Completam-se, 109 anos sobre o mais trágico magnicídio da História de Portugal, episódio que haveria de ficar para sempre conhecido como Regicídio, pois a 1 de Fevereiro de 1908 Sua Majestade Fidelíssima El-Rei Dom Carlos I de Portugal e o Príncipe Real Dom Luís Filipe de Bragança foram assassinados, respectivamente aos 44 e aos 20 anos, num atentado terrorista perpetrado pela Carbonária, organizado em conjunto por esta organização terrorista, pela maçonaria, por republicanos do Partido Republicano Português e dissidentes do Partido Progressista.
Existem sempre diversos graus de culpa – sim, a culpa tem várias camadas -, uns são culpados pelas suas acções, outros pelas suas omissões.
Se o Buiça, o Alfredo Costa foram os agentes perpetradores do assassinato d’El Rei Dom Carlos e do Príncipe Real Dom Luís Filipe, outros há que foram os cobardes que na sombra orquestraram o atentado terrorista, ou que mesmo não participaram sabiam que a causa teria como consequência esse efeito, ou aqueles que sabiam que podia acontecer, mas nada fizeram para o prevenir. Assim, se os regicidas são culpados por dolo directo, outros são-no por dolo indirecto, dolo eventual, negligência grave ou grosseira, ou mesmo por negligência simples.
Existem os autores materiais, que premiram os gatilhos contra as Augustas figuras da nossa Família Real em 1 de Fevereiro de 1908 e os fuzilaram e há os autores morais, como a comissão revolucionária que orquestrou o maléfico evento. Os autores morais nunca foram punidos!
A Carbonária foi uma organização terrorista secreta e armada, oriunda de Itália, e que se instalou em Portugal em 1822, liderada por Luz de Almeida a partir de 1898, que alistava grupos de civis que treinava nas técnicas de combate urbano e anarquista e procedia ao recrutamento de fidelidades nos quartéis entre os soldados e os sargentos. Apoiada pelo próprio grão-mestre do Grande Oriente Lusitano Unido, lançou-se mesmo em atentados bombistas como os do anarquista João Borges. Era paralela da Maçonaria, embora sem vínculo orgânico à Maçonaria Portuguesa, não obstante utilizava algumas lojas do então Grande Oriente Lusitano Unido para aquartelar os seus órgãos superiores, os seus membros eram na maioria também maçons, e colaborou oficialmente com esta Obediência para a tentativa de revolução republicana falhada de 28 de Janeiro de 1908 – conspiração urdida pelos republicanos, pela Carbonária e pelos dissidentes progressistas -, para o Regicídio de 1 de Fevereiro de 1908, e, para a implantação da República, em 5 de Outubro de 1910. A Carbonária era uma organização política, mas de cariz armado, uma espécie de brigada de artilharia, inimiga da Monarquia, do clero e das congregações religiosas. A Carbonária impunha aos seus filiados que ‘possuíssem ocultamente uma arma com os competentes cartuchos’.
O órgão supremo da Carbonária Portuguesa era a Venda Jovem-Portugal, tão secreta que os seus membros não se conheciam uns aos outros e que apenas se reunia em caso de deliberações importantes. O seu Presidente honorário era o Grão-Mestre eleito na Venda Jovem-Portugal e mais quatro Bons Primos nomeados e escolhidos por este de entre os membros da Carbonária Portuguesa. Este era o órgão de gestão da Carbonária Portuguesa e o seu pólo dinamizador principal.
Na Carbonária havia quatro graus: Rachador, Aspirante, Mestre e Mestre Sublime. Os filiados tratavam-se por Primos e por Tu, havendo entre eles sinais de reconhecimento e palavras especiais, e, nas sessões apresentavam-se sempre todos de capuz geralmente negro ou com a cara encarvoiçada, para dificultar a exposição dos chefes, mas os quais, todavia, conheciam os seus homens. O estandarte carbonário era vermelho e verde e nele estava representado um Estrela de Cinco Pontas, que encima o Globo Terrestre e três pontinhos, dispostos em forma triangular com o vértice na parte inferior.
