"Esta cruz mandou fazer El Rei Dom Sancho no ano de 1214", lê-se gravado, leve mas firme, no metal finamente trabalhado. Esta inscrição, a única que se acha no rico objecto, mandou-a imprimir Dom Sancho em leito de morte. O Rei Povoador, que foi o segundo de Portugal, desaparecera antes, em 1211, mas deixara ordens para que em seu nome viesse a forjar-se a Cruz. Quem lha fez não nos é revelado: a Cruz de Dom Sancho é obra do século XIII, quando não era ainda usual do artífice perpetuar-se no tempo pela assinatura da sua arte. O que nos é dado saber é que o objecto é produto de operação de reutilização, como se o artista tivesse insuflado nova vida no ouro velho. Dom Sancho deixou em testamento o ouro - entre este, ao que parece, uma "copa" - e as pedras preciosas com que veio a produzir-se a Cruz.
Ordenou-a Dom Sancho por dois motivos, ambos atendíveis ao olho de um católico - e católico era, e mais terá ficado com a aproximação da morte, o rei. Por um lado, diz-se que o soberano se teria preocupado em abandonar esta terra com um acto de piedade, pois haviam sido numerosos durante o seu governo os conflitos com a Igreja, e Sancho sentia ter razão para temer pela alma. Outro motivo, de prova mais simples, é que o Rei pretendia guardar dignamente a relíquia do Santo Lenho da Vera Cruz, a cruz em que foi crucificado Cristo, que possuía e que recebera do pai Afonso Henriques.
O objecto resultante é extraordinário. Em primeira linha, é-o por ter sobrevivido, sem dano significativo ou falha que se note, a oitocentos anos de turbulenta, instável, tantas vezes caótica história nacional. A Cruz de Dom Sancho, protectora, pelo menos de início, do Santo Lenho, foi doada ao Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra, e de lá não saiu até às perseguições religiosas movidas pelo partido liberal após 1834; hoje, é quase milagrosamente que se encontra exposto, em perfeita condição, no Museu Nacional de Arte Antiga. Mas mais fabulosa é a Cruz por em tudo exibir originalidade, arrojo artístico, determinação de marcar: o emprego da flor-de-lis é, talvez, o mais antigo numa Península Ibérica onde era, e continuou a ser por várias décadas, mais popular o austero desenho da cruz grega; a profusão de cores e pedras preciosas é também motivo de surpresa, e rareiam os exemplares de similar ornamentação. Jóia antiquíssima e que testemunhou boa parte da vida nacional, a Cruz de Dom Sancho é um verdadeiro tesouro - para Portugal e a Portugalidade.
RPB
Ordenou-a Dom Sancho por dois motivos, ambos atendíveis ao olho de um católico - e católico era, e mais terá ficado com a aproximação da morte, o rei. Por um lado, diz-se que o soberano se teria preocupado em abandonar esta terra com um acto de piedade, pois haviam sido numerosos durante o seu governo os conflitos com a Igreja, e Sancho sentia ter razão para temer pela alma. Outro motivo, de prova mais simples, é que o Rei pretendia guardar dignamente a relíquia do Santo Lenho da Vera Cruz, a cruz em que foi crucificado Cristo, que possuía e que recebera do pai Afonso Henriques.
O objecto resultante é extraordinário. Em primeira linha, é-o por ter sobrevivido, sem dano significativo ou falha que se note, a oitocentos anos de turbulenta, instável, tantas vezes caótica história nacional. A Cruz de Dom Sancho, protectora, pelo menos de início, do Santo Lenho, foi doada ao Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra, e de lá não saiu até às perseguições religiosas movidas pelo partido liberal após 1834; hoje, é quase milagrosamente que se encontra exposto, em perfeita condição, no Museu Nacional de Arte Antiga. Mas mais fabulosa é a Cruz por em tudo exibir originalidade, arrojo artístico, determinação de marcar: o emprego da flor-de-lis é, talvez, o mais antigo numa Península Ibérica onde era, e continuou a ser por várias décadas, mais popular o austero desenho da cruz grega; a profusão de cores e pedras preciosas é também motivo de surpresa, e rareiam os exemplares de similar ornamentação. Jóia antiquíssima e que testemunhou boa parte da vida nacional, a Cruz de Dom Sancho é um verdadeiro tesouro - para Portugal e a Portugalidade.
RPB
Fonte: Nova Portugalidade
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