quarta-feira, 18 de outubro de 2017

Em novo dia de luto, a NP ajuda-o a perceber o drama dos incêndios

Foto de Nova Portugalidade.

Ao contrário de uma certa crença muito difundida, o processo de desarborização – a chamada crise florestal – não é um fenómeno recente, mas iniciou-se nos séculos XV e XVI com a destruição da economia rural medieval. Arroteamentos, alargamento do espaço destinado ao pastoreio extensivo e procura de madeira «grossa» destinada aos estaleiros navais de Lisboa, Porto, Aveiro, Viana e Lagos, provocaram a destruição das paleo-florestas.

No início do século XIX, quase todas as terras estavam nuas de arvoredo e os bosques das terras altas recebiam golpe sobre golpe num país onde a lenha rareava. Os quadros oferecidos pela literatura portuguesa de base provinciana são eloquentes desse país escalvado, poeirento e pedregoso.

Em 1867, o Relatório da Arborização, primeiro estudo sério produzido em Portugal, mostrava que apenas 7% do território era arborizado. Portugal era um imenso deserto. Com a criação do Regime Florestal (1901), o governo da monarquia apontou o rumo para a rearborização do território entre o Minho e o Tejo. Contudo, a implantação da república, a crise económica, a penúria crónica e a desorganização do Estado tornaram impossível responder à grave crise ambiental que assumia proporções de desastre. Teve de se esperar pelo advento do Estado Novo para que entrasse em execução o Plano de Povoamento Florestal (1938), inspirado nos programas então em voga nos EUA e Europa, o qual prolongou-se até 1972 e foi efectivamente cumprido.

Optou-se pela plantação extensiva do pinheiro bravo, a melhor solução para impedir a erosão dos solos, mas igualmente pela criação de uma polícia florestal e quadros técnicos do Estado com a incumbência de preservar o património florestal. Em 1965, 33% da superfície do país estava já coberta de matas. Os incêndios rareavam. A área de fogos nas décadas de 1950 e 1960 não excedia os 5000 hectares/ano. Veio a revolução, as estruturas entraram em colapso e só em 1975 arderam 80.000 hectares ou seja, o equivalente à soma de todos os incêndios verificados no país entre 1951 e 1974. A devastação continuou. Entre 1976 e 1981, a área anual de fogos foi de 40.000 hectares. O que restava da indústria das florestas entrou em colapso ao longo das décadas de 1980 e 1990. Desde então, verifica-se uma perda anual de 2% da superfície da mancha florestal.

A agravar o quadro de desastre, a indústria das celuloses entrou em força, implantando o famigerado eucalipto, espécie voraz que devastou os solos, a mata e a flora nativas, esgotando igualmente os lençóis freáticos. Ao longo das últimas duas décadas, tendo perdido competitividade, a indústria do papel entrou em recessão. Não sabendo o que fazer com o que restava das nossas florestas, o “poder autárquico” aproveitou-se da falta de autoridade do poder central e lançou mão à destruição do mínimo de racionalidade ainda existente. A absurda política de abertura de estradas para nenhures, as célebres “rotundas”, os loteamentos, os “parques industriais” que jamais passaram da fase de destruição dos bosques pré-existentes, os campos de golfe e “projectos de urbanização” que retiraram populações de cidades e vilas para a conurbação dos velhos centros urbanos, empurrando-as para áreas de bosque, deixaram-nos à beira do precipício. Ora, como as matas não dão votos, e como todo o regime vigora nesta criminosa inconsciência demagógica de “obras”, o que resta da floresta portuguesa está condenada à desaparição.

Não, a floresta europeia não está em regressão, mas em expansão. A excepção é Portugal. Porquê ?

Miguel Castelo-Branco


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