O batel de João Fogaça foi o primeiro a rumar à praia, para onde Rui Gonçalves saltou sem delongas. Começou a combater os mouros com tal bravura que os fez recuar, abrindo espaço para o desembarque dos outros batéis onde vinha o Infante D. Henrique. Eram cerca de cento e cinquenta portugueses que se iam progressivamente superiorizando aos mouros, empurrando-os na direcção da porta da muralha. O Infante apercebeu-se então da presença entre os combatentes do seu irmão D. Duarte, que não aguantara a espera e se escapara da companhia de El-Rei para se juntar aos homens da frente. No meio da peleja, um mouro de robusta compleição levantou uma grande pedra e lançou-a à cabeça de Vasco Martins Albergaria, fazendo lhe saltar o bacinete. Logo de raiva, o português trespassou o infiel com uma lança. Vendo isto, os outros mouros bateram em retirada para dentro da muralha com os entusiasmados cristãos no seu encalce. Acabou por ser o próprio Albergaria a conseguir aquilo que todos ambicionavam: Entrar em primeiro na porta de Almina. “Já vai o de Albergaria” – gritava ele orgulhoso do seu feito. Pouco depois entravam também os infantes , o conde de Barcelos e, com eles, cerca de quinhentos homens.
Salah ben Salah tardava a reagir e quando deu ordem para encerrarem todas as portas foi informado de que havia já centenas de cristãos espalhados pela cidade. Sabia que dificilmente lhes poderia resistir.
O grosso da armada, que ainda aguardava nos navios a ordem de desembarque, não resistiu à impaciência, dirigiram-se para terra, desembarcaram e subiram praia acima em direcção à porta de Almina, já tomada. Vasco Fernandes de Ataíde foi com alguns outros por fora tentar derribar uma outra porta. A missão era arriscada porque enquanto os portugueses indefesos partiam as tábuas, os mouros disparavam as bestas e arremessavam pedras de cima da muralha, resultando alguns mortos entre os cristãos. Lá dentro, os infantes decidiram separar o grupo: O conde, a bandeira de D. Henrique e Martim Afonso de Melo seguiram cada um por seu lado, enquanto D. Duarte e D. Henrique foram tomar todas as elevações daquela parte de Almina. O sol, já alto e a temperatura a subir (estavam no norte de África em pleno verão) levaram D. Duarte a desfazer-se de parte da sua armadura, ficando apenas com a cota de malha. D. Henrique, que ficara um pouco para trás acabou por fazer o mesmo e dirigiu-se à rua Direita - uma rua estreita que descia da alfandega até ao Castelo. Aí chegado, viu um grupo de cristãos que fugia rua acima perseguido pelos mouros. O Infante encarou os infiéis e começou a lutar com ímpeto tal que os fez “virar as espáduas para onde antes traziam os rostos”. Acompanhado dos portugueses que antes fugiam, foi descendo a rua até encurralar os mouros junto ao Castelo. Aí a luta aumentou de intensidade, tendo caído ferido Fernando Chamorro.
El-Rei, o infante D. Pedro e a restante armada tinham já desembarcado. D. João I, ferido numa perna ficou a comandar as operações perto da porta de Almina. Enquanto muitos dos homens combatiam com bravura, alguns outros dedicavam-se ao esbulho entrando nas casas da moirama e saqueando quanto podiam. Entretanto, a combater os mouros encurralados ao fundo da rua Direita já só estava D. Henrique com quatro homens. Os restantes não tinham resistido ao cansaço e ao muito calor e procuravam os poços da cidade para matar a sede. Os mouros decidiram então sair por uma porta do Castelo com um estreito corredor que lhes dava acesso à vila de fora. Temerariamente, o Infante e os quatro que o acompanhavam seguiram atrás deles com o objectivo de os empurrar para fora da cidade. Correram grande risco porque, por cima deles, as muralhas do castelo estavam apejadas de mouros que disparavam as suas armas e arremessavam grandes pedras. D. Henrique continuou a combater energicamente e os mouros acabaram por fugir para a vila de fora, permitindo aos cristãos fechar aquela porta da cidade. Entre os portugueses, espalhava-se a notícia de que o Infante já estaria morto, pois entrara há mais de duas horas pela porta do Castelo de onde não tornara a sair. Mais ninguém ali ousava entrar até que Garcia Moniz foi em busca do seu senhor. Convenceu-o a regressar ao centro da cidade onde D. Henrique, incansável, se envolveu em mais umas quantas pelejas. Desafortunado foi Vasco Fernandes de Ataíde que, informado do desaparecimento do Infante, dirigiu-se corajosamente para dentro da porta do Castelo para o resgatar, ali perdendo a vida.
D. João I estava já na mesquita principal – que mais tarde viria a ser a catedral – e mandou chamar o Infante, aliviado por saber que o seu filho estava vivo. Dispos-se a arma-lo cavaleiro logo ali mas D. Henrique, revelando o seu elevado carácter, respondeu que preferia faze-lo conjuntamente com os seus irmãos e respeitando a ordem de nascimento. Começava o dia a chegar ao fim e já não restavam mouros dentro da cidade. Faltava todavia tomar o Castelo, batalha que ficava para o dia seguinte. Nisto, um dos sentinelas que ali estavam reparou que nas ameias da muralha iam posando muitos pássaros, sinal de que dificilmente lá poderia estar alguém. El-Rei, encarregou então João Vaz de Almada de colocar a bandeira de S. Vicente na torre do Castelo (permanece em Ceuta ainda hoje). Quando se preparavam para deitar a porta abaixo, dois mercadores anunciaram, de cima do muro, que o castelo estava já vazio. Todos os mouros tinham fugido para o sertão, incluindo Salah ben Salah. Abriram-lhes depois a porta e os portugueses ocuparam imediatamente todo o castelo, apoderando-se das sua muitas e valiosas riquezas. A cidade de Ceuta estava totalmente conquistada com o cair da noite de 21 de Agosto de 1415. Faz hoje 600 anos.
No dia seguinte, depois de enviar um mensageiro com as novidades da conquista ao rei Fernando de Aragão, que fora também o regente em Castela, realizou-se a cerimónia de investidura dos novos cavaleiros. El-Rei investiu os infantes, D. Duarte, D. Pedro e D. Henrique que, por sua vez, foram armar cavaleiros todos os outros. A preocupação era agora a dificílima defesa da praça de Ceuta dos previsíveis ataques lançados pelo reino de Fez. Para primeiro capitão da cidade foi designado D. Pedro de Meneses que viria a conduzir a sua árdua missão de forma exemplar, tendo sido agraciado com o título de conde de Vila Real. Aqueles que heroicamente ficaram em Ceuta viram o restante da armada partir de regresso a 2 de Setembro. Chegados a Tavira, D. João I fez mercê a seus filhos dos títulos de duque de Coimbra a D. Pedro e de duque de Viseu e senhor da Covilhã a D. Henrique. Para D. Duarte, grandeza maior não poderia haver do que a herança dos Reinos de Portugal e do Algarve, a partir de então, acrescida do senhorio de Ceuta.
Baseado nos relatos da “Crónica da Tomada de Ceuta por El Rei D. João I”. Gomes Eanes de Zurara terminou a sua magnífica obra em Silves, a 25 de Março de 1450, 35 anos depois do grandioso feito português.
João Ferreira do Amaral, em 21.08.15
Fonte: 31 da Armada
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