Do lado político das conspirações formou-se ainda um comité revolucionário composto pelos dissidentes do Partido Progressista, Visconde da Ribeira Brava e Alpoim, e, os republicanos Afonso Costa e Alexandre Braga, entre outros e que era conhecido pelo Grupo dos 18. Prepararam então a revolução.
Tudo servia de desculpa para denegrir o governo e o Rei: a maior das crises políticas, que El-Rei Dom Carlos I enfrentou foi, logo no início do seu reinado, o Ultimato britânico de 1890 usado pelos republicanos para inflamar a insatisfação popular e acicatar o ódio à Família Real Portuguesa. O Reino Unido apresentou a Portugal o Ultimato britânico de 1890, que intimava o desígnio expansionista de Portugal, concretizado no Mapa Cor-de-Rosa a desocupar os territórios compreendidos entre Angola e Moçambique num curto espaço de tempo, caso contrário seria declarada a guerra entre os dois países. Assim se perderam importantes áreas e a propaganda republicana aproveitou o momento de grande alvoroço nacional para responsabilizar a Coroa pelos reveses no Ultramar. Em 31 Janeiro de 1891, no Porto deu-se mesmo um golpe republicano, mas que foi debelado.
O que a propaganda republicana não divulgava, pois não lhes interessava, foi o papel do Rei que soube inverter a conjuntura e, fruto do seu exímio dom diplomático instalou Portugal no centro da diplomacia europeia da primeira década do século XX; a questão dos adiantamentos, isto é, das supostas dívidas da Casa Real ao Estado; a greve académica de Coimbra em Março de 1907, com o falso pretexto da reprovação de um candidato a Doutoramento em Direito; que João Franco governava em ditadura – ora acontece que depois de quebrado o apoio dos progressistas, passou a governar à turca, mas tratou-se de uma ditadura apenas administrativa, pois era impossível governar com o Parlamento que não funcionava; havia forte especulação de que Dom Carlos I intervinha muito na governação, ora, por causa da inoperância das instituições, designadamente o parlamento enredado no quiproquó do rotativismo, o Rei era, na prática, obrigado a exercer o poder real por vezes de forma significativa, embora sujeito pela Constituição a actuar no conselho do Gabinete – ou isso ou o País parava enredado no jogo rotativista! D. Carlos, foi até menos intervencionista que o regente D. Pedro, depois de 1834, ou que D. Maria II e Dom Pedro V.
De resto, os inimigos da Coroa, menos que uma ditadura, temiam a hipótese de uma nova forma de reinar, capaz de confirmar um caminho novo para o regime, limpo de toda a ferrugem que encardia a engrenagem da máquina.
Aliás, tudo parecia resolver-se, até porque o partido de João Franco alcança os acordos indispensáveis com os círculos eleitorais de maneira a garantir a desejada maioria, e são marcadas eleições para o parlamento, o que poria fim à ditadura administrativa e permitiria regressar a um cenário de normalidade e equilíbrio parlamentares.
A Família Real encontrava-se em Vila Viçosa desde 6 de Janeiro, no Paço Ducal dos Braganças, e que era tanto do gosto do Rei que apreciava o bucolismo e a vida simples e rural. Só Dom Manuel, após uma curta estadia, apressara a sua vinda para Lisboa com o objectivo de se preparar para os exames da Escola Naval.
