quarta-feira, 17 de novembro de 2021

«O nome, o programa e a eleição do Papa Francisco parecem-se todos com os frutos das cuidadosas e calculadas manobras da máfia», sugere Julia Meloni

 


Particularmente ao longo do último meio século, a eleição dos Sumos Pontífices tem suscitado muitas controvérsias, alimentado paixões e provocado longas e, na maioria das vezes, inconclusivas discussões. É inegável a pressão que diversos grupos têm levado a cabo para influenciar e condicionar a acção vaticana, sendo conhecida a máfia de São Galo, a ala ultraprogressista da Igreja em que se contavam nomes como os dos Cardeais Martini, Silvestrini e Bergoglio, o actual Papa Francisco. Para contribuir para esta ampla e complexa questão, a cronista Julia Meloni, que se tem dedicado ao estudo específico do grupo de São Galo, publicou recentemente a obra A Máfia de São Galo – Expondo o grupo reformador secreto dentro da Igreja, ainda não disponível em português, a que o portal Dies Iræ já teve acesso. Ao longo das cerca de duas centenas de páginas, a autora faz revelações que ajudarão o leitor a compreender alguns dos factores que têm fortemente contribuído para a profunda crise que abala a Igreja Católica. O portal Dies Iræ entrevistou, em exclusivo, Julia Meloni, tendo agora o grato prazer de oferecer o resultado da entrevista aos seus leitores.          


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1. Permita-nos, antes de mais, que lhe agradeçamos pela grande honra que nos concede ao dar-nos esta entrevista em exclusivo. O que a levou a escrever o livro A Máfia de São Galo – Expondo o grupo reformador secreto dentro da Igreja?     

Fiquei fascinada e perturbada pela máfia de São Galo desde que li, pela primeira vez, O Papa Ditador, de Henry Sire, cujo primeiro capítulo é sobre a máfia. Depois de escrever uma série de artigos relacionados com a máfia para a Crisis Magazine, comecei a pensar em como não existia um minucioso livro de investigação da máfia em inglês e como precisávamos de um cronista para reunir o que sabemos sobre a máfia e contar a sua história.         

2. O seu novo livro é um precioso contributo para a complexa questão da eleição dos Pontífices do último meio século e para a presumível influência que grupos, como a máfia de São Galo, têm tido em tão delicados processos. O título que deu ao primeiro capítulo da obra, Guerra, é bastante intrigante. De que guerra estamos a falar e que tipo de armas são usadas pelos seus artífices?     

O título da primeira parte do livro – Guerra – alude a um episódio do segundo capítulo, Silvestrini. Aí ficamos a saber que um cardeal anónimo se deparou com o cérebro da máfia, o Cardeal Achille Silvestrini, na noite da eleição do Papa Bento XVI, em 2005. Segundo o cardeal anónimo, Silvestrini parecia derrotado e dava a impressão de declarar uma espécie de guerra contra Bento.         

O resto da primeira parte deixa claro como era esta guerra e quais eram as suas armas. Ficamos a saber, por exemplo, que se crê que Silvestrini divulgou um diário do conclave que deturpava o número de votos para Bento, a fim de o desestabilizar. Ficamos também a saber que três outros membros da máfia estavam a travar as suas próprias guerras: o Cardeal Carlo Maria Martini, que queria um novo concílio, o Cardeal Walter Kasper, que queria subversivamente enfatizar a igreja local, e o Cardeal Godfried Danneels, que queria travar uma guerra contra a Humanæ Vitæ.        

3. A certa altura, refere que Jorge Mario Bergoglio, surpreendentemente considerado por muitos, aquando da sua elevação ao cardinalato, um conservador, foi apresentado, pelo Cardeal Carlo Maria Martini, falecido Arcebispo de Milão, ao grupo de São Galo. Todavia, mais adiante, refere que havia um conflito entre Bergoglio e Martini, ambos jesuítas, dado que este segundo seguia claramente a linha do célebre P. Pedro Arrupe, s.j., ao passo que o argentino seria mais “moderado”. Nas vésperas da eleição do Cardeal Joseph Ratzinger, a máfia de São Galo, reunida no apartamento do Cardeal Achille Silvestrini, considerou Bergoglio o melhor candidato a assumir a Sede de Pedro. Contudo, tal não aconteceu, tendo sido eleito o “braço direito” de João Paulo II. Na sua opinião, Martini ficou mais descansado com a eleição de Ratzinger do que com a de Camillo Ruini. Não será que também ficou satisfeito por Bergoglio, o seu “cordial opositor” dentro da máfia, não ter sido eleito na altura?     

Penso que Martini, com base nas provas que temos de Nicholas Diat, certamente não quis apoiar Bergoglio e, portanto, deve ter sentido algum alívio quando o latino-americano não foi eleito. E, sim, vários observadores do Vaticano sugerem que Martini preferiu transferir os seus votos para Ratzinger, no final, para evitar um resultado pior – nomeadamente, a ascensão de Ruini ao Papado.

