Muito se tem falado e escrito, nestes últimos tempos, sobre a isenção, concedida à Igreja Católica, do imposto sobre o património imobiliário (IMI), ao abrigo da Concordata entre a Santa Sé e o Estado português.
Diga-se de passagem que este excesso de zelo, por parte do fisco, parece inscrever-se numa política de hostilização da Igreja Católica pela reinante tróica PS-BE-PCP. Com efeito, recorde-se a brutal investida contra o ensino católico, protagonizada pelo Ministério da Educação, com o apoio dos bloquistas e da Fenprof. Graças a Deus, a Igreja, pela voz autorizada dos seus bispos, não alinhou na confrontação, privilegiando assim, em prol da paz social, uma solução consensual. Mas, obviamente, não se podem ignorar estes alarmantes sinais de intolerância religiosa.
A propósito, seria interessante saber se os partidos políticos, que não são propriamente instituições de caridade, embora também sejam essenciais à sociedade e à democracia, pagam o IMI, porque alguns há que têm, como é sabido, um generoso património imobiliário. Veja-se, por exemplo, o caso do antigo Hotel Vitória, um magnífico edifício de seis andares, em plena avenida da Liberdade, no centro de Lisboa, “revestido a mármore” e dotado de “sumptuosos quartos”.
Não se pede aos partidos a austeridade monástica, nem aos políticos – que devem ser justamente remunerados pelo seu imprescindível e meritório serviço à causa pública – o voto de pobreza evangélica. Mas de ambos, partidos e políticos, espera-se a decência de não se concederem privilégios negados às instituições de caridade; e a coerência de não imporem, aos mais necessitados, impostos de que a si mesmos se isentam.
Os impostos servem, entre outras finalidades, para redistribuir a riqueza e, por isso, faz sentido que todos – em especial os bancos, as grandes empresas, os latifundiários e os titulares de grandes fortunas – contribuam, numa medida proporcional às suas posses, para o bem dos mais carenciados, como ensina a doutrina social da Igreja, contrariando tanto o capitalismo selvagem, como o colectivismo totalitário. Mas, sendo a Igreja a principal instituição socio-caritativa do país, não faz sentido que sejam tributados os seus imóveis, porque esta confissão religiosa deles se serve principalmente para suprir o Estado no serviço aos mais pobres. Aliás, as instituições de outros credos, ou não confessionais, que realizam um semelhante serviço social, deveriam também beneficiar desta isenção. Não fazê-lo seria tão absurdo como cobrar o IMI aos hospitais estatais, para subsidiar o Serviço Nacional de Saúde…
Se amanhã o Estado português exigir o IMI às missionárias da caridade, fundadas por S. Teresa de Calcutá, agora muito justamente canonizada, e estas religiosas, na impossibilidade de efectuarem tal pagamento, se virem obrigadas a deixar o país, por falta de condições para realizar o seu trabalho social, não é só a Igreja que o Estado está a prejudicar, mas sobretudo os pobres a quem essas irmãs tão generosamente servem.
Que aconteceria se, pela mesma imposição tributária, se fechasse o convento de Cardais, no Bairro Alto, onde vivem raparigas e mulheres pobres, portadoras de graves deficiências?! Talvez o Estado conseguisse quem zelasse por esse magnífico património imobiliário, mas decerto não encontraria ninguém que, “pro bono”, quisesse dar o extraordinário apoio que as religiosas dominicanas prestam, dia e noite, às deficientes que aí têm a sua casa e família.
Se, pela mesma exigência fiscal, o Vale de Acor, na diocese de Setúbal, deixasse de acolher toxicodependentes, seriam estes e as suas famílias os principais lesados, porque decerto não há, no nosso país, outra instituição que ofereça os mesmos serviços com igual qualidade. E, em Portugal, há milhares de outras instituições católicas que também prestam um inestimável serviço aos mais carentes.
Mas, não é verdade que a Igreja tem também inúmeros edifícios – igrejas, capelas, conventos, etc. – que, não tendo essa vertente social, deveriam ser taxados como quaisquer outros imóveis? Sim, tem, e teria muitos mais se mantivesse também os que lhe foram expropriados, pelo regime liberal, em meados do século XIX, e pela República, nos princípios do século XX. Portanto, se o Estado quer que a Igreja pague o IMI, deveria primeiro restituir os bens imóveis de que, ao longo dos últimos séculos, indevidamente se apropriou, até porque foi também em atenção a esse esbulho que a primeira Concordata da era republicana, a título de compensação, previu para a Igreja Católica um regime fiscal especial. É isto demagogia populista? Não, são ineludíveis imperativos da mais elementar justiça, que decorrem, com necessidade, de factos certos da história recente de Portugal.
Um exemplo paradigmático: a sede do parlamento. O palácio de São Bento foi, como o seu nome indica, um antigo mosteiro beneditino que, portanto, deveria ser restituído a essa Ordem, que aí poderia reinstalar um convento, fazer um hotel de charme ou até arrendar aos deputados da nação que, para o efeito, deveriam pagar uma renda justa, que seria naturalmente elevada, tendo em conta a área em questão e a sua boa exposição solar. Se os actuais ocupantes do edifício pagarem à senhoria o que devem, já agora com os retroactivos correspondentes, com certeza que a legítima dona não deixaria de pagar o respectivo IMI.
Afinal de contas ou, melhor dito, feitas as contas, talvez não seja má de todo a ideia de aplicar o IMI aos edifícios da Igreja Católica. Mas, o Estado devolva primeiro os imóveis que expropriou à Igreja, que depois, não obstante toda a sua acção social, a Igreja paga o IMI!
Nota: A isenção do IMI não se aplica ao Opus Dei, porque os imóveis que esta prelatura da Igreja Católica usa para a sua acção, exclusivamente pastoral, não têm o estatuto de bens eclesiásticos e, portanto, não estão isentos deste imposto.
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