“Nós somos livres, nosso Rei é livre,
nossas mãos nos libertaram”.
Grito da Liberdade Portuguesa
(Das míticas Cortes de Lamego – Almacave)[1]
Comemorou-se a cinco de Outubro, os 874 anos do Tratado de Zamora (de 1143), em que nesta cidade do então Reino de Leão, estando presente o Rei D. Afonso Henriques, o Rei Afonso VII e um delegado do Papa, Cardeal Guido de Vico, foi reconhecido a passagem do Condado Portucalense, a Reino e confirmado o título de “rei” ao filho de Henrique da Borgonha.
É também comemorada a implantação do regime republicano em Portugal, evento ocorrido há 107 anos (1910).
O primeiro é evocado apenas em Coimbra, na Igreja de S. Cruz, onde repousam os restos mortais do fundador da nacionalidade portuguesa e do seu filho D. Sancho I.
E a iniciativa de tais comemorações é da Real Associação de Coimbra a que, por norma, se associam as suas congéneres de Aveiro e Viseu.
Em boa hora o fazem.
O resto do país ignora o evento, salvo uma ou outra iniciativa académica ou patriótica.
A evocação da República é feita um pouco por todos os 90.000 km2 que nos restam, mas apenas pelas autoridades do Estado, e de alguns autarcas, mais por dever de ofício e cumprimento de calendário, do que por qualquer tipo de convicção ou doutrina.
Até a Maçonaria deixou, há muito, a coisa perder o viço…
Aliás a comparação do que se passou lado a lado em Coimbra – já que a Câmara Municipal se situa adjacente ao vetusto templo que serve de “Panteão Nacional” aos dois primeiros monarcas – ilustra bem o ponto em que estamos.
A cerimónia republicana durou uns 20 minutos onde se hasteou a bandeira do regime ao som de “A Portuguesa”, hino patriótico contra a humilhação do ultimato de 1890 e logo aproveitado para hino da República, quando devia ser apenas “Nacional”, e finalizou com mais duas marchas. Por todo, não juntaram 50 pessoas, mesmo tendo em conta os mais de 20 elementos da banda filarmónica contratada para abrilhantar a cerimónia, transeuntes e turistas de ocasião.
Ao menos a Igreja estava composta com cerca de 200 pessoas, missa evocativa, bandeiras, coral, palavras sentidas, deposição de flores.
Foi simples, mas teve elevação; deu-se preferência ao espiritual, à bem-aventurança e à perenidade da Pátria.
Como convém à verdadeira Aristocracia do Espírito.
Ao contrário do momento republicano, laico – apesar da Nação não o ser – efémero, sem alma.
De um lado o enlevo espiritual da independência – a soberania é a questão mais séria de qualquer povo – o apelo à coesão da individualidade e a identidade portuguesa e a continuidade da sublimação pátria.
Do outro, comemora-se a divisão dos portugueses, a luta ideológica fratricida, o apelo ao nada.
E cujo substrato se baseia numa revolta armada ilegal, que nada justificava, antecipada de um crime de regicídio e que nunca teve sequer a coragem de se referendar.
A Monarquia teve sempre em conta a “Res pública” – (do latim “coisa do povo” ou “coisa pública), ou seja o governo da cidade, enquanto a “República”, além de ter traços antinaturais, representa a perturbação permanente no governo da cidade. É o granel institucionalizado.
Não é seguramente por acaso que às casas onde grupos de estudantes, da Universidade de Coimbra, resolvem viver juntos, se dá o nome de “Repúblicas”…
Apenas uns comentários finais sobre a data do Tratado de Zamora, que pensamos dever continuar a ser comemorado, mas não com o carácter de dia da independência de Portugal, já que nunca se chegou a nenhum consenso sobre tal. Daí o dia de Portugal ser a 10 de Junho, mas também aí não se comemora bem a independência.
A questão não é pacífica e podemos ilustrá-la do seguinte modo:
A independência, “de facto”, ocorreu no dia 24 de Junho de 1128, no fim do combate de S. Mamede, onde os interesses do Condado Portucalense, se individualizaram, face ao Rei de Leão (que incluía a Galiza), e ao Conde Fernão Peres de Trava, que pretendia assumir o controlo do Condado, tendo em conta a vitória obtida.
Muitos outros combates foram necessários para a completar. Mas essa tarde, pode, e deve, ser considerada a primeira tarde portuguesa!
Poderíamos ainda considerar o dia 25 de Julho (de 1139), como data a considerar, já que no fim da batalha de Ourique os guerreiros da hoste portuguesa elevaram Afonso Henriques a Rei, à maneira visigótica (ele até essa data intitulava-se “infante” ou “príncipe”); ou algures em 1140, ano do primeiro documento em que Afonso Henriques aparece já como Rei (o que foi aproveitado para se comemorar o duplo centenário da Fundação e da Restauração, em 1940), ou até o 14 de Maio de 1179, data em que, finalmente, o Papa Alexandre III (a fonte do Direito Internacional, na altura), através da Bula “Manifestis Probatum”, reconhece a soberania do Reino de Portugal, apesar do nosso Rei nunca ter pago a quantia acordada em onças de ouro…
Temos assim, que o Tratado de Zamora configura “apenas” um reconhecimento “de jure”, digamos a nível regional, mas mantinha uma vassalagem de Afonso Henriques a Afonso VII, já que este se intitulava “Imperador de toda a Hispânia”. E não estamos com isto a retirar importância ao tratado.
Deste modo parece-me que a data mais consentânea para se assumir como a da independência nacional, seja a de 24 de Junho, pois essa data é que deu início e permitiu tudo o resto, e só se reconhecer “de jure”, algo que já existe “de facto”!
Tendo-se ainda em conta o gesto de Afonso Henriques ao armar-se cavaleiro a si próprio, em 1125, (também em Zamora) e não se ter conhecimento certo da data das míticas Cortes de Lamego – Almacave, que terão proclamado a independência e liberdade do Reino, por não haver prova documental de que se tenham realizado.
E enquanto não houver uma decisão abalizada – já não direi consensual – sobre o assunto, e ao fim de tantos séculos não acredito que vá haver, nem tão pouco se vislumbra qualquer órgão do Estado, ou instituição, que queira discutir o assunto, pois que se continue a comemorar o Tratado de Zamora, para não nos esquecermos de quem somos e de onde viemos.
Fazê-lo, mesmo sem o querer, e não sendo esse o objectivo, em contraponto a uma data funesta, em que ocorreu uma revolução que melhor seria não ter existido, também não parece de somenos.
Afonso Henriques, meu velho “pai”, repousa lá no céu eternamente, e faz com que a tua Espada, Valentia e Saber, continue a proteger a doce terra Lusitana.
João José Brandão Ferreira
Oficial Piloto Aviador
[1] Ressurgido no início da Restauração, em 1640; adaptado pelo Integralismo Lusitano.
Fonte: O Adamastor
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