Tendo zarpado de Faro a 7 de Agosto com vento favorável, a Armada chegou perto da zona do Estreito na tarde do dia seguinte. El-Rei ordenou então que se fizesse um compasso de espera com a frota a navegar em círculos, pois queria passar o Estreito a meio da noite, dando o menos possível nas vistas.
Pode-se imaginar o susto dos mouros de Gibraltar quando viram a gigantesca armada portuguesa fundear na baía de
Algeciras na tarde do dia 9. Pensavam naturalmente que a sua pequena cidade junto do rochedo era o objectivo militar de todo aquele aparato. A muito disputada Gibraltar estava há pouco tempo nas mãos do reino nasrída de Granada, que capturara a cidade a outro reino mouro, o da dinastia merínida de Fez. Já antes pertencera à cristandade, durante uma fugaz presença castelhana na primeira metade do séc. XIV. As autoridades da cidade apressaram-se a levar oferendas a D. João I, obtendo de El-Rei a garantia de que Gibraltar não seria atacada. Pelo sim, pelo não pediram autorização para trancar as portas da muralha, argumentando com a necessidade de se evitar escaramuças entre as partes. Surgiu de seguida Pedro Portocarreiro, enviado ali de perto pelo seu pai, Martim Fernandes Portocarreiro, o velho alcaide de Tarifa, fronteiro de Castela e natural do reino de Portugal, segundo o cronista. Pretendia indagar o objectivo da expedição e trouxe consigo uma quantidade apreciável de cabeças de gado para servir de abastecimento alimentar às tropas cristãs.
No dia 11 foi finalmente dada ordem de travessia do Estreito rumo a Ceuta mas os ventos e as fortíssimas correntes de poente que com frequência se fazem sentir naquelas águas desbarataram a frota: Enquanto as galés, as fustas e outras embarcações de menor porte conseguiram a muito custo ir fundear na baía de Ceuta, as naus foram quase todas empurradas Mediterrâneo adentro na direcção de Málaga.
Surpreendidos, os mouros não tardaram a perceber que a armada que os visitava nada tinha de amistosa. Enquanto uns fugiam a esconder-se nas suas casas, outros subiam as muralhas, dali disparando as bestas e os trons mas sem que os tiros pudessem alcançar os navios portugueses. Salah ben Salah, o governador mouro da cidade, enviou de imediato mensageiros ao interior do reino de Fez, pedindo reforços para o ajudarem na defesa. Alguns soldados portugueses, impacientes meteram-se inadvertidamente em batéis e remaram até à praia onde uns poucos mouros os desafiavam. Caíram mortos alguns muçulmanos enquanto os restantes fugiam e se trancavam dentro da muralha.
No dia 14, as condições atmosféricas adversas levaram El-Rei a optar por passar a frota ao outro lado mais abrigado
do promontório, chamado Barbaçote. Ordenou entretanto a D. Henrique que partisse na sua galé em busca do irmão D. Pedro e dos outros navios tresmalhados. A habitual mestria do Infante permitiu novamente a reunião de toda a frota na baía de Barbaçote. Contudo, toda esta espera tinha dado tempo para a chegada de muitos mouros vindos das povoações vizinhas que se acumulavam agora naquele lado da cidade. Zurara fala em mais de cem mil. D. João I decidiu então ensaiar o desembarque junto de umas salinas. Alguns portugueses mais apressados saltaram logo para terra e do confronto desfavorável com os mouros resultaram algumas baixas do lado cristão, presenciadas por todos. Gerou-se um grande alvoroço a bordo e as tropas precipitaram-se num desembarque desordenado. O local escarpado, o vento que entretanto se levantara dificultando a manobra e a significativa inferioridade numérica em homens fizeram El-Rei pressentir a iminência de um desastre. Experiente, decidiu então abortar o desembarque. Ordenaou energicamente a travessia do Estreito e o regresso imediato a Algeciras. Porém, ao dobrar a ponta de Almina, novamente se dispersou a frota com as naus a serem arrastadas pela forte corrente na direcção de Málaga.
Nas muralhas de Ceuta, os mouros festejavam vitoriosos a debandada dos cristãos enquanto Salah ben Salah dispensava orgulhosamente os reforços que assim regressavam às suas povoações. Pensava ele ter debelado a ameaça cristã.
Caía já a noite de 17 de Agosto, 23º dia desde a partida de Lisboa. Depois de tanto esforço, após anos de tão cuidada preparação seria este o pouco edificante desfecho da grande expedição portuguesa?
João Ferreira do Amaral, em 07.08.15
Fonte: 31 da Armada
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