A família real portuguesa tem sido, desde o regresso do exílio, exemplo de moderação e incomparável desamor pelo exibicionismo. Ultrajada, silenciada, esbulhada do seu património e até ocultada dos portugueses, nunca dela se manifestou um queixume, a exigência de reparações justiceiras, um elementar pedido de desculpas do Estado. Ao contrário de Espanha, onde a possibilidade da Restauração foi secundada por vencedores e aceite pelos vencidos da guerra civil - pelos vencedores, pois não queriam o retorno da república; pelos vencidos, pois a monarquia possuiu o génio da integração - em Portugal, irremediavelmente tosco politicamente e sempre em mãos de elites vorazes que aspiram ao controlo integral da maquinaria do Estado, como um salteador se agarra ao saque, a possibilidade do retorno da monarquia tem sido, desde há um século, combatida pelas famílias e grupos políticos, da extrema-direita à esquerda mais radical, mas sobretudo pelos vários arcos de governação. Em 1951, através do tandem Marcelo Caetano / Albino dos Reis, o Estado Novo, pensando-se perpétuo, proclamou-se republicano. Em 1975, a Constituição elevou a forma republicana a limite indiscutível.
Em 1950, o regresso da família real, se reparava o banimento, continha, também, um refinado cálculo. A família real, cujos bens haviam sido devolvidos em finais da 1ª República, regressou ao país sem poder prover ao seu sustento. A criação da Fundação da Casa de Bragança, em 1933, arranjo em que se fizera casuística a partir de umas vagas considerações de Dom Manuel II sobre o destino a dar ao seu património cultural - leia-se livros antigos de tipografia portuguesa - testemunha a perversa intenção, logo traduzida em actos, de reduzir a liberdade da Família Real, expondo-a aos caprichos do poder instituído. O imenso património fundiário, imobiliário e artístico dos Bragança viu-se, assim, sequestrado por uma entidade que se dizia existir para garantir a inalienabilidade patrimonial de bens pertencentes a cidadãos que a eles tinham pleno direito. Mas o Estado foi mais longe na montagem do dispositivo preventivo. Sabe-se hoje que por ocasião do regresso dos Bragança ao seu país, foi-lhes sugerida instalação em localidades da raia, tão longe quanto possível de Lisboa, ao que o então Chefe da Casa Real recusou. Perante a firme recusa, supremo sarcasmo, foi-lhes proposta instalação num castelo arruinado. Queria-se, pois, uma família real pobre e mendicante, sujeita à prodigalidade ou à avareza do esmoler. Depois, por maior que fosse o afinco e honestidade dos seus administradores, a fundação sob tutela do Estado foi sempre gerida por homens de formação republicana e até conhecida vinculação a organizações secretas. A situação mantém-se há mais de setenta anos e estimamos que só com uma decidida reclamação às instâncias europeias se poderá resolver o lamentável imbróglio.
Pois bem, não obstante os sacrifícios, os Bragança viveram sempre com digna parcimónia, nunca perdendo a dignidade, nunca se submetendo aos interesses de regimes, governos e facções que ocuparam sucessivamente o poder. Cumpriram sempre as suas obrigações de cidadania, deram sempre provas de ânimo, boa-fé, entrega a causas de natureza nacional, social e cultural, muitas vezes excedendo largamente as suas modestas posses. Há dias soube que o Príncipe da Beira, o Infante Dom Afonso, consagra grande parte do seu tempo livre a obras de caridade. Fá-lo sem alarde, com enorme sacrifício e com a discreta elegância de quem se entrega ao bem sem busca de notoriedade. Que eu saiba, raros são os rapazes da sua idade que fazem o que faz. Aqui está um exemplo - um exemplo mais - desta família que serviu e continua a servir o país há meio milénio.
Miguel Castelo-Branco
Fonte: Combustões
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