quinta-feira, 13 de abril de 2023

Sexo, casamento, abusos e padres II

 A Comissão Independente e os padres abusadores

Há várias semanas, pelo que se percebe, o magno assunto a discussão no mundo mediático nacional são os casos de abusos de menores no seio da Igreja Católica. E sobre este tema, tal como o escrevemos no primeiro artigo, parece haver aqui uma campanha de verdadeiro «pânico moral» de que tudo quanto é padre é abusador de menores.

Contudo, antes de avançar, uma declaração de interesses e algumas notas.

1 – Sou católico desde que nasci. E já lá vão mais de quatro décadas.

2 – Frequentei as várias paróquias por onde fui vivendo, desde Portugal continental à Região Autónoma dos Açores.

3 – Frequentei a catequese, nas mais variadas idades, até ao Crisma, passando pelo Grupo de Jovens.

4 – Frequentei o pré-seminário durante vários anos. Muito do que sou hoje, também o devo aos muitos e bons padres com quem (con)vivi nessa época.

5 – Dos perto de 4000 padres Portugueses, conheço algumas centenas e sou amigo de uma parte deles.

6 – Os meus filhos frequentam a paróquia e andam na catequese. Confio nos padres e nos leigos que auxiliam na formação católica dos meus rapazes.

7 – Em mais de quatro décadas de vida e outras tantas de católico, até hoje, não tive conhecimento de qualquer situação menos própria da parte de algum sacerdote ou de leigos nas inúmeras paróquias por onde passei.

8 – Foi com um misto de dor e vergonha que recebi as notícias sobre (eventuais) abusos de menores por parte de alguns membros da Igreja.

9 – É óbvio que, se houve abusos, os culpados têm de ser punidos e os abusados protegidos.

10 – Posto isto, importa, nas linhas seguintes, e após lamentar a dor das vítimas, denunciar, ao mesmo tempo, a verdadeira «campanha de pânico moral» montada em Portugal contra a Instituição Igreja. Em muitos casos, como temos visto, já não se trata de defender as vítimas, mas atacar e destruir a única Instituição verdadeiramente preocupada em proteger as crianças: a Igreja Católica! Até prova em contrário, a Igreja, pelo menos, não tem medo de enfrentar o problema de frente e purificar-se. Já as outras instituições, nomeadamente, clubes desportivos, escolas, instituições de acolhimento a crianças do Estado, etc. nada querem fazer sobre os abusos de menores.

11 – Apesar de (quase) diariamente se conhecerem relatos de abusos contra menores na comunicação social (na sua grande maioria no seio das famílias), não há ninguém que se atreva a lançar o anátema de que as famílias são abusadoras e pedófilas. Além do mais, tal seria uma ofensa e um disparate.

12 – Há um relatório da Comissão Independente (CI) que estudou os casos de potenciais abusos de menores por parte dos elementos da Igreja que, na sua grande maioria, a população portuguesa apenas conhece de nome e jamais leu ou sequer folheou meia dúzia de páginas.

13 – Uma grande parte dos Portugueses, a crer na Comunicação Social, tem uma opinião formada: os padres católicos são abusadores e pedófilos.

14 – Quando se frequentam as paróquias deste país, como eu o faço, percebe-se que há uma certa desmoralização dos sacerdotes, mas os fiéis não se sentem afectados pelas notícias, tantas vezes sensacionalistas, que lhes entram em casa.

Aqui chegados, importa fazer o ponto de situação.

15 – Os potenciais acusados ou suspeitos não são culpados. Esta é a primeira regra básica de um Estado de direito.

16 – O relatório mostra que, em muitas situações, as pessoas (acusadores e acusados) nem sequer foram ouvidas. Em 90% dos casos, as (supostas) vítimas deram o seu testemunho sob anonimato. E claro que tudo isto desencadeará uma investigação para se saber qual o fundamento das acusações/denúncias. Aqui entre nós, e como o disse Souto Moura, e que eu subscrevo, não quero acreditar que as vítimas acusem alguém com um assunto desta gravidade sem fundamento e, portanto, dou o benefício de que estão a falar verdade. Porém, há um princípio básico do direito, quer civil, quer canónico, e esse princípio chama-se presunção de inocência. Julgo que os padres católicos também têm – ou deveriam ter – direito à presunção de inocência.

