José Maria dos Santos
A epopeia portuguesa no Oriente nunca foi igualada. Com muito menos gente, os lusos venceram e conquistaram poderosos reinos como os de Ormuz, Goa e Malaca. Nessa epopeia, um homem ocupa a primazia como verdadeiro gigante: Afonso de Albuquerque, um dos maiores génios militares e administrativos, cujas façanhas se tornaram lendárias em todo o mundo de então.
Conta São Leonardo do Porto-Mauricio, no seu livro "As excelências da Santa Missa", este belo facto sucedido com Afonso de Albuquerque: "Achando-se com a sua frota em perigo de naufragar numa horrível tempestade, teve uma inspiração: tomou aos braços uma criança que viajava na sua nau e, elevando-a ao céu, exclamou: `Se todos somos pecadores, esta criaturinha é certamente sem mácula. Ah! Senhor, por amor deste inocente, compadecei-vos dos culpados! A vista dessa criança inocente agradou tanto a Deus, que Ele acalmou o mar e devolveu a alegria àqueles infelizes, gelados pelo terror da morte certa" (1).
Bondoso, esmoler, espírito justiceiro
Afonso de Albuquerque, visto pelos seus contemporâneos, era um "homem de estatura média, rosto comprido e corado, nariz um pouco grande"(2), "muito airoso e bem apessoado, expressão sentenciosa" (3). "Trazia sempre a barba mui comprida, [...] e como era alva, dava-lhe grande veneração" (4). Dotado de "um inquebrantável espírito de justiça" (5), era ainda, sempre segundo os seus contemporâneos, bondoso, muito esmoler, piedoso para com os pobres e muito paciente para suportar os sofrimentos que constantemente o assaltavam devido à inveja e incompreensão dos homens. Sofreu especialmente da parte de D. Manuel, rei de Portugal, que não se mostrou à altura do homem superior que governava.
"Inteiramente honesto, dedicado ao Rei e ao seu país, Albuquerque andou na Índia dedicado aos planos grandiosos que levara, sem jamais transigir um instante com a vida doce que todos apeteciam. Dele se pode dizer que foi, no seu tempo, o único capitão da Índia a quem os fumos da pimenta não toldaram o entendimento" (6).
"Nos seus seis anos de governo, sempre manietado pela falta de homens, de navios, de dinheiro, bem como pela estreiteza de vistas e pelas suspeitas do rei, Albuquerque fez sentir a sua influência desde a Arábia ate à China. Apossou-se das chaves do Oceano Índico. A Pérsia, o Sião e a Abissínia solicitavam a sua amizade, ao mesmo tempo em que uma dúzia de reis indianos, inquietos, se informavam dos seus desejos, por meio de embaixadas respeitosas" (7).
Ao lado de D. João II
Afonso de Albuquerque foi o terceiro filho de Gonçalo de Albuquerque, conselheiro do rei D. Afonso V e de D. Leonor de Meneses, filha do primeiro Conde de Atouguia. Nasceu no termo de Alhandra em 1453. Nada se sabe da sua infância, mas, pela cultura que depois demonstrou, sobretudo nas suas famosas cartas e ordenações, vê-se que aprendeu o latim e estudou os clássicos.
Albuquerque aparece pela primeira vez ao lado de D. João II, em 1476, na batalha de Toro, contra os castelhanos; depois, em Arzila, no Norte de África. Em 1480, D. Afonso V enviou-o em socorro do Rei de Nápoles contra os turcos, e no ano seguinte vemo-lo na guarda pessoal de D. João II. E, finalmente, na de D. Manuel.
Assombrosa carreira
Albuquerque entrou verdadeiramente para a História já bem maduro, em 1506, no comando de uma frota incorporada à do seu primo Tristão da Cunha. Já estivera na Índia com outro primo, Francisco de Albuquerque, na armada de 1503, mas nada de mais notável dele então chegou ao nosso conhecimento. Agora, a sua missão era a de vigiar a boca do Mar Vermelho, para impedir que dali saísse algum inimigo que molestasse as conquistas portuguesas na Índia.
Bondoso, esmoler, espírito justiceiro
Afonso de Albuquerque, visto pelos seus contemporâneos, era um "homem de estatura média, rosto comprido e corado, nariz um pouco grande"(2), "muito airoso e bem apessoado, expressão sentenciosa" (3). "Trazia sempre a barba mui comprida, [...] e como era alva, dava-lhe grande veneração" (4). Dotado de "um inquebrantável espírito de justiça" (5), era ainda, sempre segundo os seus contemporâneos, bondoso, muito esmoler, piedoso para com os pobres e muito paciente para suportar os sofrimentos que constantemente o assaltavam devido à inveja e incompreensão dos homens. Sofreu especialmente da parte de D. Manuel, rei de Portugal, que não se mostrou à altura do homem superior que governava.