Dia 28 de Janeiro de 1908 foi a data escolhida pelo comité revolucionário para a revolução pelas armas, mas um inconfidência de um dos conspiradores fez chegar a notícia da sublevação às autoridades que actuaram de imediato: António José de Almeida, Luz de Almeida, João Chagas, França Borges, João Pinto dos Santos e Álvaro Poppe foram presos imediatamente. Afastados estes, a chefia e orientação do coup recaiu sobre Afonso Costa, mas com a rápida intervenção das forças da ordem comandadas pelo general Malaquias de Lemos, acabou detido juntamente com Egas Moniz e o Visconde da Ribeira Brava de armas na mão, no Elevador da Biblioteca, de onde contavam chegar à Câmara Municipal para proclamar a república. José Maria de Alpoim conseguiu fugir para Espanha. As tropas por agora mantiveram-se fiéis ao regime e Machado dos Santos não conseguiu sublevar o quartel da Marinha em Alcântara, nem Cândido dos Reis apoderar-se do cruzador São Miguel.
João Franco extrapola e decide usar mão-de-ferro preparando um decreto-lei de excepção vaticinando o exílio para o estrangeiro ou a expulsão para as colónias, sem julgamento, de indivíduos que fossem pronunciados em tribunal por atentado à ordem pública e segurança do Estado. El-Rei hesitou, mas reflectindo, após insistência de Franco anui: ‘Cada vez temos mais necessidade acabar com agitação. Aprovo resolução tomada’. Dom Carlos assina o Decreto de 31 de Janeiro que prevê a deportação dos que atentassem contra a segurança do Estado. O Monarca terá, então, dito: ’assino a minha sentença de morte!’. Mesmo assim decide regressar a Lisboa no dia seguinte, para não pensarem que o Rei se escondia.
Quem não parara de se movimentar na sombra era a Carbonária que, com a conivência do mencionado comité revolucionário, urdia um atentado para assassinar a Família Real desde 1907, data em que, numa deslocação a Paris, um grupo de republicanos decidira numa reunião com revolucionários anarquistas franceses assassinar o presidente do Conselho e o Monarca português! Houve depois vários encontros para preparar o atentado, sendo o último na madrugada desse dia 1 de Fevereiro de 1908, nos Olivais, onde uns primos da Carbonária, simultaneamente membros de uma loja maçónica não regularizada, decidem avançar com a impiedade. Decidem assassinar, primeiro o Rei Dom Carlos I, depois o Príncipe Real Dom Luís Filipe, depois o Infante Dom Manuel e, finalmente, a Rainha Dona Amélia.
A Família Real deixou Vila Viçosa às 11h00 de 1 de Fevereiro de 1908 e Dom Carlos I, Dona Amélia e Dom Luís Filipe viajaram de comboio até ao Barreiro onde apanharam o vapor Dom Luís.
Estava uma tarde linda, solarenga e vestida de azul, Dom Manuel, o Infante Dom Afonso, os conselheiros que compunham o governo e vários dignitários e áulicos da Corte, esperavam no cais fluvial de Lisboa o vapor que trazia a Família Real. Dom Carlos I, Dona Amélia e Dom Luís Filipe desembarcam às 17h10m no Terreiro do Paço. Dona Amélia é oblatada com um ramo de flores por uma rapariguinha, Dom Carlos desce de seguida e combina com João Franco reunião no Paço. Trocam-se rapapés vagarosos entre Dom Carlos e o Ministro da Guerra Vasconcellos Porto, e Dom Luís Filipe, o último a descer, vai entretendo boa parte dos 80 elementos que os esperavam, até que o Conde de Figueiró faz saber que as carruagens estavam prontas – pois, ao contrário da insistência do estribeiro-menor Coronel Alfredo Albuquerque, El-Rei decidira que seguiria num laudau de capota descida, prescindindo, dos automóveis. Sobem a carruagem aberta que os levaria às Necessidades. De acordo com o Protocolo, Dona Amélia subiu primeiro e ocupou o lugar à esquerda de frente, Dom Carlos o da direita, Dom Manuel de costas à esquerda e Dom Luís Filipe defronte ao Rei.
