Os corredores gelados da casa de Tendais, especialmente para a mente de uma criança, criaram em mim uma impressão muito forte, que acompanhou na pele os ensinamentos que os homens da minha família, o meu pai, tios e avôs, partilharam comigo.
Lições de dever, de coragem, de generosidade, de caridade.
Levei comigo essas palavras e agucei as minhas conclusões ao longo dos anos. Questionei durante muito tempo os valores familiares. Um deles, o mais pitoresco, a tradição monárquica, foi talvez o que mais abalos sofreu. Enfrentei a dúvida que tantos jovens monárquicos enfrentam: porque razão nos devemos bater por uma ideia que mais não é do que uma afirmação estética, uma diferenciação social que, para os que não sofrem do pedantismo snob da suposta velha aristocracia, é mais prejudicial do que proveitoso?
A verdade é que a Monarquia não é palco para as vaidades da consanguinidade de sangue azul. A Monarquia não é também, ao contrário de tantos cientista políticos, um “atenuador” das lutas partidárias das democracias modernas. Isto não são monarquias, são velhas situações.
A Monarquia é a conclusão do Pensamento, é a Árvore, e a flor desta Árvore é o ideal da Cavalaria.
Numa coisa os democratas da monarquia têm razão: a Monarquia controla a paixão pelo poder dos poderosos. Mas fá-lo porque substitui essa paixão pelo amor ao serviço da Pátria, pelo amor aos feitos corajosos, pelo amor aos mais fracos e desprotegidos.
Numa coisa os snobs hemofílicos da monarquia têm razão: a Monarquia enobrece. Mas a Monarquia não enobrece os inúteis e os pedantes, os covardes e irresponsáveis, os que assumem as benesses da sua casta como direitos adquiridos. A monarquia enobrece os que vivem à lei da nobreza. Que nobreza?
O ideal de nobreza merece ser aperfeiçoado. A nobreza não depende de um canudo universitário ou de um salário milionário – encontra-se em todas as camadas sociais, pertence a todos os grupos profissionais e a todas as actividades que garantem o bem comum na sociedade portuguesa. Encontra-se no estudante que luta por uma bolsa ou por conseguir o dinheiro das propinas, no empregado fabril ameaçado pelo fecho da sua fábrica, no desempregado que todos os dias navega anúncios atrás de anúncios de emprego na Internet.
Quando tantos e tantos destes homens e mulheres, na sua luta diária, encontram tempo e disponiblidade para dar de si aos outros, é que nos apercebemos que o ideal de cavalaria, aquela dura rigidez do dever, naquela alma de ferro que se demonstra nos mais calorosos actos de amor, de facto existe, mais forte do que nunca, somente à espera de alguém ou algo que lhe dê significado. Esse alguém é, sem dúvida, a monarquia e esse algo é a necessidade de ser monárquico.
Manuel Marques Pinto de Rezende
Fonte: o espectador portuguez
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