Foram longos meses de permanência no Porto, a liderar os trabalhos de construção de uma frota naval, a arregimentar os chefes militares do norte, a adestrar homens para combate e a recolher víveres de toda a espécie. O jovem infante D. Henrique regressava a Lisboa com a missão cumprida, ao comando da armada com 70 embarcações que el-Rei seu pai o incumbira de preparar. O infante D. Pedro partiu ao seu encontro fora da barra e os dois irmãos entraram juntos no estuário do Tejo, indo desembarcar no lugar do Restelo, numa praia onde mais tarde D. Henrique mandaria construir a igreja de Santa Maria de Belém. Reunia-se assim finalmente a grande armada com dimensão nunca vista nestes Reinos e festejava-se com alegria a iminente partida para a empresa tão grandiosa quanto desconhecida de quase todos. Surge então a triste notícia da súbita doença da Rainha D. Filipa que padecia no mosteiro de Odivelas. Para lá se dirigiram imediatamente el-Rei e os três filhos mais velhos, D. Duarte, D. Pedro e D. Henrique, enquanto os mais novos, D. Isabel, D. João e D. Fernando ficavam ao cuidado do Mestre de Avis.
Philippa of Lancaster nasceu em Inglaterra a 31 de Março de 1360. Era a filha mais velha de John of Gaunt, duque de Lancaster e de Blanche of Lancaster. Foi educada na corte plantageneta, em pleno ambiente da Guerra dos Cem Anos que opunha o reino de Inglaterra ao de França. Terá sido muito influenciada pelo ideal cavaleiresco recuperado pelo seu avô, o rei Edward III, instituidor da famosa ordem de cavalaria da Jarreteira. As mortes, primeiro do herdeiro do trono – o Príncipe Negro, seguida do rei Edward III tornaram o pai de Philippa a pessoa mais poderosa em Inglaterra durante a menoridade do novo rei Richard II. Mais tarde, o duque de Lancaster, casado em segundas núpcias com Constança de Castela, filha de Pedro I o Cruel, quis reclamar a coroa de Castela por direito de sua mulher. Estabeleceu então uma aliança com Portugal para juntos fazerem frente aos reinos inimigos de França e de Castela. A aliança foi selada pelo casamento entre Philippa (já com 26 anos) e el-Rei D. João I, no Porto, em 1387, ano e meio após a grande vitória de Aljubarrota.
A Rainha Dona Filipa destacou-se sobretudo como esposa muito dedicada e pela influência que teve na extraordinária educação da sua prole, imortalizada por Camões no verso de Os Lusíadas “ínclita geração, altos infantes”. Mas o cronista Zurara, que contava 5 anos à data da morte da Rainha, descreve-a como modelo de virtudes cardeais – justiça, prudência, temperança e fortaleza – e teologais – fé, esperança, e caridade. Foi aliás na prática obstinada da caridade junto dos mais pobres e dos doentes que D. Filipa se deixou infectar irreversivelmente pela terrível peste que naquela altura fustigava Lisboa. Já no leito de morte, em Odivelas, mandou chamar os três filhos mais velhos e deu a cada um deles um pedaço do santo lenho da vera cruz para que lhes servisse de protecção. Entregou-lhes também as espadas que mandara fazer propositadamente para os ver armar cavaleiros, após a batalha pela expansão da fé em Jesus Cristo. Depois, a D. Duarte, herdeiro dos Reinos, encomendou a defesa dos povos com justiça, incumbiu D. Pedro da protecção das donas e donzelas e a D. Henrique rogou que zelasse por todos os senhores, cavaleiros, fidalgos e escudeiros.
A insigne Rainha Dona Filipa deixou este mundo a 18 de Julho de 1415, faz hoje precisamente 600 anos. Iriam o luto e o mau agouro fazer suspender a partida da armada para a importante expedição, preparada com tanto afinco e minúcia nos anos anteriores?
João Ferreira do Amaral, em 18.07.15
Fonte: 31 da Armada
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