quinta-feira, 8 de agosto de 2024

Feira Medieval de Silves 2024


Xilb, cidade de Amores e Desamores

Estamos na margem sul de um rio, perto de um açude onde as águas são doces e calmas e desviadas para a Couraça, que através das suas rodas hidráulicas elevam o precioso líquido até à parte mais alta da cidade. A cidade é XILB e, daqui, do remanso deste sublime rio, tão bem frequentado por lavadeiras e outras belas mulheres de cinturas finas e ancas opulentas, temos uma vista maravilhosa sobre a mesma. Daqui vemos a muralha da cidade baixa, que mandei construir para proteger os seus habitantes, mas sobretudo as grandes e inexpugnáveis muralhas da medina, que apesar da sua robustez consegui transpor conquistando a cidade. Não à primeira, como se conta por ai, mas da segunda vez, corria o ano de 1055.

 

Agora, a mando de meu pai, que governa o esplendoroso reino de Sevilha, sou dono e senhor deste vasto território e tenho por amigo o ilustre poeta Ibn Ammar, que tendo nascido não muito longe destas terras, para aqui veio muito jovem estudar letras na reputada universidade desta cidade. Mas não se ficou por cá e já privou com grandes mestres, em escolas como as de Córdova ou Sevilha.

 

Costumámos entreter-nos a dizer poesia ao desafio: um lança um verso e o outro continua. Mas hoje Ibn Ammar não está nos seus dias. Há pouco, lancei-lhe este mote: “O vento faz da água uma loriga”, e ele continuou mudo. Quem me respondeu foi uma bela mulher de faces mais lívidas do que é habitual por aqui, que me deixou deleitado. Não só pela beleza mas pela réplica que deu ao meu verso: “Que cota de malha usaria se estivesse a congelar”. Indaguei-a! Disse-me ser escrava e chamar-se Rumaikkya. Gostaria de voltar a vê-la. Vou confessar-vos, gostaria mesmo muito de a embalar no meu regaço. Gostaria, ainda mais, de passar as minhas mãos pela sua pele que aparentava ser aveludada como a casca dos damascos que povoam os jardins do meu majestoso Palácio das Varandas. Este palácio, que mandei construir, situa-se lá no topo da colina, para além das muralhas da alcáçova ainda erguidas pelos senhores califas de Córdova, já lá vão umas boas décadas.

 

Fiquei a falar dela sem parar, num corrupio dos mais tolos e brilhantes adjectivos, que a minha mente recebeu do meu coração já quase enamorado. Ibn Ammar mostrou-se enciumado e há horas que está cabisbaixo. Acho que vou montar a minha égua branca e cavalgar até ao topo da colina, talvez encontre Rumaikkya numa das ruas apertadas da medina.

 

Al-Mut'amid viria a encontrar Rumaikkya, que desposou e a quem devolveu o seu verdadeiro nome – Itymad. Esta foi sempre a mulher preferida do nosso príncipe. Sendo escrava não foi de imediato aceite por Al-Mot'adid, que mal soube do enlace mandou chama-los a Sevilha, a fim de se pronunciar sobre a união do filho mas, de imediato, se quedou perante a beleza e a ampla cultura da nora.
Quem não apreciou o casamento foi Ibn Ammar que havia ficado em Silves a governar a cidade. Ibn Ammar nutria pelo príncipe abádida mais do que uma simples amizade, o que se afere num poema que lhe dedica.

 

(…) Vejo que agora finges amor pelas mulheres, porém já te conheci apaixonado por homens;
elegeste entre todas as filhas da vileza Rumaykyia (…)
e todos os filhos que te deu são cobardes e vis, tanto pela parte do pai como da mãe;
têm os rostos pálidos como se tivessem sido paridos pelo cú, tendo assim resultado estúpidos e preguiçosos (…).

 

Xilb, a cidade mais ocidental do Gharb al-andalus, não foi famosa apenas pela beleza dos seus palácios, pela inexpugnabilidade das suas muralhas, ou pela doçura das suas maçãs e dos seus figos, estes exportadas para todo o mundo. Silves foi bem conhecida pelos seus poetas que nos deixaram, além da beleza da métrica dos seus versos, muitas histórias de amores, traições e desamores, como parece ter sido esta, aqui vivida e sofrida por alguns dos seus mais ilustres habitantes.

Mais informações: 

https://feiramedievaldesilves.pt/

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