do governo – isto é, os partidos que frequentemente governam, e por isso, em geral, os maiores – agregam mais videirinhos e mais interesseiros, pela simples razão de que os videirinhos e os interesseiros buscam naturalmente os partidos que os podem empregar e recompensar (…). Por outro lado, os partidos da oposição – isto é, os que não vão ao poder, ou não podem ir, ou dificilmente podem ir – agregam, mais que os outros, os elementos perturbadores e anti-sociais, e fazem-no na proporção em que são extremistas (da direita ou da esquerda). (…) Os independentes podem propor-se, e algumas vezes se propõem à eleição. Mas as eleições, nas condições modernas, são a tal ponto matéria de organização e mecanismo que é com grande desigualdade que um independente se pode bater contra os candidatos nomeados pelos partidos. O triunfo de uma candidatura independente é a coisa mais rara deste mundo. (…)”
“(…) Os partidos, ainda, como têm que ter a aparência de se basear na opinião pública, buscam «orientá-la» no sentido que desejam, e assim a pervertem; e, para sua própria segurança, buscam servir-se dela, em vez de a servir a ela, e assim a sofismam. (…)”
“(…) A mais antiga tradição de qualquer país é ele não existir. (…)”
“(…) Um país unânime numa opinião de hábito não seria país – seria gado. Um país concorde numa opinião de intuição não seria país – seria sombras. O progresso consiste na média entre o que a opinião de hábito deseja e o que a opinião de intuição sonha. Figurou Camões, nos Lusíadas, em o Velho do Restelo a opinião de hábito, em o Gama a opinião de intuição. Mas o Império Português nem foi a ausência de império que o primeiro desejara, nem a plenitude de império que o segundo sonharia. Por isso, por mal ou por bem, o Império Português pôde ser. (…)”
“(…) Já acima esboçámos, em simples exemplo ocasional, qual seja a situação presente de Portugal quanto à sua opinião pública. Concentrados dos Filipes ao liberalismo, numa estreita tradição familial, provincial e religiosa; animalizados, nas classes médias, pela educação fradesca, e, nas classes baixas, bestializados pelo analfabetismo que distingue as nações católicas, onde não é mister conhecer a Bíblia para se ser cristão; desenvolvemos, nas classes superiores, a onde principalmente se forma a opinião de intuição, a violenta reacção correspondente a essa acção violenta. Desnacionalizámos a nossa política, desnacionalizámos a nossa administração, desnacionalizámos a nossa cultura. A desnacionalização explodiu no constitucionalismo, dádiva que, em reacção, recebemos da Igreja Católica. Com o constitucionalismo deu-se a desnacionalização quase total das esferas superiores da Nação. Produziu-se a reacção contrária, e, do mesmo modo que na Rússia de hoje, se bem que em menor grau, a opinião de hábito recuou muito além da província, para além da religião, em muitos casos para além da família. Surgiu a contra-reacção: veio a República e, com ela, o estrangeiramento completo. Tornou a haver o movimento contrário; estamos hoje sem vida provincial definida, com a religião convertida em superstição e moda, com a família em plena dissolução. Se dermos mais um passo neste jogo de acções e reacções estaremos no comunismo e em comer raízes – aliás o término natural desse sistema humanitário. (…)”
«(…) As qualidades mentais e morais necessárias para a conquista do poder político, ou tendentes a essa conquista, são inteiramente diferentes daquelas necessárias para governar o Estado. Pode dizer-se, até, que mais se podem ter por opostas que por sequer análogas. Pode haver, é certo, um ou outro homem que ambas reúna, como pode haver quem seja, ao mesmo tempo, filósofo e atleta; mas em ambos os casos se trata de uma excepção, e os dois tipos ou grupos de qualidades permanecem diferentes e até opostos. São três as maneiras de conquistar o poder: a astúcia e a intriga, nos regimes autoritários, como a monarquia absoluta; a eloquência e a capacidade de persuasão, com a concomitante capacidade de mentir, até a si mesmo, para melhor mentir aos outros, como nos sistemas democráticos; e a violência, nos regimes impostos revolucionariamente, sejam eles de que tipo forem. (…)”.
“(…) Se a revolução é só da superfície, feita por uma minoria organizada num país desorganizado, e, por desorganizado, apático e servil, então os organizadores da revolução algumas qualidades têm que há que ter o homem de governo: são, pelo menos, chefes e organizadores. Tal foi, em ponto pequeno, a nossa Revolução de 5 de Outubro; tal foi, em ponto grande, a Revolução Bolchevista. Em ambos os casos, a maioria do país era monárquica, sendo apenas, republicana num caso, comunista no outro, a minoria mais bem organizada. (…)”
“(…) A hipnose do estrangeiro é um dos característicos distintivos das nações que não são senão províncias. A hipnose das cidades é outro sintoma de provincianismo. Tudo o que se faz em Paris, por estúpido que seja, é motivo de gesto igual para os macacos da Europa. (…)”
Pessoa chega, então, a conclusão:
“(…) O que é preciso, pois, é estabelecer uma fórmula de transição que sirva de declive natural para a MONARQUIA FUTURA, mas esteja em certa continuidade com o regímen actual. Essa fórmula de transição, já tentada instintivamente por Sidónio Pais, é a república presidencialista, que, por ser república, não perde continuidade com o actual regímen (…). A tradição não se reata: reconstrói-se. (…)”
Bibliografia:
1.- Eça de Queiroz – Novos Factores da Política Portuguesa, in Revista de Portugal, Abril 1890 e 1891; Carta a Oliveira Martins, 5 Fev. 1891; in Distrito de Évora; As Farpas, págs. 63 e 65, Janeiro de 1872
2.- Fernando Pessoa – Textos dispersos e publicados, escritos entre 1910 e 1935.
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