17 – Importa perceber que não basta acusar. É preciso provar, quer em Processo Canónico, quer em Processo Civil, que a acusação é verdadeira e tem fundamento.

18 – Após a acusação formulada, cabe a cada um dos acusados defender-se. Mas também é verdade que cabe a quem acusa provar que a sua acusação é verdadeira. Funciona assim qualquer caso de justiça, em qualquer parte do mundo civilizado. E Portugal é um país civilizado.

19 – Ainda sobre esta questão da CI, importa destacar a forma como a Igreja lidou com toda esta situação. É louvável o cuidado que foi colocado no averiguar de abusos, não se limitando ao presente, mas recuando ao século passado. Afinal, são mais de 70 anos (1950-2022) e com liberdade total, para que tudo se investigue. A Igreja deu liberdade total. A CI, seguramente, que fez o melhor que soube e pode, mas falta rigor, muito rigor. E não é necessário ser especialista na leitura de relatórios para se perceber a falta de rigor.

20 – A Comunicação Social, sedenta de sangue, aproveitou o ensejo. E não descansará enquanto não houver matança. A Igreja, ingénua, como sempre, a que nem mais de 2000 anos de História lhe vale, foi-se deixando enlamear, muito também por culpa própria. Numa primeira instância, por permitir que houvesse abusos e durante tanto tempo, numa segunda, pela forma ingénua como foi comunicando os resultados do inquérito e como se deixou enrolar no complexo mundo mediático em que estamos inseridos.

20.1 – A propósito do mundo mediático, importa referir, ainda, que foram «mediatizados» alguns números que se percebiam não corresponder à realidade. Vejamos. Os casos relatados, frente a frente, com os responsáveis da Comissão, são 34, para 512 denúncias escritas anonimamente no site da Comissão ao longo de sete décadas. Não há como garantir que esses formulários sejam precisos e rigorosos. Uma única pessoa, dando vários e-mails, poderia ter preenchido vários formulários. Muitos deles poderiam ter sido preenchidas por adversários da Igreja, militantes feministas, anticlericais, etc. Apesar de tudo isto, tiraram-se extrapolações para mais de 4800 supostos casos de abuso para 72 anos. No final, dos 34 casos, vários padres já estão mortos há décadas, sendo impossível, neste momento, apurar se praticaram ou não os actos que lhe são imputados. Outros tantos têm os processos canónicos e civis arquivados por falta de provas, sem esquecer que alguns nomes nem sequer correspondem a sacerdotes, muito menos se conhece a real identidade dos supostos abusadores.

20.2 – Assim, sobre o relatório em si, confesso que tenho alguma dificuldade em perceber o método usado. A denúncia, sem investigação séria, sem contraditório, é muito facilmente manipulável. Pior: permitiu lançar um anátema sobre os padres, com base numa extrapolação e com dados pouco rigorosos, manchando a Instituição Igreja que, ainda hoje, teima em perceber como deve lidar com a situação dos abusos e da comunicação no exigente mundo mediático em que vivemos.

20.3 – Voltando à CI, esta validou 512 testemunhos, apontando, por extrapolação, para 4.815 vítimas. Vinte e cinco casos foram enviados ao Ministério Público, que abriu 15 inquéritos, dos quais 9 foram arquivados. Ou seja, restam 6 casos, que deverão ser investigados e, se houver indícios, serão julgados pelas autoridades.

21 – Posto isto, o que interessou, até agora, parece que foi montar um circo mediático de «caça ao padre pedófilo» e contribuir para a histeria colectiva. E fazem-no com recurso à mentira e à manipulação, sem qualquer cuidado pelo rigor que se exigia para estes casos, especialmente pela memória das vítimas.

22 – No final, com toda esta falta de rigor, parece que há uma intenção de achincalhar as vítimas e ilibar os abusadores. Ou será medo de que, agora, a opinião pública exija comissões independentes a investigar casos de abusos nos clubes desportivos, no mundo da televisão e do espectáculo, no seio das famílias e das instituições do Estado?

Talvez os próximos tempos nos revelem o verdadeiro alcance de toda esta «fogueira pública» em relação à Igreja e os seus sacerdotes. Contudo, até prova em contrário, fica uma ideia clara: enquanto se fala dos supostos abusos dos padres, ninguém aborda as crianças abusadas nos outros lugares, nomeadamente nos espaços familiares e nas instituições públicas.


José de Carvalho

Fonte: Inconveniente

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