sexta-feira, 21 de agosto de 2015

"Ceuta deu o sinal de que seria no mar que Portugal encontraria alternativas"


Foi a 21 de Agosto de 1415 que as hostes portuguesas entraram em Ceuta. Fácil de conquistar, foi difícil de manter. João Gouveia Monteiro, autor do livro 1415 - A Conquista de Ceuta, relembra epopeia.

Ceuta foi conquistada em 1415 e essa data é tida como o ponto de partida do Império Português. Mas parece muito mais prolongamento da Reconquista na Península Ibérica do que primórdio da expansão marítima. Concorda?
Acho que foi as duas coisas. Enquanto operação que visava legitimar uma nova dinastia e saciar a avidez de glória da jovem nobreza, assim como alargar o território para um espaço controlado pelos muçulmanos (sem com isso afrontar Castela), é irresistível encará-la como um prolongamento da Reconquista. Mas Ceuta foi também o ponto de partida simbólico da expansão portuguesa, deu o primeiro sinal de que seria no mar que Portugal encontraria alternativas para as graves dificuldades, por exemplo financeiras, que assolavam o reino.

Como historiador, foi arriscado ficcionar, assumindo a entidade de Gomes Eanes de Zurara, a tomada da praça magrebina? Preferiu chegar melhor ao grande público mesmo ficado sujeito a críticas de colegas da academia mais conservadores?
Foi um "risco sustentado" [risos] de quem escreve para o grande público. Foi o factor surpresa que pode entusiasmar o leitor de uma obra de história. E foi ainda uma homenagem aos nossos cronistas. Sem Fernão Lopes e Zurara, o nosso conhecimento da história medieval seria muitíssimo mais pobre. E, além de grandes historiadores, eles foram excelentes escritores. O desafio da Manuscrito passava também por fazer um livro diferente, e eu e o António Martins Costa respondemos assim, sem prejuízo algum do rigor da investigação.

Conta vários episódios do cerco mouro a Ceuta. Era caro defendê-la e difícil encontrar gente para a habitar, certo?
Foi muito difícil manter a cidade, que foi cercada logo nos dias seguintes. A maior parte dos 2500 homens que formaram a primeira guarnição ficou em Ceuta com o coração apertado. A Coroa teve de recorrer a cobranças excepcionais e à mobilização de criminosos a quem seria reduzida a pena se servissem em África. Ceuta foi uma "escola de guerra", e o esforço organizativo para defender este enclave durante 43 anos (até Alcácer-Ceguer) ajudou a forjar o sucesso da expansão portuguesa.

No fim de contas, Ceuta foi uma aventura menor da nossa história ou é abusivo dizer isso?
A conquista de Ceuta foi a maior e mais longamente preparada expedição militar da história medieval portuguesa. O assalto, em si, resolveu-se num único dia, porque a resistência da cidade foi fraca. No entanto, a complexidade da operação foi enorme, e isso reflectiu-se nas hesitações e contradições que precederam o ataque, e que se prolongaram na discussão sobre manter ou não a praça e acerca da escolha do seu primeiro governador (o notável conde D. Pedro de Meneses).

Hoje, Ceuta é espanhola porque a população em 1640 preferiu os Filipes a D. João IV, caso único no Império. Existe uma explicação fácil para essa recusa de Portugal? Foi porque Espanha defenderia melhor a praça e não a abandonaria como Portugal fez nos séculos XVII e XVIII em relação às outras praças e possessões marroquinas?
Não sou especialista na época, mas julgo que isso terá resultado de uma conjugação de factores. Desde logo, a vizinhança territorial de Espanha e a presença de muitos colonos e soldados espanhóis no final do período filipino, o que facilitou a nomeação do marquês de Aranda como governador. Em 1668, ano do tratado de Lisboa, a estratégia ultramarina portuguesa também estava já muito mais orientada para o Brasil do que para África ou para o Oriente.

Fonte: DN

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