terça-feira, 7 de abril de 2020

A Igreja, no olho do furacão


Onde está a Igreja nesta guerra mundial, que é a pandemia do coronavírus? Está, como sempre esteve, na linha da frente ou, se se quiser, no “olho do furacão”.

A Igreja está, com certeza, em muitas das vítimas – sacerdotes, religiosos e leigos – em muitos dos médicos, dos enfermeiros e auxiliares, que têm sido recentemente, com toda a justiça, alvo da gratidão e homenagem pública. Também está em alguns dos funcionários públicos, dos farmacêuticos, dos empresários, dos jornalistas, dos operários, dos agricultores, dos comerciantes e de tantos outros que, com o seu trabalho, permitem que a sociedade, afectada por esta tão grave epidemia, não colapse. Mas também está na esquecida, mas não por isso menos heróica prestação de tantos capelães hospitalares, que permanecem no seu posto, servindo todos os doentes e as suas famílias, dando também apoio às equipes médicas, tantas vezes gastas até à exaustão.

A este propósito, Religión en libertad entrevistou o Padre Benito Rodríguez Regueiro. Capelão do Hospital Álvaro Cunqueiro, em Vigo, tomou uma decisão invulgar: não abandonar o hospital enquanto esta pandemia durar. Aí, no seu posto, servindo os doentes com o seu ministério pastoral, não menos necessário do que o dos médicos e enfermeiros, quer ficar até ao fim. Decidiu tomar esta atitude por duas razões: prestar, a todos os pacientes que queiram, os serviços espirituais para que está habilitado; mas também evitar que outros sacerdotes, indo a esse hospital, se possam contagiar, em cujo caso ficariam, como é óbvio, impedidos de posteriores contactos com os fiéis.    

Como confidenciou o Padre Benito Rodríguez, trata-se de ajudar o doente a viver a sua doença: “procurar que esteja calmo, ou aliviar o seu sofrimento, é (…) também uma grande oportunidade para que o paciente se consciencialize de como está a viver essa solidão. É um momento oportuno, se for o caso, para preparar a sua despedida deste mundo: os doentes terminais têm muito que agradecer, muito que perdoar e muito que confiar”.

As peculiares circunstâncias desta pandemia dificultam, como é óbvio, o exercício do ministério sacerdotal, que pressupõe e exige proximidade, nomeadamente física, porque também os capelães estão obrigados a observar as normas de segurança impostas a todos os que convivem com pessoas infectadas com este novo coronavírus. Como reconhece o capelão do Hospital Álvaro Conqueiro, um dos aspectos mais dolorosos desta pandemia é “não poder abraçar, não poder tocar, não poder chorar com os doentes”. Mas essa separação física não é razão para que o sacerdote não exerça, com a devida prudência, o seu ministério: “o que não se pode fazer, é uma pessoa enterrar-se vivo: a vida continua e temos que continuar a fazer o que temos que fazer, com serenidade, com a ajuda da oração e dos amigos”.

Ante os numerosos óbitos verificados no país vizinho, uma enfermeira comentou ao Padre Benito que, seguramente, agora tinha muitos funerais. A sua resposta foi expressiva de quem sabe que a Igreja não é de mortos, mas de vivos: “Oxalá tivesse mais trabalho, mas fosse no confessionário! Quero com isto dizer que as pessoas precisam é de pedir perdão e viver como agora se está a viver: que os vizinhos falem uns com os outros e que isto não seja apenas uma coisa para agora. Também quando rezamos, o não podemos fazer a um desconhecido, mas a alguém concreto, que tem um rosto. Há muitas pessoas que procuram no ioga uma resposta: com certeza que essa prática é muito boa como exercício físico e mental, mas essas experiências não são uma resposta, nem levam a pessoa a ter uma atitude de serviço aos outros. Só o Evangelho o pode fazer, quando uma pessoa se entrega”.

Também entre nós, há exemplos admiráveis, como muito justamente referiu o Expresso, na sua edição de 28-3-2020. O Padre Fernando Sampaio, responsável pela Pastoral da Saúde do Patriarcado de Lisboa e capelão do Hospital de Santa Maria, há mais de trinta anos que trabalha nos hospitais. “Está na primeira linha do combate” mas, inicialmente, foi condenado a ficar nos bastidores”, porque “os planos de contingência, elaborados pela Direcção Geral de Saúde (DGS)”, não contemplavam a assistência espiritual.

Também o Padre Pedro Durrer, capelão do Hospital Curry Cabral está no “olho do furacão”, apesar de dispensado de todos os serviços pela administração hospitalar. No entanto, fez questão em se apresentar, “todos os dias”, no hospital de que é capelão e estar disponível para “quem precisar”.

Em boa hora o Expresso, de 28-3, e o Observador, de 31-3, denunciaram as dificuldades referidas publicamente pelos capelães hospitalares pois, com posteridade, a 1 de Abril, a Coordenação Nacional das Capelanias Hospitalares esclareceu a situação. Com efeito, nesse comunicado reafirma-se que os capelães hospitalares “continuam a ter direito e acesso à assistência espiritual e religiosa”. Não obstante as dificuldades iniciais experimentadas pelos capelães dos Hospitais de Santa Maria e Curry Cabral, o impasse parece ter sido já ultrapassado, na medida em que já “não estão impedidos de prestar assistência espiritual ou religiosa”, não existindo, neste momento, “nenhuma norma, regra ou orientação da DGS e/ou das Administrações Hospitalares nesse sentido”.

Os capelães hospitalares, que “cumprem voluntariamente as medidas de contingência existentes nos hospitais, como todos os profissionais”, reafirmam assim o seu empenho “em colaborar com a DGS e com todos os profissionais da saúde”, fazendo a sua “parte”, que não é pouca, sobretudo em momentos de crise. Como dizia o Padre Pedro Durrer: “Estamos cá para estar na frente do combate. Não há medo (…). Talvez a minha missão seja mesmo essa: ser profeta da esperança.”

P. GONÇALO PORTOCARRERO DE ALMADA

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