Entrevista - D. Duarte de Orléans e Bragança (Duque de Bragança) »O que pensa o herdeiro de um hipotético trono da República de PortugalNas comemoração dos 126 da Lei Áurea, assinada por sua bisavó materna, a princesa Isabel (1946-1921), ele concedeu esta entrevista ao Diário
Dom Duarte comentou que o Recife é a cidade preferida dele por conta da riqueza cultural.
Os bigodes logo "denunciam". Sim, ele é português, mas, digamos, de alma brasileira. O príncipe d. Duarte Bragança de Orléans e Bragança, de 69 anos, é o herdeiro de um hipotético trono da República de Portugal e lá ele tem o tratamento de Duque de Bragança. Nas comemoração dos 126 da Lei Áurea, assinada por sua bisavó materna, a princesa Isabel (1946-1921), ele concedeu uma entrevista ao Diário e relembrou de momentos curiosos de passagens suas pelo Brasil, como numa viagem à Chapada Diamantina, em Minas Gerais, quando deixou de pagar uma multa porque o guarda reconheceu seu parenteso. "Ele disse: 'nunca fiz nada para agradecer à Princesa Isabel pelo que ela fez por mim! Não passo a multa, mas o senhor vem comigo ao posto da polícia para eu o apresentar ao pessoal", contou, por e-mail. A sua ligação com o 13 de Maio não termina por aí. Foi nesta data, em 1995, que ele celebrou seu casamento com Isabel de Castro Curvelo de Herédia, com quem tem três filhos. Na entrevista, d. Duarte também fala de seu trabalho social, através da Fundação d. Manuel II, em países como o Timor Leste e as ex-colónias portuguesas na África do Sul. De Pernambuco, ele se diz fã e amigos dos escritores Ariano Suassuna e Gilberto Freyre, este último um dos maiores intelectuais em teses de valorização das relações entre o Brasil e Portugal. Em termos dinásticos, d. Duarte não é príncipe do Brasil. Sua mãe, a princesa Francisca (1914-1968), se casou com um primo e príncipe português, d. Duarte Nuno (1907-1976). Ele é primo de primeiro grau do que os monarquistas convém chamar de chefe da família imperial, ou seja, o virtual imperador do Brasil caso a monarquia ainda fosse o sistema de governo. O actual é d. Pedro Carlos de Orléans e Bragança, de 68 anos, que vive em Petrópolis, no estado do Rio de Janeiro.
Entre os membros da Família Imperial Brasileira, a princesa Isabel ficou conhecida por entrar na história com a assinatura da Lei Áurea. Existe algum tipo de história familiar sobre a princesa que circula entre gerações?
A minha mãe contava histórias que tinha ouvido do seu pai (o príncipe d. Pedro e Alcântara, filho mais velho da princesa Isabel), mas não me lembro de nenhuma em particular. Lembro-me melhor do que a minha mãe me contou sobre as viagens que fez no interior do Brasil com o meu avô, nas quais conheceu a realidade profunda desse extraordinário país. Tenho algumas experiências interessantes, como a de um dia, quando um polícia de ascendência africana me estava passando uma multa por uma infracção ao código da estrada (código de trânsito). Quando viu o meu nome no passaporte perguntou se eu era da família da Princesa Isabel. Perante a minha resposta positiva ele disse: 'Nunca fiz nada para agradecer à princesa Isabel o que ela fez por mim! Não passo a multa, mas o senhor vem comigo ao posto da polícia para eu o apresentar ao pessoal.' Tivemos um convívio muito animado com a polícia de Diamantina, em Minas Gerais... é muito frequente brasileiros serem particularmente calorosos comigo quando descobrem que eu descendo da princesa Isabel, que consideram uma verdadeira santa.
Existe algum ensinamento da princesa que é transmitido pela família?
Tento transmitir o seu sentido de responsabilidade perante o povo a que pertence, particularmente perante as comunidades mais desfavorecidas e as pessoas injustamente marginalizadas. Também uma das qualidades que a princesa tinha era saber ser simpática e carinhosa com toda a gente.
Numa decisão inédita no mundo, um estado republicado o reconheceu como "herdeiro da coroa" em Portugal, em 2006, como Duque de Bragança. O cargo exige responsabilidades?
Em várias ocasiões tenho podido colaborar com o nosso governo. O caso que teve mais notoriedade foi a minha acção diplomática junto do governo e dos militares indonésios que levou a que após mais de 20 anos de ocupação de Timor português, eles aceitassem devolver a liberdade ao povo timorense. Por esse motivo o Parlamento timorense decidiu dar-me a sua nacionalidade. Na votação, feita no Parlamento, esta iniciativa foi aprovada por unanimidade. Também consegui organizar um acordo de paz entre o governo de Angola e o Movimento que há 30 anos lutava para a independência do enclave de Cabinda e ainda liderei transacções diplomáticas junto de monarquias árabes e na Síria.
No caso do Timor Leste, a Fundação d. Manuel II construiu casas...
