Por Ana Vicente e António Pedro Vicente
O auto de nascimento regista o dia 21 de Março de 1887 como aquele em que foi dado à luz,
no Palácio de Belém, em Lisboa, o primeiro filho de Dona Amélia, Duquesa de Bragança e
futura Rainha de Portugal. Seu pai, o Duque de Bragança, subiria ao trono com o título de
Rei Dom Carlos. O nome completo do Príncipe da Beira, título atribuído ao filho
primogénito, era Luiz Filipe Maria Carlos Amelio Fernando Victor Manoel António
Lourenço Miguel Raphael Gabriel Xavier Francisco d’Assis Bento de Bragança, Orleans,
Saboya e Saxe Coburgo Gotha. Todas as fontes indicam que a atitude da então Princesa
Amélia, face aos seus filhos (Dom Manuel nasceria em 1889) era sempre extremamente
atenciosa e carinhosa. Foi, sem dúvida, uma mãe que desfrutava a função maternal com
grande prazer e que se ocupava muito directamente dos seus filhos, quer na primeira infância
quer durante os anos da adolescência, desejando que em adultos fosses apreciados pelo seu
carácter e não pelo seu nascimento. Garantiu assim a ambos um desenvolvimento emocional
equilibrado. Escrevendo a sua irmã que se encontrava em Paris, Dona Amélia descreveu o
seu bebé como sendo ‘um amor’ e muito inteligente.
A educação do Príncipe Real foi muito cuidadosa e nela se empenhou D. Amélia no
quotidiano. Segundo um servidor do paço, citado pela revista Brasil-Portugal, a Rainha
queria que seus filhos se levantassem às 6. Os seus preceptores, todos do sexo masculino,
deslocavam-se ao Palácio para aí instruírem os ilustres alunos. Os príncipes estudavam até ao
meio dia, almoçavam, recebiam de novo os seus professores e cerca das 15 horas saíam em
passeio, geralmente a pé. Ao fim da tarde faziam os deveres escolares e jantavam por volta
das 19.30.
A partir dos 13 anos de idade, o principal educador de Dom Luiz Filipe foi Mouzinho de
Albuquerque, uma figura militar lendária, algo exaltada, com uma perspectiva muito
pessimista da situação política que o país vivia. Numa carta aberta dirigida ao seu pupilo
declarava que entendia como seu principal dever fazer dele um soldado. Em 1901 Mouzinho
acompanhou o Príncipe a visitar o norte do país, com o intuito declarado de o levar a
conhecer o seu povo. O escritor Rocha Martins, no seu estilo exuberante, refere assim o
herdeiro: “um gentil adolescente, branco, mimoso, de cabelo cortado à militar, sorridente e
tomado de todas as curiosidades” e que teria sido acolhido com o maior carinho no Porto,
passando por Leixões. Deslocou-se ainda a Vila Nova de Gaia, Viana do Castelo, Penafiel,
Grijó, Granja, Braga (incluindo o Bom Jesus), Ponte de Lima, Ponte da Barca, Monção e
Caminha. A visita foi muito comentada e também criticada em alguma imprensa, pois os
jornais republicanos, que tinham toda a liberdade em escreverem o que bem entendessem,
encontravam defeito em toda e qualquer actividade realizada pelos membros da família real,
realizando assim uma propaganda persistente e permanente que acirrava a opinião pública
contra o regime monárquico.
Durante a adolescência, o Príncipe esteve, em várias ocasiões, integrado nas visitas oficiais
que diversos monarcas ou dignitários estrangeiros realizaram a Portugal. Eduardo VII de
Inglaterra visitou Portugal em Abril de 1902, Afonso XIII de Espanha em 1903, o Presidente
da República francês Loubet e a Rainha Alexandra de Inglaterra estiveram no país em 1905.