"Inteiramente honesto, dedicado ao Rei e ao seu país, Albuquerque andou na Índia dedicado aos planos grandiosos que levara, sem jamais transigir um instante com a vida doce que todos apeteciam. Dele se pode dizer que foi, no seu tempo, o único capitão da Índia a quem os fumos da pimenta não toldaram o entendimento" (6).
"Nos seus seis anos de governo, sempre manietado pela falta de homens, de navios, de dinheiro, bem como pela estreiteza de vistas e pelas suspeitas do rei, Albuquerque fez sentir a sua influência desde a Arábia ate à China. Apossou-se das chaves do Oceano Índico. A Pérsia, o Sião e a Abissínia solicitavam a sua amizade, ao mesmo tempo em que uma dúzia de reis indianos, inquietos, se informavam dos seus desejos, por meio de embaixadas respeitosas" (7).
Ao lado de D. João II
Afonso de Albuquerque foi o terceiro filho de Gonçalo de Albuquerque, conselheiro do rei D. Afonso V e de D. Leonor de Meneses, filha do primeiro Conde de Atouguia. Nasceu no termo de Alhandra em 1453. Nada se sabe da sua infância, mas, pela cultura que depois demonstrou, sobretudo nas suas famosas cartas e ordenações, vê-se que aprendeu o latim e estudou os clássicos.
Albuquerque aparece pela primeira vez ao lado de D. João II, em 1476, na batalha de Toro, contra os castelhanos; depois, em Arzila, no Norte de África. Em 1480, D. Afonso V enviou-o em socorro do Rei de Nápoles contra os turcos, e no ano seguinte vemo-lo na guarda pessoal de D. João II. E, finalmente, na de D. Manuel.
Assombrosa carreira
Albuquerque entrou verdadeiramente para a História já bem maduro, em 1506, no comando de uma frota incorporada à do seu primo Tristão da Cunha. Já estivera na Índia com outro primo, Francisco de Albuquerque, na armada de 1503, mas nada de mais notável dele então chegou ao nosso conhecimento. Agora, a sua missão era a de vigiar a boca do Mar Vermelho, para impedir que dali saísse algum inimigo que molestasse as conquistas portuguesas na Índia.
Fortaleza de Nossa Senhora da Conceição de Ormuz
Ainda hoje destacada pela sua importância estratégica, a cidade de Ormuz não passou despercebida aos grandes planos de Albuquerque. Consquistada pela primeira vez em 1507, perdida em 1508 e depois retomada em 1515, acabou por ficar sob o domínio português durante mais de um século. A imponente fortaleza, iniciada em 1507 e erguida em condições excepcionalmente adversas, subsiste até hoje como testemunho da vontade de ferro, da coragem e da pertinácia de um dos mais geniais chefes militares portugueses.
Ainda hoje destacada pela sua importância estratégica, a cidade de Ormuz não passou despercebida aos grandes planos de Albuquerque. Consquistada pela primeira vez em 1507, perdida em 1508 e depois retomada em 1515, acabou por ficar sob o domínio português durante mais de um século. A imponente fortaleza, iniciada em 1507 e erguida em condições excepcionalmente adversas, subsiste até hoje como testemunho da vontade de ferro, da coragem e da pertinácia de um dos mais geniais chefes militares portugueses.
Ao separar-se de Tristão da Cunha, depois de dominarem Socotorá e outras cidades menores, começou a estupenda carreira de Afonso de Albuquerque, que contava nessa época com apenas seis barcos e 460 homens, dos quais uma parte enferma, e escassos mantimentos para 15 dias. Com ousadia e determinação, infundindo a sua têmpera nos subordinados, conquistou em acções fulminantes várias cidades das costas da África e da Ásia, inclusive a opulenta Ormuz, na entrada do Golfo Pérsico. Não foi desprezível tal conquista, pois Ormuz estava guarnecida com mais de 30 mil homens de combate, dos quais 4 mil eram arqueiros persas, com fama em todo o Oriente. Na baía havia mais de 400 barcos, dos quais 60 eram poderosas naus bem apetrechadas, e havia espalhadas ao longo do porto mais 80 peças de artilharia para a defesa da terra firme. Como um ciclone, Albuquerque e o seu pequeno número de portugueses desbaratou os navios e apossou-se da ilha, começando a edificar uma fortaleza. Mas a deserção de três dos seus capitães com as suas naus fez com que ele tivesse que adiar a consolidação daquela conquista para outra ocasião. O que de facto se realizou anos depois.