4. É possível demonstrar desde quando esse grupo de cardeais começou a reunir-se em São Galo? Nesse começo, já tinham uma agenda definida ou essa foi aumentada e corrigida com o tempo?    

A narrativa oficial, articulada na biografia do Cardeal Godfried Danneels, é que a máfia de São Galo começou a reunir-se por volta de 1996. No entanto, astutos observadores do Vaticano, como Maike Hickson, salientaram que um grupo chamado Conselho das Conferências Episcopais Europeias (CCEE) funcionou efectivamente como uma espécie de precursor da máfia porque dois dos seus presidentes – Basil Hume e Martini – tornaram-se membros da máfia. 

Em termos da agenda da máfia, sabemos que já tinham utilizado o CCEE como uma espécie de estrutura de poder alternativa ou «magistério paralelo», como aponta Maike Hickson. Sabemos também que apenas alguns anos após as suas reuniões oficiais, em 1999, Martini estava a levantar o tema de um novo concílio. Assim, não é difícil supor que a sua agenda tenha sido, em grande parte, definida desde o início. De facto, ficamos a saber, com a biografia de Danneels, que a essência do seu programa era simplesmente a comum oposição a Ratzinger.      

5. O desaparecido Arcebispo de Malinas-Bruxelas, Cardeal Godfried Danneels, um dos integrantes do grupo de São Galo, referiu-se a esse como uma “máfia”. No linguajar comum, o termo “máfia” é associado a uma organização criminosa. Considera que esses cardeais “conspiravam” para impor um programa de governo ao Pontífice que saísse eleito do Conclave?          

A autodesignação como “máfia” é, certamente, uma curiosa e reveladora escolha. Estavam claramente a traçar uma revolução na Igreja – um programa específico que começou com a proposta de Kasper sobre a Comunhão para os divorciados e recasados civilmente. Temos amplas provas de que Martini e outros tinham codificado esta agenda ao longo de muitos anos. Quanto à forma como a iriam implementar, é evidente que uma pessoa específica deveria executar o programa da máfia: Bergoglio. Assim, é revelador que, por exemplo, poucos dias após a sua eleição, o Papa Francisco elogiou especificamente o Cardeal Walter Kasper, pondo em marcha o antigo plano da máfia para prosseguir a proposta de Kasper.   

6. No dia 1 de Março de 2013, uma dúzia de dias antes da eleição de Francisco, o ainda Cardeal Bergoglio, Arcebispo de Buenos Aires, visitou e jantou com o Cardeal Cormac Murphy-O’Connor, na altura já Arcebispo emérito de Westminster. No dia seguinte, um cardeal, que se manteve no anonimato, disse à comunicação social que seriam suficientes quatro anos de pontificado de Bergoglio para «mudar as coisas». Rapidamente Murphy-O’Connor augurou que o argentino, no caso de ser eleito Pontífice, como veio a acontecer, se pudesse manter no cargo durante muitos mais anos. Crê que a eleição de Francisco I foi o concretizar dum plano maquiavélico de São Galo?

Há provas copiosas, reunidas no meu livro, que mostram que o Cardeal Murphy-O’Connor e outros ex-alunos da máfia empurraram para a eleição de Bergoglio em 2013. Um detalhe curioso que eu gosto de salientar é este: como é que o Papa Francisco obteve o seu nome? Todos conhecemos a história de como o Cardeal Hummes disse a Bergoglio, aquando da sua eleição, para não esquecer os pobres, e assim Bergoglio pensou espontaneamente no nome “Francisco”. Mas, de facto, o Cardeal Danneels apelava repetidamente a um novo Francisco já nos anos 90 e apenas algumas semanas antes do conclave de 2013. Assim, o nome, o programa e a eleição do Papa Francisco parecem-se todos com os frutos das cuidadosas e calculadas manobras da máfia.

7. Acredita que a renúncia de Bento XVI ao Papado, anunciada a 11 de Fevereiro de 2013, contou com o apoio e também com a influência do grupo de São Galo? Segundo nos é dado saber, o Papa Ratzinger terá conversado com Martini, já em meados de 2011, sobre a eventualidade da renúncia ao Pontificado. Bento XVI não foi suficientemente capaz de afastar os lobos que tanto parecia temer e a que se referiu, a 24 de Abril de 2005, na homilia de início do Ministério Petrino? Ou, pior, ter-se-á Bento XVI deixado rodear desses lobos?

A resignação de Bento é um enigma, mas parece que o papa alemão era uma pessoa de confiança que estava rodeada de lobos. O que o livro relata é o seguinte: primeiro, que Martini se gabou de ter várias reuniões privadas com Bento em 2011 e em 2012; segundo, que disse a um confidente, em 2012, que esperava que Bento se demitisse «em breve»; terceiro, que o confessor de Martini contou que, em Junho de 2012, Martini disse a Bento para resignar; quarto, que Martini disse ao seu confidente que um novo conclave poderia muito bem eleger o cardeal conservador Angelo Scola. E, por isso, colocam-se algumas questões: será que Martini, no mínimo, ajudou a assegurar a Bento que abdicar era a decisão certa, se Bento já estava a planear resignar? Ou será que a influência de Martini era ainda mais ominosa do que isto? O livro é deliberadamente contido na interpretação destas provas, permitindo ao leitor dar sentido a estes factos. 