O cortejo saiu da estação e evoluía em marcha lenta com a carruagem real à frente e sem grandes medidas de segurança, com uns batedores a cavalo tomando a dianteira e o oficial às ordens a cavalo a ladear o Rei. O laudau seguia, um pouco destacado da comitiva, já nas arcadas à esquerda e quando, quase a dobrar para a Rua do Arsenal, nas arcadas do Ministério da Fazenda, ouve-se um tiro e um grito de ordem: ‘A Eles!!!’ Era a Carbonária!!!!!!
O Duque de Beja, o Infante Dom Manuel, olha perscrutante e repara num indivíduo de densas barbas negras e de varino, no passeio: era o Manuel Buiça! O facínora de olhar vítreo abre o capote e retira uma carabina, atira as faldas do varino para os ombros e corre numa fúria homicida a aproximar-se da carruagem; já na rua ajoelha-se à forma de atirador – com um joelho no chão e a coronha da Winchester 1873, encostada ao ombro! Manuel dos Reis Silva Buiça, professor primário, fixou o olhar duro e frio no Rei e disparou usando como alvo a gola vermelha do capote do pequeno uniforme de Marechal-General do Exército que o Rei envergava! A poderosa bala de calibre 44 acerta em cheio no Rei Dom Carlos, atravessando-lhe o corpo, fracturando a coluna vertebral e saindo pelo maxilar inferior, o Rei faz um esgar, mas abate-se de seguida, morto. Buiça continua a fuzilar El-Rei, o que faz o Príncipe Real, já recuperado do espanto sacar do Colt e disparar 3 tiros na direcção dos cinco terroristas – parece que atingiu José Nunes; Alfredo Costa surge por trás do Rei e dispara-Lhe sobre a nuca, depois coloca o pé direito no apoio de subida do landau e eleva-se ficando ao nível da Família Real, disparando sobre o corpo inerte e tombado de costas do Monarca português. Dom Luís Filipe dispara sobre o terrorista, mas os solavancos fazem-no errar o alvo. Enquanto isso, a Rainha Dona Amélia aos gritos de ‘Infames!’, armada do ramo de flores ofertado à chegada pela criança, flagelava corajosamente o Costa, mas em vão, pois Alfredo Luís Costa vira-se para o Príncipe Real e dispara-lhe em cheio no esterno, mas não mortalmente. O Príncipe Real não nega a sua varonia e corajoso descarrega os restantes 4 tiros no Costa que cai morto da carruagem. Ao ver isso, o Buiça que continuava a espingardearia atingindo Dom Manuel no braço direito, vira-se para Dom Luís Filipe e dispara sobre o já jovem Rei, que não reinaria, pois é atingido em cheio na face esquerda com uma bala que atravessa a cabeça e que sai pela nuca, matando-o. Estava consumado o magnicídio!
O tenente Francisco Figueira trespassou, então, o Buiça com a espada e pôs-lhe um fim. Ainda restavam três terroristas, mas graças à acção do Marquês de Lavradio e do Visconde de Asseca que se colocam a servir de escudo e do sangue-frio do cocheiro Bento Caparica, que mesmo ferido, à brida toda dispara os ginetes em direcção ao Arsenal, os intentos assassinos dos carbonários não conseguem completar o plano gizado e Dom Manuel e Dona Amélia sobrevivem. Os outros carbonários, acabaram, também, às mãos do sabre ou da pistola da guarda.
Uma mulher do povo exclama: ‘- Mataram agora o Rei!’
‘Mataram o Rei! Mataram o Príncipe Real!’, eram 17h20m, a terrível notícia espalha-se pela capital. Estava consumada a tragédia do Regicídio!
João Franco e Vasconcellos Porto, corriam a pé atrás da carruagem real!
A Monarquia estava ferida de morte pelos golpes desta tragédia!
‘O meu Pai… o meu Irmão!!!!’
O Rei morreu… duas vezes!!! Dom Manuel era o novo Rei, obrigava-o o dever do trono e destino dos Reis… reinar sobre a morte de quem lhe deu vida!
Miguel Villas-Boas
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