Dadas as circunstâncias, face à crise profunda que estamos a viver, num momento em que o desânimo campeia e em que já não se acredita em nada e muito menos nas instituições, seria de esperar que o chefe de Estado fizesse um discurso diferente. Não se esperaria que comentasse a crise política que parece afetar a coligação, ou que fizesse uma das suas avaliações, feitas de meias palavras, sobre as medidas anunciadas pelo Governo. Mas seria seguramente expectável que tivesse uma intervenção política mais profunda. A descrição que fez, repetidamente, sobre as suas funções constitucionais, é um tema gasto. Aquilo que se ouviu do presidente foram palavras, também elas, gastas sobre os jovens e confusões entre a emigração de hoje e a do passado.
Não lhe ouvimos dizer que Portugal tem de utilizar o seu crédito, na Europa, para defender, com outros estados membros, uma alternativa. Não lhe ouvimos lembrar o país que o pagamento das suas dívidas e a reestruturação da sua economia não têm de ter um caráter punitivo. Não o vimos dirigir-se à classe média garantindo-lhe que há um futuro para além da troika. Não ouvimos concluir o seu discurso sobre a equidade, em que suscita dúvidas em explicar as suas convicções. Não lhe ouvimos reconhecer que somos, neste momento, um país dependente. Tentou, é certo, explicar aos portugueses que a austeridade é um caminho, mas não é um destino. Ainda assim, não lhe ouvimos dizer aos portugueses, que não podem trocar a paz social pela barafunda, por muito zangados que estejam. Não ouvimos uma única referência à "caça aos políticos", que é o princípio do fim da democracia. Não lhe ouvimos dizer que o país não pode iludir-se com os cantos das tágides que inspiram essa caça, e prometem uma salvação impossível. Não lhe ouvimos um único elogio aos muitos portugueses que, neste tempo difícil, dedicam parte do seu tempo e dos seus parcos haveres a auxiliar aqueles que mais precisam. Não lhe ouvimos, enfim, as palavras que foram ditas por António Costa, sobre a nossa história de oito séculos, sobre a necessidade imperiosa de não sermos submissos.
Como já se esperava, ouviram-se os protestos daqueles que lamentam que este dia seja, pela última vez, feriado. É a folga, e não o seu significado, que os preocupa. Pois podem ficar descansados porque o 5 de Outubro será um sábado em 2013 e um domingo em 2014, pelo que a medida é inócua, ficando por saber se esta república invertida ainda terá direito a celebração no ano longínquo de 2015.
Não sei se esta república ainda tem emenda. Não sei, sequer, se haverá quem acredite que existe solução para um problema que já não é, apenas, económico ou financeiro, mas de fundo, significando o descrédito dos órgãos e das instituições, a perda de confiança nos governantes e na classe política, a desestruturação e a desagregação do próprio Estado.
Se a monarquia constitucional não resistiu ao ultimato inglês, tenho dúvidas de que a república possa sobreviver ao ultimato alemão. Há indícios de que os portugueses já não acreditam nas suas instituições democráticas, um sinal de profundo dissenso que é transversal a toda a sociedade. Este ultimato pode determinar, por isso, o fim do regime. Principalmente se não houver sentido de Estado por parte da classe política, se não houver capacidade de regeneração, se não houver respeito por princípios éticos fundamentais, se não houver quem apele e incentive os portugueses à coesão nacional que é um dos poucos ativos que nos restam, se não houver quem tenha a coragem suficiente para explicar a quem nos tutela que desta forma, e mesmo fazendo tudo aquilo que nos exigem, não poderemos cumprir com os nossos compromissos para com eles.
Fonte: JN
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