8. Uma vez que a Constituição Apostólica Romano Pontifici eligendo, de Paulo VI, publicada a 1 de Outubro de 1975, proíbe qualquer injunção exterior para influenciar a eleição de um novo Papa, como qualificaria a máfia de São Galo?   

Os parêntesis do livro colocam a questão do tipo de sanções em que podem ter incorrido os ex-alunos da máfia devido às suas actividades sombrias. Sobre esta questão, adiro aos especialistas nesta área.    

9. Nos anos 70 do século passado, o Cardeal Walter Kasper, muito próximo de Bergoglio e da máfia, levou a cabo uma autêntica cruzada em prol da admissão dos adúlteros à Sagrada Comunhão. Com Amoris Lætitia, em 2016, Francisco vem defender, de forma inequívoca, ainda que igualmente engenhosa, esta prática sacrílega. É mais uma vitória para São Galo e para Kasper ou, pelo contrário, não passa de uma tentativa de Bergoglio contentar aqueles que o sustentam sem realmente se comprometer?         

Peritos do Vaticano, como Sandro Magister, relataram durante algum tempo que o então Cardeal Bergoglio tinha a prática de dar a Comunhão a cada pessoa que se apresentava para a receber. Magister sugeriu que esta era uma razão poderosa pela qual a máfia de São Galo estava interessada no latino-americano para papa. Por isso, creio que o Papa Francisco não estava apenas a tentar pacificar os seus apoiantes com Amoris Lætitia; pelo contrário, no texto usa a dissimulação para fazer avançar uma prática em que ele mesmo está comprometido.          

10. Ainda em relação a Amoris Lætitia, há quem defenda que se trata de um verdadeiro “testamento” do Cardeal Martini. Qual é a veracidade desta teoria?          

Penso que é bem verdade. O historiador Roberto de Mattei argumentou convincentemente que a essência de Amoris Lætitia está contida no «último testamento» de Martini – a entrevista final que deu, publicada, em 2012, imediatamente após a sua morte. Nesse testamento, Martini falou especificamente de levar os sacramentos aos divorciados e aos recasados civilmente, prefigurando, assim, o ressurgimento da proposta de Kasper nos sínodos sobre a família e, depois, em Amoris Lætitia.        

11. Numa entrevista, divulgada em 2009, Martini indicava que as prioridades para a revolução na Igreja seriam, por esta ordem, o divórcio, o celibato sacerdotal e a relação entre a hierarquia eclesiástica e a política. Dois desses aspectos estão resolvidos ou, pelo menos, em vias de resolução – o divórcio e a relação entre a Igreja e a política –, quanto mais não seja por meio de um desvio no que toca ao cumprimento do Magistério imutável da Igreja. O recente encontro entre Bergoglio e Biden é disso uma prova evidente. O que faltará para que este triplo programa possa ser devidamente concluído?  

No livro, defendo que a realização deste programa é uma questão de “paciência” e de “tempo”, para pedir emprestados os títulos dos meus dois últimos capítulos. Por exemplo, apesar de ainda não termos uma “solução” subversiva para a questão do celibato sacerdotal, o modus operandi dos revolucionários é avançar de forma incrementada e astuta. No entanto, não é claro se terão tempo suficiente para realizar os seus conluios.        

12. Ao longo do livro, em mais de uma passagem, refere-se ao tempo. No que toca ao futuro, nomeadamente à sucessão de Bergoglio, que influência poderá ainda ter o que resta da máfia de São Galo? E, claro, quem poderá ser o nome mais consensual dentro do grupo?   

Embora a maioria dos membros da máfia tenha falecido – com a notável excepção do Cardeal Kasper –, as suas ideias vivem em vários companheiros de viagem e protegidos. Mesmo que a máfia não se encontre actualmente em segredo nos bastidores, o seu espírito viverá ao ar livre, especialmente desde que o Papa Francisco nomeou tantos dos cardeais que escolherão o seu sucessor. Em termos de quem poderá ser esse sucessor, o meu palpite é que será um vencedor inesperado.       

13. Por fim, o que podemos esperar de toda esta situação complexa que tem abalado e descredibilizado o Papado com polémica atrás de polémica?

“Motus in fine velocior”, como diz o velho ditado. Como presumivelmente estamos perto do fim do pontificado do Papa Francisco, as coisas parecem estar a acelerar com o devastador texto Traditionis Custodes e o sínodo 
à Martini” sobre a sinodalidade. Devemos rezar, jejuar e falar para que os planos dos revolucionários não se concretizem.


Fonte: Dies Iræ

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