Nesse mesmo ano o imperador da Alemanha Guilherme II passou por Lisboa, em visita
privada. Em 1902 Dom Luiz Filipe foi a Londres para representar seu pai na coroação do Rei
Eduardo VII, mas esta foi adiada devido a doença do monarca. Também esteve em Madrid
em 1906 para assistir ao casamento do Rei D. Afonso XIII com a princesa Victoria de Battenberg, que ficou marcado pelo violento atentado à bomba contra os noivos, por parte de
um anarquista. Morreram 20 pessoas e houve cerca de 100 feridos.
O Príncipe Real prestou juramento à constituição política em 20 de Maio de 1901, em
conformidade com a Carta Constitucional.
Entre Fevereiro e Maio de 1903 a Rainha D. Amélia achou por bem levar os filhos a fazer
um cruzeiro no Mediterrâneo, não só pelo prazer da viagem mas também com intuitos
educativos. Dom Luiz Filipe tinha sempre a sua máquina fotográfica à mão e os clichés
foram colados num Álbum, relatando esta feliz excursão. O iate Amélia tocou em Cádiz,
Gibraltar, Oran, Argel, Tunis, Malta, Alexandria. Também visitaram o Cairo e Jerusalém e
diversos portos de Itália.
O evento político de maior destaque protagonizado pelo Príncipe foi a viagem que
empreendeu a África entre 1 de Julho e 27 de Setembro de 1907. Visitou S. Tomé e Príncipe,
Angola, Moçambique, as colónias inglesas da Rodésia e da África do Sul (estas últimas para
fomentar as boas relações com a velha aliada) e já no regresso, Cabo Verde. Esta viagem
ocorreu num momento particularmente significativo das querelas internacionais que, anos
antes, tinham eclodido, relacionadas com a tutela portuguesa no imenso território de uma
África então cobiçada e considerada necessária ao progresso europeu. Era ainda necessário
refutar as acusações de esclavagismo em S. Tomé e Príncipe e em Angola, as quais, segundo
o governo português, eram motivadas por rivalidades comerciais. Até aquela data jamais
algum membro da família real se tinha deslocado às colónias portuguesas em África.
A imprensa republicana foi muito crítica face a esta viagem, enquanto outros periódicos
favoráveis à dinastia dos Braganças, davam conta de todos os pormenores das visitas,
sublinhando a autenticidade do carácter do Príncipe e a boa recepção de que era alvo em todo
o lado. Evidentemente que os muitos problemas que existiam nos territórios que à data se
apelidavam quer de ‘Colónias’ quer de ‘Ultramar’, foram de alguma forma torneados ou
ignorados publicamente. Por exemplo, na ilha do Príncipe, poucos dias antes da chegada,
tinha rebentado uma revolta grave pelo que o África, nome do navio que transportava a
delegação oficial, não se deslocou aí. Também havia revoltas no sul de Angola, que
preocupavam o governo.
O regresso foi de novo comentado sob dois pontos de vista opostos. Com virulência da parte
dos republicanos e com palavras admirativas da parte dos monárquicos.
Poucos meses depois, a 1 de Fevereiro de 1908, Dom Luiz Filipe era assassinado, juntamente
com seu pai, o Rei D. Carlos, no Terreiro do Paço, em Lisboa, na carruagem em que seguia
juntamente com sua mãe, a Rainha D. Amélia e seu irmão, Dom Manuel. Este descreveu a
cena num relato doloroso e detalhado de que se citam as seguintes palavras: “Quando vi o tal
homem das barbas que tinha uma cara de meter medo, apontar sobre a carruagem, percebi
bem, infelizmente o que era. Meu Deus que horror. O que então se passou. Só Deus, minha
Mãe e eu sabemos; porque mesmo o meu querido e chorado Irmão presenciou poucos
segundos, porque instantes depois também era varado pelas balas. Que saudades meu Deus!”
Qualquer acto deste cariz violento poderá ter muitas explicações mas jamais qualquer
justificação.
Os traços de carácter e a cuidadosa educação que tinha desfrutado, permitem sugerir que o
Príncipe Real, Dom Luiz Filipe de Bragança, poderia ter vindo a servir o país de forma hábil
e correcta, modernizando as instituições e o estilo da monarquia.
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