Durante a ocupação indonésia visitei demoradamente Timor e tive vários encontros com os governantes e comandos militares indonésios e mantenho estas ligações ainda hoje. Eu colaboro com Timor através de iniciativas da Fundação Dom Manuel II que vão desde uma indústria tipográfica oferecida à Diocese de Baucau e que é a única do seu género em Timor até um projecto de desenvolvimento comunitário rural que está a ser desenvolvido agora. É para mim sempre uma alegria quando posso visitar este tão belo e simpático país. Recomendo a todos os brasileiros que possam, nomeadamente os que vão a Austrália ou a Bali, que aproveitem a oportunidade para também visitar Timor. Aliás, os timorenses ficaram muito gratos ao diplomata brasileiro Sérgio Vieira de Melo pelo trabalho que desempenhou na difícil transição para a independência. Quanto às casas que se refere foram construídas em Portugal para alojar as famílias aqui refugiadas que fugiram quando da invasão da Indonésia em Timor, em 1975.
Em 1972, logo após o fim de sua carreira militar, o Sr. protagonizou uma lista independente de candidatos ao governo angolano. O Sr. era a favor da independência da antiga colónia portuguesa? Foi esta a causa de sua expulsão do país?
Em 1972, muita gente tinha percebido que a política ultramarina portuguesa levava-nos para uma situação insustentável por ser injusta para com as aspirações políticas do número cada vez maior de africanos. No entanto, a grande maioria dos africanos percebiam que os seus países não estavam preparados para a independência e que os autodenominados "movimentos de libertação" eram em grande parte instrumentos de potências estrangeiras, principalmente da União Soviética e dos Estados Unidos da América. Por isso, um grupo de angolanos de todas as origens étnicas preparou uma lista de candidatos para as eleições ao Parlamento Português, no qual Angola tinha um certo número de deputados. Este movimento tinha como objectivo mais justiça social, maior participação política das populações locais, a todos os níveis, e uma maior integração e igualdade política e económica entre todas as províncias ultramarinas portuguesas. Considerava, portanto, que a separação dos territórios, ou seja, a independência, seria nessa época a pior solução possível. O Primeiro Ministro português, Marcelo Caetano, queria meter Portugal na Comunidade Económica Europeia, por isso, e por pressões Norte Americanas, tinha planeado um golpe político no sentido de, como ele próprio disse, "criar novos Brasis". Foi por o nosso grupo está a interferir com esta manobra que ele me expulsou de Angola e São Tomé e Príncipe e intimidou os elementos que viviam em Angola e em São Tomé. Hoje é, infelizmente, muito claro que quem tinha razão éramos nós e muitos dos responsáveis de vários governos africanos estão de acordo comigo. Só depois de mais de 30 anos de terríveis guerras civis, com centenas de milhares de mortos, ou mesmo milhões, é que voltou a paz e a normalidade política. Foram 30 anos perdidos para esses povos.
O título duque de Bragança não seria herdado pelos descendentes de d. Pedro I no Brasil?
A cidade de Bragança, que deu origem ao título, é uma cidade de trás-os-montes e, por isso, após a divisão do reino unido Portugal e Brasil, o título passou a ser usado pelos príncipes herdeiros em Portugal.
O senhor acredita na volta da monarquia? Tanto em Portugal como no Brasil?
Nas monarquias europeias os estados têm políticas sociais muito mais avançadas do que na maioria das repúblicas. O mesmo se pode dizer, por exemplo, entre o reino do Canadá e as duas repúblicas do continente norte-americano, ou entre os reinos da Áustrália e da Nova Zelândia e as repúblicas da área do Pacífico, entre o império Japão e as repúblicas vizinhas, etc... Como isto não pode ser pura coincidência, conclui-se que é influência da instituição Real que permitiu estes resultados melhores. O mesmo se pode dizer de reinos noutra áreas do mundo, como a Tailândia, etc... Os interesses dos poderosos grupos económicos é que preferem os regimes republicanos que eles compram e controlam mais facilmente e, por isso, os livros de história e a imprensa, controlada pelos interesses económicos, são geralmente republicanas. Para uma análise inteligente, não se pode comparar situações actuais com as de há 100 anos atrás, como por exemplo comparar a monarquia brasileira com a actual república. As vantagens de um rei como chefe de Estado em democracia são a sua independência política, uma influência que dá estabilidade à vida dos países,
a existência de um árbitro ou juiz verdadeiramente livre de pressões. Quem aceitaria que no futebol o juíz do jogo pertencesse a um dos clubes? Porém nas repúblicas os presidentes quase sempre pertencem a um dos partidos e, para serem eleitos, precisam de muito dinheiro. De algum modo também se pode dizer que o rei tem uma "formação profissional" para o cargo que vai assumir, que raramente um candidato a presidente terá. Não posso terminar sem salientar que o Recife é a minha cidade brasileira preferida pelo interesse cultural de tanta gente, desde o nível dos poetas e repentistas populares até algumas das figuras mais brilhantes da cultura lusófona, como Gilberto Freire e o meu grande amigo Ariano Suassuna.