Goa e Malaca, fortemente guarnecidas, sujeitas aos lusos
Goa e Malaca, fortemente guarnecidas, sujeitas aos lusos
Depois de tomar sem grande esforço a fortaleza de Pangim, Albuquerque entrou na cidade praticamente sem dar um tiro. Às suas portas, pôs-se de "joelhos, e, chorando muitas lágrimas, deu graças a Nosso Senhor por aquela mercê que lhe fizera, em lhe dar uma cidade tamanha, e tão poderosa, sem trabalho nem morte de ninguém" (8).
Mas mantê-la não seria assim tão simples. Dois meses depois teve de abandoná-la, após uma heróica luta contra os exércitos de Hidalcão, soberano destronado, que voltou para resgatar a sua cidade com 60 mil turcos, mouros e indianos, 5 mil a cavalo. Mas Albuquerque reapareceu no mês de Novembro seguinte com 20 velas, no dia 25, festa de Santa Catarina, a quem atribuiu depois a vitória. Entrou novamente na cidade, apesar de fortemente defendida, e após renhida luta esta voltou ao domínio dos portugueses, tornando-se, durante cinco séculos, uma das maiores glórias lusas no Ultramar.
Em Malaca, o mais rico centro comercial do Oriente, o génio de Albuquerque e o heroísmo dos seus comandados não foi menor. Cidade imensa, defendida por 30 mil homens, muita artilharia e elefantes amestrados para a guerra, foi atacada por apenas mil e quatrocentos portugueses. A luta durou 15 dias, até que finalmente esse punhado de heróis conquistou a localidade.
Administrador e homem de grande visão
Tanto em Goa quanto em Malaca, empreendeu uma obra administrativa admirável, sábia e eficiente, tornando-se um verdadeiro pai para a populado nativa, a quem defendia com a mais estrita justiça. Quis que cada grupo étnico fosse governado por um dos seus e que se observassem os seus costumes, desde que não fossem imorais. Reduziu os exorbitantes impostos instituídos pelos mouros e cunhou moeda para facilitar o comércio.
Em Goa, foi mais longe. Sabendo que deveria ser a capital de todas as possessões portuguesas no Oriente, estimulou os seus comandados que tinham algum ofício a estabelecer-se na terra, casando-se com mulheres brâmanes e mouras brancas cativas. Dava um dote ao casal, terreno, gado e toda a facilidade para começarem um novo lar. Obteve assim que 450 portugueses se fixassem em Goa, iniciando essa politica inter-racial que foi sempre muito benéfica para Portugal. Havia ainda a vantagem de que, por meio desses casamentos, ia-se propagando a fé de Cristo, pois implicava a conversão das noivas à religião católica.
O plano de Albuquerque, que coincidia com o do rei, era atacar o Egipto pelo Mediterrâneo e pelo Suez. Depois, ir por terra libertar a Palestina. Mas a falta de apoio dos monarcas cristãos fez gorar o plano. No entanto, Afonso de Albuquerque chegou a penetrar no Mar Vermelho e a planear a tomada de Meca com "todos os tesouros que havia nela, que eram muitos, e o corpo do seu mau profeta, para com ele se resgatar a Casa Santa de Jerusalém" (9).
A morte impediu-o de executar esse ousado plano.
Herói vitorioso mas incompreendido
Mas mantê-la não seria assim tão simples. Dois meses depois teve de abandoná-la, após uma heróica luta contra os exércitos de Hidalcão, soberano destronado, que voltou para resgatar a sua cidade com 60 mil turcos, mouros e indianos, 5 mil a cavalo. Mas Albuquerque reapareceu no mês de Novembro seguinte com 20 velas, no dia 25, festa de Santa Catarina, a quem atribuiu depois a vitória. Entrou novamente na cidade, apesar de fortemente defendida, e após renhida luta esta voltou ao domínio dos portugueses, tornando-se, durante cinco séculos, uma das maiores glórias lusas no Ultramar.
Em Malaca, o mais rico centro comercial do Oriente, o génio de Albuquerque e o heroísmo dos seus comandados não foi menor. Cidade imensa, defendida por 30 mil homens, muita artilharia e elefantes amestrados para a guerra, foi atacada por apenas mil e quatrocentos portugueses. A luta durou 15 dias, até que finalmente esse punhado de heróis conquistou a localidade.
