sexta-feira, 27 de dezembro de 2019

Natal: doçura e esperança


Doçura é ternura. Mas também bondade. E paz. E sabedoria virtuosa.

Doçura é feminina. Associada à vida nascente. À uterinidade materna. 

Doçura precisa de ser constante, equilibrada, com quietude. Numa só palavra, mansuetude.

Está perto o Natal, símbolo máximo da Vida e da paz. Hoje, como há 2000 anos, continua a estar também impregnado de doçura maternal. Maria deu à luz o Seu Filho na discrição e despojada de conforto, mas plena de doçura. “Anuncio-vos uma grande alegria” (Lc 2,10) é a mensagem das mensagens. Docemente, a vitória da vida sobre a morte.

O Natal transporta na minha memória de adulto o imaginário infantil feito de sonho, doçura, afecto, idealismo, bondade. Porque o Natal tem uma incomparável magia que advém (e não desaparece) do espírito de criança. Talvez por isso, o melhor não é tanto a data, mas a atmosfera do antes, porque o melhor não é o chegar, mas o ir ao encontro. Docemente.

Há doçura na ambiência e na iconografia natalícias. Na policromia que lhe está associada e na polifonia que o simboliza. No sorriso das pessoas e na alegria esperançosa lida nos olhos das crianças. No presépio renovado. No pinheiro de Natal e nas pinhas resinosas. Na doçura de Belchior, Baltasar e Gaspar e na fragrância do incenso. Na fértil romã que dá sabor à união das partes. Na estrela-do-Natal, que nos olha no meio de companheiras flores.

Há doçura no voltar a ser menino. Mas há amargura no Natal que já não é. No Natal com a pressa do nada, do que se compra com o peso do vácuo ou, já na ausência do pensar, dos litros de ansiedade destilados. No Natal impositivo, que quase anula o tempo e o espaço para se olhar o outro, olhos nos olhos. No Natal que passa sem se passar. Como nas fotografias que se tiram para depois exibir o que se fotografou sem nunca se ter visto com os olhos.

A doçura de dar cede lugar à amargura de ter de dar. A serenidade do pensamento da escolha cede passo a favor do turbilhão de uma escolha que já não o é. O oferecer, como acto que vale por si só, esfuma-se na conta corrente que confronta o que se dá com o que se recebe, medido mais em moeda do que em valores de vida e de relação.

A doçura do dar só é boa se for natural. Dar só vale a pena se a pessoa que recebe está antes da prenda que se entrega.

Associo, também e muito, a ideia de esperança natalícia ao musgo.

Musgo de esperança, perguntará o leitor? Como então, se o pobre musgo nem sequer tem raízes, como briófita que assim nasceu? Como então, se não tem sementes para se reproduzir, nem flores e frutos como fonte de vida? Como então, se está condenado ao nanismo por não ter um verdadeiro sistema vascular de condução da seiva?

Todavia, insisto na defesa do musgo como sinal de esperança.

Para isso peregrino (per agros, pelos campos) até ao Natal da Vida.  

Gosto da ideia de esperança que engravida o Natal. 

Gosto da atmosfera do Natal e da Epifania. E gosto do presépio. E do musgo que lhe dá leito e união.

O musgo é, por definição, sinestésico. No seu cheiro inigualável em terra molhada, no seu aveludado tatuar, na quietude da sua extensão, no olhar enternecido de quem nos quer aconchegar. Um milagre da natureza: estes minúsculos corpos nem provêm dos óvulos de um ovário, nem têm um embrião e, no entanto, germinam como uma semente. 

Natal, ainda e sempre, uma doçura tão docemente adoçada. No encontro e no reencontro. Com o futuro gerado no passado. Com azevinho, alecrim e rosmaninho.


ANTÓNIO BAGÃO FÉLIX


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