O argumento não é novo porque, já depois de Nero ter incendiado Roma, lançou a culpa sobre os cristãos que, por esse motivo, foram então martirizados em grande número. É verdade que, a propósito do grande incêndio de Pedrógão Grande – o 11º mais mortal de sempre no mundo inteiro e o 3º a nível europeu – ninguém acusou a Igreja católica de qualquer culpa ou negligência. Mas, como geralmente acontece, não faltou quem deplorasse a escassa solidariedade manifestada pela Igreja que, segundo uma crítica que também já é velha, porque teve a sua origem em Judas Iscariotes (cfr. Jo 12, 4-8), supostamente gasta milhões na construção de novos templos – como a nova basílica de Fátima – mas só uns miseráveis tostões no apoio às vítimas destes flagelos. Será verdade?
Felizmente, a ignorância religiosa dos mais assanhados anticlericais, que pululam sobretudo nas redes sociais, impediu-lhes o recurso a um fortíssimo argumento teológico que, se fosse do seu conhecimento, obrigaria a concluir que todos os cristãos são, por exigência da sua fé, perigosos pirómanos. Com efeito, Jesus Cristo fez, segundo o evangelista Lucas, uma declaração absolutamente incendiária: “Eu vim trazer fogo à terra; e como desejaria que já estivesse ateado!” (Lc 12, 49). É óbvio o sentido figurado desta afirmação, excepto para aqueles exegetas improvisados que, como Nero, não precisam de nenhuma culpa verosímil para atacarem a Igreja e condenarem os cristãos.
Também há quem muito goste de invocar, nestes casos, a alegada apatia divina, como prova da inexistência de Deus ou, então, como expressão do seu desinteresse pela humanidade, nomeadamente pelos mais frágeis e necessitados seres humanos. É curioso que estes improvisados teólogos não considerem Deus responsável pelo que há de bom no mundo, nem o consigam ver através da solidariedade dos cristãos e não só, quando estes actos são provas evidentes do seu amor paternal por todas as criaturas.
É verdade que, nem sempre, a acção socio-caritativa da Igreja católica é visível ou contabilizável: dos milhões com que os portugueses generosamente contribuíram para as vítimas dos incêndios, qual a percentagem que corresponde aos católicos? Se o último censo concluiu que 80% dos portugueses se afirmam católicos, não será exagerado deduzir que, pelo menos, essa mesma percentagem da ajuda corresponde ao contributo dos católicos portugueses e, portanto, da Igreja em Portugal.
Acresce a este montante, já avultado, a muito generosa ajuda proporcionada pela Cáritas, uma organização católica que, não só abriu de imediato uma conta solidária, como disponibilizou duzentos mil euros para as vítimas. Diga-se de passagem que o fez porque tem alguns fundos em depósito, o que muito escandaliza alguns fariseus; mas, se os não tivesse, como poderia responder, com esta prontidão e generosidade, a emergências desta natureza?! Também organizou, de imediato, uma campanha nacional de recolha de bens de primeira necessidade, que foram depois dados às pessoas mais afectadas pelos incêndios.
No caso do grande incêndio de Pedrógão Grande, não faltaram, de facto, gestos de profunda caridade cristã, a começar pelo Papa Francisco, que manifestou publicamente a sua solidariedade, rezando pelas vítimas e pedindo orações por esta intenção. Também os houve por parte do clero católico do nosso país, como a muito louvável iniciativa do Padre António Teixeira, que fez uma proposta muito corajosa e exigente a todos os sacerdotes portugueses: que cada um “renunciasse à sua remuneração do mês a favor das vítimas dos incêndios” (Família Cristã, Julho-Agosto 2017, p. 31). Muitos, decerto, corresponderam a este apelo, mas não consta que mais ninguém, nem nenhuma ordem profissional, tenha tomado alguma iniciativa análoga, nem sequer em relação a uma pequena percentagem do salário. Portanto, Frei Tomás não só prega como também faz!
Embora seja relevante a ajuda material, mais importante é o apoio dado no terreno às vítimas, como explicou à Agência Ecclesia o Padre Júlio dos Santos, pároco de Pedrógão: “O problema principal é o estado de espírito das pessoas, e é aí que devemos apostar mais. Mostrar proximidade, conversar, dar uma palavra de ânimo […]. É bom saber que há pessoas de outras dioceses que se preocupam connosco, e a Igreja é isto: somos uma família que nos preocupamos”. Ou, nas palavras mais emotivas do Padre António Teixeira: “É chorar com eles, é revoltarmo-nos com eles. É muito difícil falar de Deus amor, de Deus ternura, de Deus misericórdia. E para não cairmos em demagogias e em teologias bonitas, o silêncio, o abraço chorado e sangrado com eles é a melhor maneira de lhes falar de Deus”.
Outra expressão da presença, discreta mas muito eficaz, da Igreja neste combate da paz são os bombeiros – muitos deles católicos – e os respectivos capelães. Como explicou o Padre Paulo Carmo, bombeiro e capelão da corporação de Aljustrel: “o capelão sofre com eles [bombeiros], ele próprio pode também sentir uma certa agitação, por se ver também incapaz, mas o mais importante é que eles vejam que o capelão está com eles e que é um homem de Deus”.
Ao contrário dos políticos e jornalistas que, em geral, reduzem as suas intervenções à incidência mediática destes acontecimentos e, por isso, tão depressa aparecem como depois desaparecem, a Igreja católica está sempre presente. Antecipou-se à tragédia, porque a nota pastoral “Cuidar da casa comum – prevenir e evitar os incêndios”, da Conferência Episcopal Portuguesa, de 27 de Abril deste ano, já chamava a atenção dos responsáveis políticos para a possibilidade de uma calamidade desta natureza. Uma advertência que, se tivesse sido atendida, teria eventualmente evitado a dolorosa perda de tantas vidas humanas. Também depois de ocorrida a tragédia, que só por criminosa incúria pôde acontecer, muitos padres e leigos, bem como outras pessoas de boa vontade, prestaram, de forma discreta e sem qualquer exibicionismo, um serviço insubstituível às vítimas destes flagelos. Não, decerto, por mérito seu, mas por graça de Deus que, como ensina a fé cristã, é amor.
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