Administrador e homem de grande visão
Tanto em Goa quanto em Malaca, empreendeu uma obra administrativa admirável, sábia e eficiente, tornando-se um verdadeiro pai para a populado nativa, a quem defendia com a mais estrita justiça. Quis que cada grupo étnico fosse governado por um dos seus e que se observassem os seus costumes, desde que não fossem imorais. Reduziu os exorbitantes impostos instituídos pelos mouros e cunhou moeda para facilitar o comércio.
Em Goa, foi mais longe. Sabendo que deveria ser a capital de todas as possessões portuguesas no Oriente, estimulou os seus comandados que tinham algum ofício a estabelecer-se na terra, casando-se com mulheres brâmanes e mouras brancas cativas. Dava um dote ao casal, terreno, gado e toda a facilidade para começarem um novo lar. Obteve assim que 450 portugueses se fixassem em Goa, iniciando essa politica inter-racial que foi sempre muito benéfica para Portugal. Havia ainda a vantagem de que, por meio desses casamentos, ia-se propagando a fé de Cristo, pois implicava a conversão das noivas à religião católica.
O plano de Albuquerque, que coincidia com o do rei, era atacar o Egipto pelo Mediterrâneo e pelo Suez. Depois, ir por terra libertar a Palestina. Mas a falta de apoio dos monarcas cristãos fez gorar o plano. No entanto, Afonso de Albuquerque chegou a penetrar no Mar Vermelho e a planear a tomada de Meca com "todos os tesouros que havia nela, que eram muitos, e o corpo do seu mau profeta, para com ele se resgatar a Casa Santa de Jerusalém" (9).
A morte impediu-o de executar esse ousado plano.
Herói vitorioso mas incompreendido
Havia, na administração da Índia, funcionários que estavam directamente ligados ao rei, e que por isso não tinham que prestar contas ao governador. Estes tinham constantes rixas com Albuquerque, que desejava que as coisas fossem rectamente ordenadas. Em vista de tais rixas, os seus desafectos enviavam constantemente cartas ao rei, criticando o grande general. Infelizmente, o monarca acabou por dar ouvidos a esses descontentes. Enviou então um substituto para Albuquerque, que era o seu pior inimigo. E com ele vieram dois capitães que Albuquerque havia remetido ao reino, presos por insubordinação.
Esse facto ocorreu já no fim de 1515, quando Albuquerque se encontrava muito doente. Tal golpe tirou-lhe toda a vontade de viver. Pediu que o levassem para a barra de Goa, para ver mais uma vez a cidade amada, e exclamou:
-- "Mal com os homens por amor de El-Rei, e mal com El-Rei por amor aos homens! Bom é acabar! Acolhamo-nos à Igreja" (10).
Abraçado ao Crucifixo e rezando o salmo Miserere mei, esse gigante entregou a sua alma a Deus na madrugada do domingo, 16 de Dezembro de 1515.
Quando o seu cadáver desembarcou em Goa, sob o pranto geral da população, os gentios exclamavam "que não podia estar morto, senão porque Deus tinha necessidade dele para alguma guerra, que o mandava ir" (11).
Notas:
1. As Excelências da Santa Missa, Editora Vozes, Petrópolis, 1952, p. 26.
2. Gaspar de Albuquerque, Comentários do Grande Afonso de Albuquerque, Coimbra, 1923, Parte I, p. 7, in Costa Brochado, Afonso de Albuquerque, Portugália Editora, Lisboa, 1943, p. 263.
3. Castanheda, História do Descobrimento e Conquista da Índia, Livro 3º, cap. 55, in Costa Brochado, op. cit., p. 263.
4. João de Barros, Décadas da Ásia, Lisboa, 1628, Década II, folha 238, in Costa Brochado, op. cit., p. 263.
5. Costa Brochado, op. cit., p. 265.
6. Id., p. 266.
7. Elaine Sanceau, O Sonho da Índia — Afonso de Albuquerque, Livraria Civilização, Porto, Introdução.
8. Brás de Albuquerque, Comentários Parte II, cap. 20, in Costa Brochado, op. cit., p. 325.
9. Idem, II, parte IV, cap. 7, in Brochado, op. cit., p. 447.
10. Gaspar Correia, Lendas da Índia, vol. 11, parte I, cap. 53, in Brochado, p. 470.
11. Brás de Albuquerque, Comentários, II, parte IV, cap. 46. in Brochado, op. cit., p. 475.
Fonte: "Tesouros da Fé" - Publicação da Associação Acção Família, Nº11, Out./Nov. 2014, Ano I.
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