Em Portugal, desde os primevos anos da Monarquia, que o poder real era legitimado pelas Cortes Gerais da Nação Portuguesa. As Cortes eram assembleias políticas, Gerais ou Extraordinárias, os órgãos políticos de carácter consultivo e deliberativo das Monarquias orgânicas. Eram convocadas pelo Rei, ou em seu nome, para as diferentes classes sociais estabelecidas em três Ordens: o Primeiro Estado, fronde do Clero; o Segundo Estado, fronde da Nobreza; e o Terceiro Estado, fronde do Povo.
As Cortes da Monarquia Portuguesa eram uma evolução dos concílios nacionais da monarquia visigótica, e, a designação de Cortes provém do nome de Corte dado a cada uma das várias audiências pelas quais se desenvolviam os trabalhos da Assembleia. Havia diferentes designações para as Cortes: Cúria, Concílio e Parlamento – daí a designação ainda hoje utilizada.
As Cortes eram compostas pelo Estado do Clero, os prelados diocesanos, representantes dos cabidos e superiores das ordens religiosas; pelo Estado da Nobreza, um grupo de nobres membros das famílias titulares e nobres de Portugal a quem era reconhecido o direito de participar em Cortes; e o Estado do Povo, representado em Cortes pelos procuradores dos Concelhos Municipais. Desde o alvor da Monarquia Portuguesa que as liberdades municipais eram uma regra essencial de governação. O papel democrático dos municípios tornava-o em real representante de toda a comunidade local diante do Rei que valorizava o apoio popular. Esses conselhos municipais compostos por ‘vizinhos’ tinham capacidade política e um enorme conjunto de liberdades fundamentais, regalias e seguranças, normalmente consignadas em carta de Foral - que elencava as matérias relativas à liberdade das pessoas, ao direito de asilo, à defesa dos direitos em juízo, à tributação, à inviolabilidade do domicílio. Destes concelhos eram enviados representantes às Cortes, tendo assim o Povo participação directa na governação.
As Cortes funcionavam por convocatória do Rei em sessões ordinárias, antecedidas por sessões solenes. Na sessão solene, era proferido um discurso de abertura, a cargo de alguém nomeado pelo Rei. Neste discurso, eram, apresentados, os motivos da convocação.
Os trabalhos das Cortes desenrolavam-se em reuniões independentes de cada um dos três braços, que, de per si, apresentavam, ao Rei, as suas petições ou conclusões. O Rei, a cada um, respondia ulteriormente, cabendo-lhe, sempre, em caso de impasse ou não, a decisão final. A duração dos trabalhos decorria por tempo indefinido até que se concluíssem os assuntos em discussão; pode, contudo, afirmar-se que a média seria a duração de um mês.
As Cúrias eram denominadas Cortes Gerais quando realizadas para eleger e aclamar o Rei. E Cortes Extraordinárias, as que, formalmente, se limitavam a formular pedidos ao Rei – os Agravamentos -, sobre questões de interesse geral do reino ou de interesse de algum município ou de algum Estado ou mester em particular.
Havendo deferência do pedido pelo Rei, essa promulgação conferia o valor de Lei ao Agravamento.
É a tradição portuguesa de autodeterminação a partir da base social dos Três Estados.
Mas voltando à Aclamação, Portugal era o único Reino onde o Rei não era Coroado, ainda que até D. João IV usassem Coroa, mas Aclamado, sendo a imposição da Coroa não o acto que conferia legitimidade ao Rei, mas o seu Alçamento - como era primeiro chamada a Aclamação até D. João IV -, ou seja, era o Alevantamento pelos súbditos que o investia Rei, fosse D. Afonso Henriques na primeira das vezes ou D. Manuel II na última cerimónia. Com excepção do Rei Fundador em que não existiu uma sucessão, nos Monarcas que se Lhe seguiram, após a morte do anterior Rei, a fórmula era de que o novo Rei fosse Aclamado onde estivesse ou onde fossem realizadas as Cortes Gerais no caso de ser necessário eleger um Rei que não fosse o Príncipe herdeiro, não havendo lugar específico para a realização do acto jurídico que lhe conferia a legitimidade real. Se Dom Afonso I foi aclamado em Ourique, a Aclamação do Rei-eleito Dom João I ocorreu, a 6 de Abril de 1385, nas Cortes de Coimbra. ‘Ouvide! Ouvide! Ouvide! Arreal! Arreal! Arreal! Pelo mui alto e poderoso Príncipe El-Rei Dom Joam, nosso senhor!’
Assim os Reis desta tão abençoada Nação, ainda que Pela Graça de Deus, fruto da Aclamação, também, o não eram menos pelo Querer de Todos os Portugueses.
A Monarquia Portuguesa derivava, portanto, de uma convenção entre a Res Publica, a Comunidade dos Portugueses (que D. Francisco de Almeida definiu como a ’congregação de nossos parentes, amigos e compatriotas, a que chamamos república’) e o Rei, que era sempre Aclamado, primeiro pelos Três Estados reunidos em Cortes, depois, na vigência da Monarquia Constitucional, através da Aclamação dos Pares do Reino da Câmara Alta e dos Deputados da Nação da Câmara Baixa das Cortes e depois ainda com uma Aclamação pelo Povo diante da varanda de São Bento, pois nunca assentou as suas bases no absolutismo da teoria medieval da origem divina do poder, mas antes erigiu o seu trono nas bases do sólido apoio de toda a Grei.
Assim a legitimação dos Reis resulta destes receberem o poder do Povo para governar sob a obrigação implícita de reinar bem. O Rei coloca-se ao serviço da Nação – a servidão de reinar de que falava D. Pedro V - caso contrário, se ele não cumprir quaisquer deveres próprios à função real, a Comunidade pode destroná-lo. A Nação não é obrigada a amargar um Rei despótico e caprichoso e por isso mesmo o Monarca pode ser deposto por Cortes Gerais. É a repristinação do mandamento do direito visigótico de que o Rei tem de reinar justamente: ‘És Rei se fizeres rectamente, se não fizeres, não és’, que foi plasmado nas leis do Reino e depois nas Constituições do Reino de Portugal.
‘Os Tês Estados destes Reinos de Portugal, juntos nestas Cortes, onde representam os mesmos Reinos e em todo o poder que neles há, consultarão que por princípio delas deviam fazer assento por escrito firmado por todos (…) E pressupondo por cousa certa em direito, que ao Reino somente compete (…) eximir-se também de sua sujeição e domínio, quando o Rei por seu modo de governo se fez indigno de reinar, por quanto este poder lhe ficou, quando os povos a principio transferirão o seu poder no Rei para os governar’, escreveu Ayres de Campos in ‘O poder Real e as Cortes’.
Para castigar o Rei que fazia mau uso do poder que lhe havia sido conferido pela Comunidade, a competência pertenceu primeiro às Cortes Gerais, e depois, na Monarquia Constitucional ao Parlamento, também chamado de Cortes, e que dispunham de meios que iam desde a ab-rogação das regalias reais, pela instituição de uma Regência, ou mesmo pela extremada deposição do Rei.
Assim, deu-se em Portugal, o caso particular, desde o próprio Rei Fundador Dom Afonso Henriques até ao último Rei, Dom Manuel II, de que o Rei é Aclamado e nunca imposto.
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