Estava uma noite escura e fria, típica do Outono que já ia adiantado, e a neblina envolvia em segredo aquelas figuras que afundadas em capas e capotes negros se abafavam não só do frio, mas se escondiam de olhares indagantes. Os seus largos chapéus de abas e plumas escuras pareciam bailar enquanto as figuras que mal se recortavam no breu se esgueiravam pela noite adentro, sem outra coisa que os denunciasse que não fosse o brilho nos olhos de quem tinha a razão do seu lado, e os tacões que quando em vez apanhando um solo mais seco troavam, fazendo ladrar um cão na vizinhança. Convergiam todos para uma pequena porta incrustada na velha muralha fernandina.
Um a um, ou às vezes até mais quando o objectivo os fazia convergir ao mesmo tempo, batiam à portinhola e perguntavam-lhes um a um:
– Ao que vem, Vossa Mercê?
Uma voz abafada respondia com a senha que lhe dava direito a entrar:
– ‘Nossa Senhora da Conceição!’
Dita a senha e depois de reconhecidas as caras do outro lado pelo proprietário as figuras que se moviam esguias na noite entravam e desciam os estreitos degraus um a um – porque não dava para o fazer de par em par – até desembocar no jardim do que parecia ser um Palácio. Iam entrando numa pequena sala na qual desembocava a escadaria, e que umas velas de luz mortiça teimavam em não se deixar apagar para alumiar os presentes. O encontro tinha que ser assim, no secretismo que aquele lugar possibilitava por estar longe dos olhares curiosos dos demais habitantes do Palácio, especialmente da criadagem – sempre de língua solta! -, até porque aquilo não era uma tertúlia, mas uma Conjura!
Livres dos embuços que serviram para os camuflar na noite, cumprimentaram-se todos efusivamente.
Esta reunião no Palácio dos Almadas, em Lisboa, na noite de 12 de Outubro de 1640, foi a mais importante de todas da Conjuração, pois além de D. Antão de Almada – da tão fidalga e nobre família que tanto já tinha dado à sua Nação e se preparava para ainda mais dar -, incluiu ainda D. Miguel de Almeida – o decano destes Conjurados -, o Monteiro-mor Francisco de Mello e seu irmão Jorge de Mello, António Saldanha, Pedro de Mendoça Furtado e o agente do Duque de Bragança em Lisboa, João Pinto Ribeiro.
Miguel Villas-Boas
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